
O Roubo da Taça é uma comédia assumidamente escrachada – e é exatamente essa consciência que faz o filme de Caíto Ortiz dar certo.
No catálogo oficial do 44º Festival de Cinema de Gramado, o trio de curadores formado por Eva Piwowarski, Marcos Santuario e Rubens Ewald Filho escreveu que talvez a característica mais interessante da seleção de longas brasileiros deste ano seja a de vencer o preconceito de um passado distante com as comédias e provar que o evento serrano também sabe fazer rir. O comentário é pertinente porque a dificuldade da crítica em levar um filme cômico a sério é grande – e isso é histórico no mundo inteiro, inclusive no Oscar, onde raramente uma comédia consegue faturar alguma estatueta além das categorias de roteiro e atores coadjuvantes. Em Gramado, O Roubo da Taça, que está no grupo de filmes que os curadores selecionaram para quebrar essa barreira, é frequentemente rejeitado pelos críticos por não ser “um filme de festival” (comparação curiosamente feita somente às comédias), o que comprova que muito ainda precisa ser discutido sobre a apreciação do gênero.
Longe de mim dizer que O Roubo da Taça se assemelha a trabalhos como o norte-americano Pequena Miss Sunshine ou o portenho Relatos Selvagens, exemplos perfeitos de comédias que conseguem unificar público e crítica de forma refinada, mas há muitos méritos que colocam sim o filme de Caíto Ortiz como um vencedor dentro de seu próprio segmento. Talvez o que exista de mais valioso nessa história sobre o roubo verídico da taça Jules Rimet é a decisão de contá-la a partir de um humor muito anárquico e escrachado – e o mais importante: com a consciência dessa escolha. O Roubo da Taça se sustenta na caricatura, criando situações e personagens totalmente condizentes para o universo que cria. Basicamente uma comédia de erros protagonizada por um trambiqueiro e que segue o clássico arco de uma tarefa muito simples que toma proporções fora de controle, o longa de Caíto Ortiz diverte do início ao fim, especialmente porque a liberdade de se basear na proposta de que “alguns dos fatos realmente aconteceram”. Ou seja, afinal, o que realmente é verdade no filme?
Elencos são peças fundamentais para comédias de qualquer natureza, e o grupo de atores reunido em O Roubo da Taça equilibra muito bem o tom de cada personagem na construção da caricatura, que nunca é transformada em mera histeria. Em um elenco formado por veteranos (Stepan Nercessian), nomes argentinos (Fábio Marcoff) e atores extremamente ativos no cinema brasileiro contemporâneo (Milhem Cortaz), gosto particularmente dos protagonistas vividos por Paulo Tiefenthaler e Taís Araújo. Ele é divertidíssimo como um homem atrapalhado e irresponsável que, mesmo quando agraciado pelo destino, simplesmente não consegue fugir de sua natureza destrambelhada. Já ela exibe seus habituais talento e beleza como a mulher que ama odiar o marido de caráter questionável. Com ótima reconstituição de época, O Roubo da Taça começa melhor do que termina e, em termos de manter sua criatividade ao longo de seu desenrolar, a promessa não é entregue, mas, ao menos, tem o mérito de manter a curiosidade, já que, particularmente, realmente eu não tinha ideia do que estava por vir a cada desdobramento.