Fogo no Mar

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Direção: Gianfranco Rosi

Roteiro: Gianfranco Rosi

Elenco: Samuele Caruana, Giuseppe Fragapane, Pietro Bartolo, Maria Costa, Francesco Mannino, Maria Signorello, Samuele Pucillo, Mattias Cucina

Fuocoammare, Itália/França, 2016, Documentário, 108 minutos

Sinopse: O documentário captura a vida da ilha italiana de Lampedusa. Na costa sul da Itália, o local se tornou linha de frente na crise de imigração da Europa, sendo manchete mundial nos últimos anos por ser o primeiro porto de escala para centenas de milhares de imigrantes da África e do Oriente Médio que tentam fazer uma nova vida no continente europeu. (Adoro Cinema)

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Um dos registros mais impactantes de Fogo no Mar está no rosto de um homem que literalmente chora sangue. Ele acaba de ser retirado de uma barca clandestina com centenas de outros africanos que seguiam rumo à ilha italiana de Lampedusa, ponto muito comum entre imigrantes que procuram chegar ao continente europeu. A barca estava lotada de pessoas que, durante dias, não comiam ou bebiam e se submetiam a temperaturas e situações precárias para cruzar ilegalmente o Mar Mediterrâneo rumo a terras mais promissoras. Como consequência, esses africanos queimam suas peles, morrem de desidratação e, a exemplo da cena citada, mutilam sua saúde chegando até mesmo a produzir lágrimas de sangue. Curiosamente, no bom sentido, Fogo no Mar não se concentra nessa abordagem: o documentário assinado por Gianfranco Rosi pode até ter momentos visualmente impactantes, mas, na realidade, seu foco privilegia a vida na ilha de Lampedusa e como o cotidiano dos moradores é eventualmente afetado por essa crise imigratória, contrapondo-se à ideia de acompanhar a jornada dos africanos, uma escolha que seria feita por quatro entre cinco cineastas. 

Melhor filme no Festival de Berlim 2016 e classificado pela presidente do júri Meryl Streep como uma obra “urgente, imaginativa, necessária e que instiga o nosso envolvimento e a nossa ação”, Fogo no Mar é defendido por seu diretor como um exercício de criação. Para Rosi, vivemos tempos de excesso de informações, cabendo ao cinema seguir um caminho oposto e ser uma plataforma de transgressão, onde a exposição, seja de fatos ou personagens, não deve ser fator preponderante para a excelência de um documentário. O cinema, dessa forma, deve se utilizar de suas ferramentas para nos imergir em algo novo. Bravo, sr. Rosi! Partindo desse conceito, a câmera do longa-metragem simplesmente observa os personagens, nunca fazendo com que eles sentem em uma cadeira para falar diretamente ao espectador. Em quase duas horas, vemos de perto os dias de uma senhora que, cuidando da casa, ouve, entre uma ou outra de suas músicas italianas favoritas, as notícias envolvendo as tragédias dos imigrantes, ou, então, os de um médico que atende todos os refugiados africanos. A figura mais curiosa, contudo, é um garotinho muito carismático que vive suas estripulias de criança na ilha. Mesmo não parecendo, ele é importante para a narrativa pois deixa a balança muito equilibrada: o sopro de bom humor trazido pelo menino é fundamental para que Fogo no Mar não se torne uma experiência de pesada absorção.

Não deixa de causar um certo estranhamento a subversão do formato ou a própria contemplação desse ritmo tão comum ao cinema europeu (estamos falando de uma coprodução Itália/França), só que a experiência é especial justamente por sua configuração atípica. Visualmente, Rosi, que assina a inteligente fotografia do documentário, também cumpre a proposta de impactar o espectador, mas de forma muito sábia, já que ele prefere guardar somente para os momentos finais os registros mais detalhados da captura dos imigrantes. É a partir dessa parte que vem o depoimento mais marcante do filme: o do médico que nega veemente a ideia de que, por ser um profissional da saúde, já teria se acostumado a testemunhar as tristes condições dos refugiados. “Como se habituar à imagem de uma mãe que deu luz ao filho durante a viagem e chega à Lampedusa com o recém nascido ainda pendurado pelo cordão umbilical?”, pergunta o personagem. Rosi não realizou um filme fácil em tema, forma e ritmo, mas a consagração em Berlim atesta a inteligência do Festival ao reconhecer uma obra que é muito consistente em um gênero pouco celebrado ao redor do mundo. O diretor, que só falta conquistar Cannes para ter a tríplice coroa dos festivais mais importantes de cinema (ele venceu Veneza em 2003 com Sacro GRA), diz que só realizará mais um filme e, depois disso, se dedicará exclusivamente a um de seus maiores sonhos: o mundo acadêmico. Haja sabedoria para encerrar uma história no auge – e isso, julgando por Fogo no Mar, Rosi parece ter de sobra.

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