Direção: Filipe Matzembacher e Marcio Reolon
Roteiro: Filipe Matzembacher e Marcio Reolon
Elenco: Mateus Almada, Maurício Barcellos, Irene Brietzke, Elisa Brittes, Maitê Felistoffa, Francisco Gick, Fernando Hart, Danuta Zaguetto, Ariel Artur
Brasil, 2015, Drama, 83 minutos
Sinopse: Martin e Tomaz passam um fim de semana imersos em um universo próprio. Alternando entre distrações corriqueiras e reflexões sobre suas vidas e sua amizade, os garotos se abrigam em uma casa de vidro, à beira de um mar frio e revolto.
Os anos 2000 têm sido riquíssimos para o mundo jovem no cinema. Desde a virada do milênio, a temática foi contemplada com longas mais descontraídos (Antes Que o Mundo Acabe, As Melhores Coisas do Mundo), experiências complexas (Os Famosos e os Duendes da Morte), quase-fábulas irresistíveis (Hoje Eu Quero Voltar Sozinho) e até mesmo documentários assinados por grandes mestres (Eduardo Coutinho e seu Últimas Conversas). Por outro lado, mais recentemente, a safra direcionou um carinho especial aos jovens repletos de questionamentos, de famílias desestruturadas e de transições complicadas para a vida adulta. O apelo colou, e os festivais de cinema passaram a celebrar filmes assim: o delicado Ausência começou sua trajetória no Festival do Rio e chegou à Toulouse, enquanto o arrebatador Ponto Zero fez sua estreia em Gramado em 2015 sendo considerado o grande injustiçado da premiação. Arrisco a dizer, por outro lado, que nenhum outro filme com estilo mais contemplativo sobre a adolescência tenha sido tão aguardado quanto o gaúcho Beira-Mar, exibido no Festival de Berlim em fevereiro deste ano. Com estreia programada para 5 de novembro, o filme da dupla Felipe Matzembacher e Marcio Reolon é, entretanto, a experiência menos interessante entre as destacadas aqui.
Matzembacher e Reolon, que entrevistei algumas vezes e que já participaram de matérias e colunas aqui do blog, vão ter de me desculpar, mas, mesmo sendo admirador de vários projetos deles dentro e fora das telas (em 2012, por exemplo, Um Diálogo de Ballet era o meu curta favorito em competição no Festival de Cinema de Gramado), não cheguei a me envolver emocionalmente ou até tecnicamente com Beira-Mar. Nele está representada uma gama de reflexos da vida de seus realizadores, conforme eles próprios assumem: o filme é um resgate do que a dupla viveu, de uma forma ou outra, na adolescência, e também mais um exercício audiovisual dos diretores sobre o tema juventude e identidade sexual. Neste sentido, ponto para Beira-Mar, que é uma produção legitimamente Matzembacher-Reolon (sempre acho admirável quando diretores conseguem ter uma assinatura facilmente reconhecível desde que não caiam em repetições, como é o caso deles). Já quanto à execução, encontrei pouco do que considero como os maiores diferenciais da dupla. O estilo da narrativa é bom: nada é mastigado ou expositivo demais, inclusive porque os diretores preferem trilhar o caminho das entrelinhas. Entretanto, mesmo após alguns dias da minha sessão, o peso dos aspectos que considero ruins continua a me incomodar infinitamente mais.
Já começo tendo problemas com a escalação da dupla principal. Fora o óbvio fato de Maurício Barcellos, por exemplo, não ter nenhuma experiência prévia em atuação (e isso está evidente ao longo de todas as suas cenas no filme), falta uma energia de amizade entre ele e Mateus Almada – e isso é um grande problema, pois a conexão estabelecida pelos dois personagens seria o mote de Beira-Mar. Não é necessariamente culpa deles, vale dizer. O que acontece é que nem bem o filme completa meia hora, e Martin (Almada), que convenceu o introspectivo Tomaz (Barcellos) a deixar a família “puta” por deixar de ir a um casamento para acompanhá-lo em uma viagem à praia, não hesita ao entrar sozinho em um bar mesmo sabendo que o amigo, que viajou justamente para lhe fazer companhia, está impossibilitado – e claramente sem vontade – de entrar no local. É, no mínimo, um abandono um tanto inusitado para dois jovens que seriam supostamente tão amigos. Mais à frente, Beira-Mar já flerta com a homoerotização da relação em uma cena explícita nesse sentido: a dupla de diretores, ao colocar os dois personagens jogando videogame, os enquadra de forma com que pareça que os dois estão se masturbando lado a lado compulsivamente. A homoerotização não é o problema, mas sim a prematuridade dela, já que, pelo menos para mim, ainda não estava consolidada a ideia de forte amizade entre os personagens. Neste ponto, é mais fácil ver Martin e Tomáz como inevitáveis e futuros amantes do que como amigos incondicionais.
Não parece existir grande intimidade entre os dois protagonistas, e vários momentos do filme corroboram isso, como quando descobrimos que um esconde do outro seus desenhos em um caderno ou quando as relações estabelecidas verdadeiramente por eles no plano amoroso só são verbalizadas após algum conflito envolvendo o assunto aos 45 do segundo tempo. Falta em Beira-Mar o que Alfonso Cuarón conseguiu desenvolver com maestria em E Sua Mãe Também: no filme estrelado por Diego Luna e Gael García Bernal (também sobre dois amigos passando uma temporada longe de casa e coincidentemente no litoral), não demorava muito para que sentíssemos naturalmente a longa amizade cultivada com calor e intimidade pelos personagens – e, detalhe, ela também envolvia uma masturbação (literal!) entre eles. Assim, se já é difícil embarcar no sentimento de amizade de Martin e Tomaz, o que dizer, então, dos dramas familiares sem maiores aprofundamentos e das aventuras sexuais e etílicas vivenciadas pelos dois neste tempo que passam juntos? O principal, pelo menos para mim, não funciona, o que termina minando consequentemente todo o resto.
Um dos aspectos mais instigantes na proposta de Beira-Mar é a ambientação invernal em uma casa no litoral. A cidade está vazia (quase não vemos outras pessoas habitando este local não especificado) e o cenário parece perfeito para reproduzir o que se passa no interior dos protagonistas. Só que o mar frio e revolto indicado pela sinopse só é visto no desfecho do longa e a geografia não é fator tão influente no que se desenvolve emocionalmente, o que faz com que se torne indiferente a ideia de Beira-Mar se passar na praia (se fosse feito em uma cidade do interior da Alemanha não faria diferença alguma). É impossível não lembrar de como Woody Allen, nos anos 1970, fez justamente o oposto ao encenar um intenso drama familiar à beira da praia com Interiores. Lá sim o contexto do mar se desenhava como fator decisivo nas lembranças e no próprio destino dos personagens confinados no litoral. Em Beira-Mar, a ambientação funciona esteticamente, mas desaponta como ferramenta narrativa deste longa já necessitado de diálogos mais inspirados.
Por falar em narrativa, este é um filme que pode ser interpretado de diversas maneiras: uma viagem transformadora, um confronto com nossas raízes familiares ou um retrato das angústias adolescentes, por exemplo. Nenhuma é particularmente imperativa ou marcante, principalmente a familiar, que sempre deixa questões muito no ar e que simplifica dramas que mereciam mais atenção (é indesculpável que a figura do pai, lembrado apenas como o sujeito responsável por deixar más lembranças ao filho e que só quer passar perna na família, seja tão mal explicada). Ainda é um tanto confusa a virada que Beira-Mar dá em seus últimos momentos, quando finalmente coloca na tela algo esperado e até mesmo insinuado ao longo de toda a história. O novo sentido que o roteiro dá à relação de Martin e Tomaz surge abrupto e questionável, pois o filme acaba justamente quando deveria esmiuçar o que um momento tão decisivo como aquele de fato significa para os personagens – e isso não tem nada a ver com o que ambos farão com aquilo dali em diante, mas sim com as verdadeiras razões que os levaram até este ponto. Nós não sabemos muito bem o porquê dessa mudança na relação deles. Queria muito ter gostado do filme tanto quanto gosto de outros projetos dos diretores, mas, assim como uma tarde fria e chuvosa na praia, Beira-Mar decepciona por entregar justamente o oposto do esperado.
Matheus, acho que foi a primeira crítica de Beira-Mar que eu li e concordei em todos os aspectos. Eu fui assistir no final de semana de estréia no Espaço Itaú. Confesso que ao terminar o filme, fiquei consideravelmente decepcionado.
Kamila, o Alex é a primeira pessoa que encontro que tem uma opinião similar a minha quanto a esse filme. Ainda assim, gostei bem menos do que ele…
Matheus, acabei de ler o texto do Alex sobre este mesmo filme e o seu, apesar de mais profundo e de enfocar mais os elementos estéticos do longa, basicamente pensa o mesmo sobre ‘Beira-Mar’. Mesmo assim, quero tentar conferir.