You are the only person who made sense of me.
Direção: Tom Hooper
Roteiro: Lucinda Coxon, baseado no romance “The Danish Girl”, de David Ebershoff
Elenco: Eddie Redmayne, Alicia Vikander, Ben Whishaw, Matthias Schoenaerts, Adrian Schiller, Amber Heard, Emerald Fennell, Henry Pettigrew, Jake Graf, Nicola Sloane, Pip Torrens
The Danish Girl, Reino Unido/EUA/Alemanha, 2015, Drama, 119 minutos
Sinopse: Cinebiografia de Lili Elbe (Eddie Redmayne), que nasceu Einar Mogens Wegener e foi a primeira pessoa a se submeter a uma cirurgia de mudança de gênero. Em foco, o relacionamento amoroso do pintor dinamarquês com Gerda (Alicia Vikander) e sua descoberta como mulher. (Adoro Cinema)
Na equação de A Garota Dinamarquesa, vários fatores contribuem para que metade do mundo já torça o nariz para o filme antes de vê-lo. O primeiro é Tom Hooper, que passou a ser odiado em função da paixão excessiva do Oscar por seu O Discurso do Rei e que, sim, investe em uma série de maneirismos infundados na tentativa de construir algum estilo. O segundo é Eddie Redmayne, ator que ninguém leva muito a sério por causa da idade e que até hoje é lembrado por ter roubado todos os supostos prêmios de Michael Keaton por Birdman com seu Stephen Hawking em A Teoria de Tudo. Já o terceiro e último é o fato de A Garota Dinamarquesa não ser inclusivo por preferir um jovem ator de Hollywood ao invés de um transexual para o papel principal.
O tema demanda grande delicadeza, e A Garota Dinamarquesa pode respirar aliviado: não é ofensivo ou sequer caricatural o roteiro escrito por Lucinda Coxon. Mesmo que não traga ao set pessoas que possam responder pela verossimilhança da história (ao contrário do seriado Transparent, por exemplo, que coloca transexuais em sua equipe para escrever roteiros e prestar consultoria), é respeitoso o retrato que o filme faz da transição do pintor Einar Wegener (Redmayne) para Lili Elbe, passando com dignidade por etapas importantes, como a primeira vez em que Einar desperta para o seu lado feminino e já mais tarde quando ele, agora Lili, finalmente começa a entrar na sociedade como mulher.
É cuidadosa, especialmente no princípio, a construção de A Garota Dinamarquesa em relação à personalidade de seus personagens e o que isso significa para o futuro deles: em questão de minutos, percebemos o quão frágil e inseguro é Einar, enquanto sua esposa Gerda (Alicia Vikander) é quem coordena as ordens da casa e até mesmo as decisões que o marido deve tomar na vida. Sutilmente, é aí que já percebemos toda a delicadeza de Einar, o que nos tira, em um sentido positivo, maiores surpresas quando a esposa, Gerda, forçando-o a posar para uma pintura de meia-calça e vestido, desabrocha no marido uma certa identidade que sempre esteve viva, mas até então adormecida.
A partir daí, é um caminho sem volta, e A Garota Dinamarquesa nos coloca nessa conturbada angústia do casal quanto à identidade do marido que agora quer assumir a identidade de uma mulher. O que era inicialmente brincadeira, logo se torna um dilema não apenas de identidade para Einar, mas para a própria Gerda, que, ao pintar a versão feminina de seu companheiro, estranhamente começa a ganhar inspiração e finalmente a ascender profissionalmente. Ou seja, o seu tão sonhado sucesso está diretamente ligado ao fato de seu marido ser agora uma mulher, o que torna impossível que a personagem tenha as duas coisas na vida. É um bom dilema para uma mulher que transborda humanidade ao sofrer por estar perdendo alguém, mas também por se dar conta de que não existe maneira de lutar contra aquilo, afinal, a libertação de Einar é o maior bem que ela pode fazer tanto por ela quanto por ele.
O trabalho da dupla protagonista se torna essencial para causar ainda mais empatia no espectador. Vikander começa A Garota Dinamarquesa com mais ênfase do que Redmayne, conquistando conflitos próprios e enfrentando questionamentos que são uma verdadeira saia justa. Ela é ótima ao transmitir a confusão de uma Gerda que parece não saber muito bem até que ponto vai a brincadeira do marido em se vestir de mulher ou muito menos quando ela deve parar de incentivá-la, principalmente quando sua arte ganha até exposições em Paris a partir dos belos quadros realizados com Einar inteiramente travestido de Lili. Vikander é consistente na hora de demonstrar fragilidade (a cena em que ela implora para Lili lhe devolver seu marido é um dos melhores momentos) e sensível ao externalizar a generosidade de uma mulher que coloca o outro em primeiro lugar.
O feito de Vikander conseguir chamar a atenção em cena é grande porque Eddie Redmayne é nada menos do que extraordinário como Einar Wegener/Lili Elbe. Em A Teoria de Tudo já era possível ver o quão impressionante Redmayne é no assunto trabalho corporal, mas aqui a sua transforação física é muito mais ampla dramaticamente porque, ao contrário da personificação de Stephen Hawking, ela dá mais possibilidades ao ator na construção dramática. Com um olhar, Redmayne, já um tipo um tanto andrógeno que facilita a confusão de gênero do personagem, transmite todo o universo de um homem quase-mulher que, de repente, se vê fascinado ao experimentar um vestido, ou a felicidade de uma agora-mulher que é finalmente aceita ao conquistar um emprego. A longa (e criticada) repetição dos mesmos gestos também surge claramente proposital, pois estamos acompanhando a jornada de uma pessoa que precisa reconstruir por inteiro a sua identidade emocional e física.
Tanto Vikander quanto Redmayne engrandecem o filme, procurando amortecer a série de problemas que se instalam a partir do momento em que Einar finalmente assume sua nova condição a partir da metade do filme. É nesse ponto que A Garota Dinamarquesa fica superficial, preocupando-se mais em trocar os vestidos do guarda-roupa desenhado por Paco Delgado a cada cena do que necessariamente discutir o que se passa na mente de Einar agora Lili. Desta forma, o roteiro de Coxon apenas reproduz questões já debatidas e retoma quase de forma displicente personagens esquecidos, como o Henrik de Ben Whishaw. Isso faz com que o filme patine, tornando pouco impactante até mesmo o tão esperado momento em que o protagonista, depois de diagnosticado esquizofrênico e até mesmo espancado nas ruas, finalmente encontra uma alma compreensiva que concorda em fazer a sua cirurgia de troca de sexo.
Tom Hooper, aqui mais comedido em relação a seus enquadramentos estranhos, é quem menos imprime alguma identidade ao resultado, o que é estranhamente positivo no caso dele, visto que o diretor constantemente tende a chamar mais atenção do que deveria quando tenta colocar na tela alguma identidade na tela. Com isso, o que fica na lembrança mesmo é que, apesar boa dignidade e respeito por seus personagens, A Garota Dinamarquesa vale mais como o show de dois jovens atores em papeis complicados, mas tratados por eles com o devido talento e sutileza. Isso por si só já deveria ser um incentivo para que os implicantes deixassem de lado suas eventuais birras e percebessem as pequenas mas significativas vitórias de A Garota Dinamarquesa.
Kamila, entendo perfeitamente quem não curte o cinema do Tom Hooper, mas acho meio descabido esse pavor que todo mundo passou a cultivar por ele… No geral, acho satisfatória a média dos filmes dele!
Entendo a birra que muitos possuem com Tom Hooper, mas eu gosto dele. Estou ansiosa para assistir “A Garota Dinamarquesa”, até porque quero conferir as atuações de Eddie Redmayne e Alicia Vikander.