Diário das minhas artes #2: sobre Schmidt e democracia cultural

artschmidtSempre digo que tenho dois filmes favoritos. O primeiro representa, digamos, a razão: As Horas, o trabalho mais coeso que já vi no cinema. O segundo fala pela emoção: As Confissões de Schmidt, que gosto de dizer que foi o filme que fez eu me apaixonar pela sétima arte. Ambas as produções são adaptações literárias e, por disponibilidade, li primeiro As Horas, de Michael Cunningham. Li o livro depois de ter visto o longa de Stephen Daldry, e só me apaixonei ainda mais pela versão cinematográfica, que é uma transposição perfeita e autoral de uma obra difícil e complexa. Não tenho dúvidas de que essa é a minha adaptação favorita de todos os tempos. Depois de muito procurar, sem sucesso, Sobre Schmidt, de Louis Begley, que inspirou As Confissões de Schmidt, o livro veio parar no meu colo por um feliz acaso do destino: um presente carinhoso e inesperado de aniversário. Confesso que, passado quatro meses, só agora o peguei para ler. A demora não foi só pela falta de tempo, mas também por receio, pois finalmente chegou a hora de eu conferir o material de origem do filme que injetou o cinema na minha veia.

Cinco páginas até agora e o susto já foi grande – a ponto de me fazer parar um pouco a leitura para organizar as ideias. Na versão de Begley, Warren Schmidt é advogado e não estatístico. Sua esposa, Mary, não morre em função de um derrame repentino, mas sim em pleno sofrimento enfrentando uma doença terminal. Já na primeira página o protagonista desata a chorar em frente à filha ao saber do casamento dela. No filme, as lágrimas de Schmidt chegam apenas ao final, em um momento emocionante justamente pela demonstração inesperada de uma humanidade escondida. É claro que sou irremediável defensor da ideia de que filmes e livros são independentes e que, mesmo que seja brilhante quando ambos são capazes de dialogar, não devem ser julgados um em função do outro. Só que dessa vez é mais delicado: não é fácil ver o meu filme favorito ser desconstruído dessa maneira. Na realidade, foi quase um desafio embarcar nestas cinco páginas e espero que, pelas próximas, consiga me desligar de comparações para poder aproveitar. Desejem-me forças.

•••

Saindo da temporada 2015 do espetáculo Ensina-me a Viver, já mergulhei profissionalmente em outro evento: a Oktoberfest de Igrejinha. Maior festa comunitária do Brasil (são cerca de 3 mil voluntários que fazem a função toda acontecer), a Oktoberfest transfere todo o lucro arrecadado para obras de melhorias na cidade. Uma iniciativa belíssima para uma comunidade apaixonada pelas raízes alemãs e por sua própria cidade. Neste terceiro ano fazendo a festa como parte da equipe de assessoria de imprensa, me peguei refletindo novamente sobre algo que todo ano me impressiona por lá: sempre existem culturas além dos nossos horizontes. Explico. No domingo da semana passada (18), o parque de eventos Almiro Grings, local onde acontece a Oktober, veio abaixo com o show da dupla sertaneja Marcos & Bellutti. Não os conhecia. Nem mesmo a tal Domingo de Manhã, que, descubro agora, foi a música mais tocada nas rádios brasileiras em 2014.

A moral da história é que, além de não conhecer a dupla, não curto sertanejo, mas faço justiça: nunca condeno ou julgo qualquer gosto de qualquer pessoa. Podemos criticar, desgostar ou odiar o que quisermos, mas nunca diminuir alguém por apreciar determinado artista ou obra. Afinal, o que significa a minha voz frente a outras 35 mil (o público esperado na Oktober naquele domingo) que grita, chora e canta junto a esta dupla? Para mim, ver Marcos & Belutti ao vivo pode ter sido uma experiência esquecível musicalmente, já que não me interesso pelo estilo musical deles. Já para boa parte dos igrejinhenses e dos moradores da região, é bem provável que tenha sido um dos shows de suas vidas. E que lindo testemunhar esse momento tão especial para eles. Com um choppe na mão, fiquei encantado pela plateia, e reconheci o apelo dos caras, que levaram o público ao delírio. Curti o momento porque, afinal, em algum outro recorte de tempo e espaço, eu sou eles assistindo com imensa comoção ao show do Keane em São Paulo ou do Philip Glass em Porto Alegre. E tenho certeza que nenhum deles julgaria as minhas lágrimas também. Vida eterna à democracia cultural!

Um comentário em “Diário das minhas artes #2: sobre Schmidt e democracia cultural

  1. Perfeito o seu segundo texto, Matheus!! Adoro a diversidade cultural que temos no Brasil. Sempre tive um gosto muito peculiar, mas nem por isso critico os meus amigos que gostam de coisas diferentes de mim. Acho que gostar de alguma coisa é isso mesmo: se afeiçoar a algo que fala conosco e nos comove de alguma maneira.

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