Is it you? Or is it just me?
Direção: Olivier Assayas
Roteiro: Olivier Assayas
Elenco: Kristen Stewart, Nora von Waldstätten, Lars Eidinger, Sigrid Bouaziz, Anders Danielsen Lie, Ty Olwin, Benjamin Biolay, Audrey Bonnet, Pascal Rambert, Aurélia Petit, Olivia Ross, Thibault Lacroix
França/Alemanha, 2017, Drama, 105 minutos
Sinopse: Maureen (Kristen Stewart) é uma jovem americana que mora em Paris e trabalha como personal shopper para uma celebridade local. Ela também tem uma capacidade especial para se comunicar com o mundo dos mortos. A moça dividia esse dom com seu irmão, recém-falecido, que parece estar querendo enviar uma mensagem para o mundo dos vivos. (Adoro Cinema)
Se as palmas e as vaias ao fim das sessões do Festival de Cannes significassem alguma coisa (na maioria das vezes não significam, como aponta certeiramente esse artigo do site Indiewire), minha expressão de incredulidade seria grande com a recepção para Personal Shopper. Vaiado, o filme de Olivier Assayas foi amplamente criticado em sua primeira exibição mundial, provando que são mais frequentes do que pensamos os casos de obras rejeitadas equivocadamente em reações imediatas. A mais lógica das teorias para justificar o distorcido julgamento é a de que nem sempre reagimos de forma instantaneamente positiva a obras que provocam, mexem com zonas de conforto e entregam resultados bem diferentes do esperado. Personal Shopper é um perfeito exemplo nesse sentido, uma vez que, ao misturar drama e suspense, sua história não se desenrola de maneira convencional em ambos os gêneros. Aliás, o que menos a obra estrelada por Kristen Stewart quer é fazer concessões, mas nem todas as plateias – por mais refinadas que sejam – estão necessariamente preparadas para aplaudir os méritos de um filme que trabalha assim, sem se limitar a regras ou formatos. Por isso, se pensarmos a partir de tal ótica, as vaias que Personal Shopper levou em Cannes soam até elogiosas. Inclusive, ele poderia até estar na lista do Indiewire de excelentes filmes renegados em uma primeira sessão, mas posteriormente reconhecidos pelo melhor termômetro de qualidade quando o assunto é cinema: o tempo.
Sem jamais encarar a experimentação como mero passatempo estilístico ou simples autoafirmação autoral, Olivier Assayas se destaca por utilizá-la como uma importante variável para explorar os sentidos de histórias que ele própria costuma escrever. Foi assim em Acima das Nuvens, onde o diretor misturava a linguagem cinematográfica e teatral ao narrar o conflito de identidade entre duas mulheres bastante distintas. Agora, a situação é um tanto mais complicada porque Assayas navega no drama a partir do suspense, gênero que tem uma plateia estranhamente conservadora. Criando uma espécie de crônica fantasmagórica sobre uma médium (Kristen Stewart) que passa uma temporada em Paris à espera do contato de seu falecido irmão gêmeo, o filme se arrisca ao não oferecer respostas para todas as interrogações que lança em termos de mistério (e elas são várias, envolvendo desde mensagens anônimas e assassinatos a contatos do além-vida). É uma contramão para lá de interessante, pois Personal Shopper prioriza a construção e os significados ao invés da resolução dos suspenses que introduz para discutir, na verdade, questões como o fato da protagonista ser uma médium, mas sequer estar convicta do espiritualismo. Uma prova real da inteligência desse caminho é que, quando o filme resolve ser mais conclusivo do que se propõe, a situação desanda, como na pobre conclusão que dá para um crime que merecia ser tratado com uma inteligência à altura do restante da obra.
Ainda assim, Personal Shopper compensa tropeços com todas as experimentações que faz e também com a relação estabelecida entre realidade e fantasia. Ao mesmo tempo em que é mais um relato de Assayas pontuado por crises de identidade (são ótimas as cenas em que a protagonista enfrenta desejos contraditórios acerca de vestir ou não as roupas que compra para as célebres clientes que considera supostamente diferentes de si), o longa também se esmera para impactar na forma, em especial no clima de mistério, onde o diretor consegue, em poucas cenas, deixar muita produção de terror no chinelo tamanha a densidade da atmosfera criada pela escolha certa de composições visuais e até de sustos perfeitamente orgânicos. Outro aspecto importante de ser ressaltado é que, mesmo se apoiando na questão da espiritualidade e trabalhando o drama com base em uma série de mistérios, Personal Shopper não afasta o espectador de sua protagonista e muito menos dos temas que apresenta. Há uma segurança muito grande entre o roteiro e a direção de Assayas, que compreende a necessidade de não realizar uma obra estritamente temática ou de gênero específico. Os contrastes que ele desenha de forma cada vez mais interessantes em sua carreira são realmente uma marca. No caso de Personal Shopper, inclusive, levados até o último minuto de projeção, quando a trama deixa questões pontuais abertas, mas termina completa em reconciliações emocionais de certa forma tão esperadas.
Essa carta aberta de defesa a Personal Shopper não poderia terminar sem mencionar, claro, um dos melhores elementos do conjunto: a performance de Kristen Stewart. Se Acima Das Nuvens era mais do que o suficiente para ela se consagrar como uma atriz de talento e confiança pós-saga Crepúsculo, Personal Shopper vem com novas surpresas. Depois de fazer história em sua parceria anterior com Assayas (ela é a única atriz estadunidense premiada pelo César, o Oscar francês, em mais de 40 anos) e de ter vivido experiências que dão inveja em muita gente (foi dirigida por Woody Allen e Ang Lee, além de ter contracenado com Julianne Moore, Laura Dern e Michelle Williams), Stewart agora se revela afiada em um aspecto importantíssimo: o de conferir eficiência a sua forte persona. Não é sempre que um ator se beneficia por aquilo que chamamos de interpretar a “si mesmo”, mas Stewart está entre os casos que se destacam positivamente. As expressões amenas e muitas vezes amuadas da atriz se convertem em uma instigante personalidade para papeis como o desse filme. Nem mesmo o fato de Personal Shopper parecer um spin-off da personagem de Stewart em Acima das Nuvens diminui a excelente impressão que ela já havia deixado no filme anterior. Stewart realmente deu à volta por cima e, se depender do cinema que Olivier Assayas vem apresentando nos últimos e do que ela tem alcançado em suas últimas investidas, não serie exagero algum desejar que a parceria entre os dois se repita sempre que possível.