O diretor Hugo Prata diz que seu maior drama ao realizar Elis foi escolher o que permanecia ou ficava de fora da biografia daquela que é, possivelmente, a maior cantora que o Brasil já teve. Os dilemas de Prata estão refletidos na tela: na ânsia de contemplar tudo o que podia da vida de Elis Regina, o roteiro escrito a seis mãos pelo próprio Prata com Luiz Bolognesi e Vera Egito comete o clássico erro de tentar sintetizar uma vida inteira sem necessariamente comunicar algo. Muitos fatos sobre a trajetória da eterna Pimentinha são apresentados na obra (a juventude tímida, a turbulenta vida amorosa, as mudanças de visual, as polêmicas na ditadura, sua projeção internacional) mas, infelizmente, a construção de sua mitologia, tanto musical quanto pessoal, fica prejudicada pela pressa e pela falta de proporção entre quantidade e qualidade dos relatos.
Conhecido por sua carreira em videoclipes, o diretor diz também que é muito natural seu primeiro longa-metragem ser sobre música dada toda a experiência ao filmar o segmento e a adoração que sempre teve por Elis Regina. O que acontece é que, musicalmente falando, Elis é uma longa coletânea de videoclipes dentro de uma linha dramática cuja maior missão é colocar na tela o máximo de personagens e situações. Dessa forma, nenhum número musical é particularmente marcante na produção, onde canções como a icônica Como Nossos Pais surgem sem uma contextualização maior de época, criação ou identificação da própria cantora com o material. São inúmeras as cenas de Elis (Andreia Horta) no estúdio cantando diversos clássicos – e, claro, mesmo sendo um deleite para os ouvidos, narrativamente as sequências têm pouco a acrescentar à construção dramática da trama.
Atravessando anos de vida e abreviando relações (incluindo com os próprios filhos da cantora) em questão de segundos, Elis adota um tom altamente novelesco, por exemplo, na forma como captura a ditadura (com direito a uma insistente trilha instrumental de suspense quando a protagonista é observada pelos militares em sua casa) ou na desatenção com pontos básicos de sua narrativa (o pai da protagonista simplesmente some depois de meia hora de história, enquanto a mãe nunca é vista). Andreia Horta, que vive o papel que foi de Laila Garin nos palcos em Elis, a Musical, inicialmente se cerca apenas da reprodução de trejeitos, mas, aos poucos, começa a tomar o filme para si, especialmente quando representa uma Elis Regina já de cabelo curto e à beira de um colapso emocional cujas razões são mostradas timidamente (aqui, praticamente inexiste o problema da cantora com as drogas). Se Elis fosse uma obra mais concentrada na personalidade de sua personagem e menos diluída em uma longa lista de acontecimentos, a atriz só teria a ganhar – e Elis Regina finalmente teria um registro cinematográfico semelhante à força de sua carreira.
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