Na coleção… Amor Sem Escalas

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Amor Sem Escalas tem uma premissa das mais trágicas, mas prefere seguir um caminho que demonstra a total maturidade de seu diretor: o da leveza. E está errado quem pensa que essa escolha amortece ou anula a força emocional do filme. Pelo contrário. Assim como Transamérica, por exemplo, Amor Sem Escalas se torna ainda mais agridoce em função de olhar para a tragédia a partir de pequenas felicidades e de momentos corriqueiros. A missão não é fácil: afinal, como não pesar a mão na história de Ryan Bingham (George Clooney), sujeito cujo emprego é demitir pessoas em todos os cantos dos Estados Unidos? Mais do que isso: como resistir à tentação de tornar depressivo este homem que viaja o ano inteiro, não tem qualquer raiz com família, amigos ou romances e ainda dá palestras que dizem que as relações são os componentes mais sufocantes da vida? Pois o diretor Jason Reitman, em parceria com Sheldon Turner no roteiro, realmente escolhe outras direções e entrega um trabalho que, ainda hoje, é o mais maduro de sua carreira.

Quando realizou Amor Sem Escalas, Jason Reitman recém havia saído de uma repentina (e superestimada) consagração por Juno, uma comédia adolescente sobre uma garota que enfrentava uma inesperada gravidez em circunstâncias atípicas (o filho era do menino mais “loser” da escola, e os pais não entraram em pânico com a notícia), o que poderia nos deixar em dúvida quanto às chances do diretor saltar com êxito para um projeto completamente oposto, sobre pessoas de meia-idade, casadas com a carreira e independentes. Seria Reitman um diretor apenas das angústias jovens? Ou também das reflexões maduras? Felizmente de ambas. E uma cena específica de Amor Sem Escalas sintetiza com perfeição não apenas o talento eclético do diretor como também todos os temas abordados no filme: aquela em que a jovem Natalie (Anna Kendrick), devastada por uma recente separação, tenta encontrar algum conforto nos conselhos de Ryan e Alex (Vera Farmiga). No impecável diálogo, estão as expectativas de diferentes gerações quanto aos relacionamentos e ao sucesso profissional – e o filme, apesar de ter como pano de fundo as demissões em massa que assolaram os Estados Unidos anos atrás (o que foi seu maior atrativo quando lançado), é exatamente sobre o que procuramos ou evitamos nessa transição entre a casa (onde quer que ela seja) e o trabalho.

Delicado e carinhoso, Amor Sem Escalas consegue desenhar o desabrochar de um homem distante de todos com uma precisão cirúrgica mas nada acadêmica. Não existe nada mais clichê do que um filme derrubar todas as verdades de um personagem quando ele encontra um relacionamento marcante, e o que Amor Sem Escalas faz é basicamente isso, com a diferença de ter um conjunto de acertos simples e discretos que pouco percebemos conscientemente a mudança deste homem, até porque Reitman prefere arquitetar a história de Ryan não com grandes acontecimentos, mas sim com uma conversa de bar ou com um breve encontro em um aeroporto. Clooney, em um de seus melhores momentos como ator, acha o ponto ideal entre seu charme marcante (é difícil vê-lo como um personagem e não como George Clooney) e a criação dramática do protagonista, melhorando em grande escala quando contracena com a igualmente ótima Vera Farmiga. Ambos foram indicados ao Oscar e formam um dos casais mais críveis e marcantes dos últimos anos. Dá gosto vê-los junto porque acreditamos que Ryan e Alex são de fato a versão do outro – só que de sexo oposto. Maturidade, sucesso profissional e independência estão estampados no comportamento dos dois, mas, quando estão juntos, surge também a discreta carência, o carinho nunca mostrado – e é aí que Amor Sem Escalas alcança seus momentos mais especiais.

Ao contrário do que o título brasileiro indica e até mesmo estes comentários avaliam, Amor Sem Escalas não é, porém, uma mera descoberta do amor em tempos de desconexão ou a escalada romântica de um homem solitário e convicto disso. Apesar de viverem belos momentos juntos e o filme pontuá-los com emoção (as conversas são inteligentes, a trilha é nostálgica), Ryan e Alex agem como se estivessem alheios tudo isso, como que seus êxitos profissionais – esses sim – fossem o bem mais precioso. O que conta mais para eles é quem tem o maior número de cartões ou qual o próximo destino de suas agendas profissionais. Eles se aproximam, mas parecem negar tal aproximação porque, novamente, a profissão e a independência estão acima de tudo – como se o fato de se acomodar com alguém fosse sinônimo de fracasso. E isso não é verdade, conforme eles próprios passam a perceber silenciosamente mesmo sem admitir. É no nascimento deste sentimento tão renegado por pessoas orgulhosas de não o terem que Amor Sem Escalas se torna tão agridoce, e a escolha de cercar a história com bom humor (muito dele centrado na personagem de Anna Kendrick) torna tudo um tantinho mais triste. Atual, já que estamos cada vez mais centrados em profissões do que relações, Amor Sem Escalas tem, assim, um coração muito grande, mas é o contraste com os pés bem firmes no chão que torna o resultado tão especial.

2 comentários em “Na coleção… Amor Sem Escalas

  1. Gosto muito de “Amor Sem Escalas”. Como você bem disse, um filme muito delicado, que evolui muito bem a história da personagem interpretada por George Clooney e que trabalha muito bem a construção do relacionamento que se desenvolve entre Ryan e a personagem de Vera Farmiga.

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