Let’s fuck!
Direção: Justin Kelly
Roteiro: Justin Kelly, baseado no livro “Cobra Killer”, de Andrew E. Stoner e Peter A. Conway
Elenco: Garrett Clayton, Christian Slater, James Franco, Keegan Allen, Alicia Silverstone, Molly Ringwald, Spencer Rocco Lofranco, Sean Grandillo, James Kelley, Edward Crawford, Rosemary Howard
EUA, 2016, Drama, 91 minutos
Sinopse: Brent Corrigan (Garrett Clayton), também conhecido como Sean Paul Lockhart, é uma estrela do mundo pornô gay. Apesar da ascensão rápida, as coisas começam a mudar quando o ator decide trabalhar por conta própria. A partir daí, uma dupla de produtores vê em Corrigan uma oportunidade de lucrar e alavancar a carreira na indústria pornográfica, e faz de tudo para não perder esta chance. (Adoro Cinema)
Um filme como King Cobra já nasce cercado de expectativas. E também de responsabilidades. As expectativas são para descobrir qual será a abordagem de um tema compartilhado tão cotidianamente na intimidade mundial, mas raramente revelado em uma conversa casual: a pornografia. Já a responsabilidade vem por essa pornografia ser exclusivamente a gay, o que dá aos realizadores o desafio de pensar o retrato de um tema basicamente inédito no cinema e de tentar reparar a covardia de filmes que não sabem lidar com as especificidades da nudez e da sexualidade masculina (ainda acho imperdoável um filme panfletário como Magic Mike ser tão tímido nesse sentido, principalmente por ter uma sequência que não corrigiu os tropeços do filme original). Mais do que despertar a curiosidade de uma significativa parte do público ao trazer para as telas um recorte da vida de Brent Corrigan – que, ainda hoje é considerado um dos mais icônicos atores da história da pornografia gay – King Cobra tinha esses tabus para superar. E o que decepciona no filme dirigido por Justin Kelly não é vê-lo caindo na vala comum de se esquivar de todos eles, mas sim de se atentar apenas racionalmente aos fatos e não ao enorme potencial psicológico e emocional dos personagens.
O momento encenado por King Cobra é delicado: aquele em que o jovem aspirante a cineasta Sean Paul Lockhart (Garrett Clayton) entra no mundo da pornografia gay, ascende no meio como um verdadeiro astro e se vê envolvido em uma relação cheia de vícios com Stephen, dono do estúdio que o coloca no mercado. A situação complica quando Stephen é encontrado morto, o que, segundo os investigadores do caso, foi consequência dos conturbados bastidores de sua vida pessoal e profissional com o ator debutante. A identidade dos assassinos é revelada em King Cobra, mas isso não quer dizer muita coisa, uma vez que o roteiro escrito pelo próprio diretor Justin Kelly com base no livro “Cobra Killer”, de Andrew E. Stoner e Peter A. Conway, captura de forma muito rasa as dimensões dessa tragédia. Para que tivesse o devido impacto, teríamos que compreender melhor as razões que fizeram de Lockhart o ícone Brent Corrigan (somente a beleza é constantemente mencionada, mas não é essa qualidade exclusiva que leva um jovem a estourar como um furacão no mercado pornográfico) e até aprender sobre a dinâmica da indústria, aqui reduzida a produções caseiras de um homem mais velho com uma pequena câmera na mão. Afinal, o que ele e Corrigan fazem de tão especial para ganhar tanto dinheiro? Julgando pelo que é explicado no filme, a questão fica em aberto. Nesse sentido, a referência mais óbvia vem à cabeça: o insuperável Boogie Nights – Prazer Sem Limites, de Paul Thomas Anderson, soberano em todas essas questões.
Quando afirmo que King Cobra é um filme que se desvia da missão de enfrentar os tabus envolvendo a nudez e o sexo masculino, estendo essa crítica à inexplicável economia do diretor e roteirista ao mostrar muito pouco do fazer cinematográfico na pornografia gay e principalmente do sexo também como motivação básica para o universo encenado atrás das câmeras. Ou não é estranho um filme com um tema tão específico se limitar a reproduzir a timidez das cenas de sexo da TV aberta, onde qualquer momento com esse teor acontece embaixo dos lençóis ou com a câmera posicionada bem distante do ponto de ação? Não há dúvidas de que um Azul é a Cor Mais Quente surge muito raramente e que é complicado chegar a uma transgressão quando também é preciso desconstruir a imagem de um astro teen da Disney como Garrett Clayton. Ainda assim, não é justo King Cobra ser um filme tão cheio de amarras, mesmo quando James Franco resolve jogar confetes no projeto (é só o que ele tem feito ultimamente: menos empenho na atuação e mais na polêmica) e quando o tema tem apelo para um público específico. O resultado se reflete na própria distribuição do longa, uma vez que a seleção para o festival de Tribeca parece não ter ajudado a carreira de King Cobra, que estreou em circuito limitado nos Estados Unidos simultaneamente com plataformas on demand como iTunes e Amazon.
O pudor da história poderia ser contornado se King Cobra se propusesse a fazer um relato mais complexo da vida de Brent Corrigan, que, a partir do texto apresentado pelos roteiristas, não passa de um jovem deslumbrado e facilmente seduzível por compras, dinheiro e oportunidades mais interessantes na carreira. A rasteira dramaticidade se perpetua nos outros personagens: enquando o Stephen de Christian Slater é um mero produtor ganancioso que eventualmente pincela um passado infeliz em diálogos fáceis e expositivos (nunca suficientes para que tenhamos qualquer envolvimento com sua figura), os namorados gays vividos por James Franco e Keegan Allen descambam para caricatura ao serem construídos apenas como dois trambiqueiros destrambelhados, quando, na verdade, são seres humanos completamente perdidos e sabotados por suas equivocadas visões de mundo. Pode até ser que o drama simplificado de King Cobra (ainda vale citar a mãe de Corrigan vivida por Alicia Silverstone, amargando duas cenas quase constrangedoras tamanha a falta de mergulho do texto em suas percepções quanto ao filho) não quisesse dar tanta voz aos dilemas de seus coadjuvantes, mas era obrigatório que fosse mais digno com a viagem emocional de um protagonista que, tão jovem, passou por tanta coisa, indo da fama instantânea ao verdadeiro inferno quando se viu envolvido em um assassinato também resolvido de forma simplista pelo filme.
A abreviação dos dramas frustra, claro, a força do relato e limita, a todo o momento, até o trabalho dos atores. Dois deles, entretanto, acertam tanto em suas criações que conseguem superar as cercas impostas por King Cobra. Destaca-se, por exemplo, como Keegan Allen nunca entra na batida histérica de seu colega James Franco e procura se apoiar em toda a confusão interna de um personagem constantemente manipulado pelo namorado. Enquanto isso, é preciso tirar o chapeu para a interpretação de Garrett Clayton como Brent Corrigan. Seu trabalho não deixa de ser um tanto mais fácil já que o longa pouco coloca o personagem à frente das câmeras como uma estrela pornô (o que exigiria um trabalho muito maior de reprodução de gestos e trejeitos), mas isso não tira os méritos de Clayton, que surpreende ao segurar muito bem o filme com todo o vigor de um jovem em plena descoberta. O ápice da criação do ator é a cena final, que, apesar de tentar emular o momento derradeiro de Boogie Nights em que finalmente é revelado o grande atributo físico de sua estrela pornô, também faz desse o melhor registro de King Cobra: nele, compreendemos quem é a estrela Brent Corrigan, os bastidores de uma produção pornográfica e toda a personalidade de um personagem nunca devidamente explorado. São, enfim, as contextualizações e justificativas que fariam de King Cobra uma experiência mais instigante e menos frustrante.