Show me how tender you can be.
Direção: Gaspar Noé
Roteiro: Gaspar Noé
Elenco: Karl Glusman, Aomi Muyock, Klara Kristin, Juan Saavedra, Vincent Maraval, Benoît Debie, Isabelle Nicou, Stella Rocha, Déborah Révy, Gaspar Noé, Xamira Zuloaga
França/Bélgica, 2015, Drama, 134 minutos
Sinopse: Murphy (Karl Glusman) está frustrado com a vida que leva, ao lado da mulher (Klara Kristin) e do filho. Um dia, ele recebe um telefonema da mãe de sua ex-namorada, Electra (Aomi Muyock), perguntando se ele sabe onde ela está, já que está desaparecida há meses. Mesmo sem a encontrar há anos, a ligação desencadeia uma forte onda saudosista em Murphy, que começa a relembrar fatos marcantes do relacionamento que tiveram. (Adoro Cinema)
Nascido nos Estados Unidos, Murphy (Karl Glusman) está em Paris estudando cinema. Sua vontade como cineasta é fazer filmes sobre três coisas que, para ele, são as mais essenciais da vida: lágrimas, sangue e esperma. Esse não deixa de ser um resumo do cinema de Gaspar Noé, um diretor sempre cru e provocador, mas também da ideia de como somos guiados – para ou bem ou para o mal – pelos nossos instintos mais primitivos. Violência impactante já tivemos de sobra em Irreversível (obra que até hoje não tive estômago para rever), e agora, com Love, Noé se dedica a levar o sexo ao seu estado mais explícito – ainda que, na realidade, este seja um filme muito mais sobre lágrimas.
Não há dúvidas: Love foi feito para causar discussões – e isso não é nenhuma novidade se você já passeou por outros universos criados por Gaspar Noé. Há, entretanto, um mérito inegável já na proposta inicial do longa: o sexo explícito. É um mérito (e não uma “polêmica”, como a imprensa insiste em vender erroneamente) porque estamos carentes, tanto no plano artístico quanto no popular, de obras transgressoras nesta temática. Nunca tivemos tanta liberdade de expressão, mas também nunca fomos tão caretas – o que cada vez mais é refletido no cinema.
A maioria das obras supostamente sobre sexo é, na verdade, mero pretexto para causar rebuliço na mídia ou engordar bilheterias do que de fato para discutir algo de interessante em relação ao tema. Neste gaveta, entram filmes como o pavoroso Cinquenta Tons de Cinza, que dispensa credenciais sobre suas escolhas erradas, e até mesmo o irregular Ninfomaníaca, de Lars Von Trier, que chegou a prometer sexo de verdade para depois colocar digitalmente corpos de atores pornôs no lugar dos personagens principais. Em termos conceituais, Love vem para derrubar todos estes filmes, colocando na tela um sexo sem disfarces e que serve como narrativa para endossar a turbulenta vida emocional dos protagonistas.
O título não é uma brincadeira, já que Love é mesmo um triste relato focado na devastada vida amorosa de um jovem assombrado por escolhas erradas. Noé quer discutir, mais especificamente, “o amor perdido e nunca reencontrado”, como já definiu perfeitamente o crítico Luiz Carlos Merten, do Estadão. Em linhas gerais, eis a tragédia não tão atípica na vida: o protagonista Murphy, loucamente apaixonado por Electra (Aomi Muyock), trai a namorada e, neste desvio de percurso, engravida uma menina de 17 anos. Ele não é perdoado pela namorada, que o abandona sem pensar duas vezes, não deixando para Murphy outra saída a não ser assumir as responsabilidades ao lado da jovem grávida. Só que Electra, agora literalmente inalcançável em sua vida, é quem ficou na memória, e, anos depois, um telefonema despertará essas doloridas memórias e as feridas nunca cicatrizadas.
Faz todo sentido Love ter tanto sexo porque a própria história já nasce a partir dele. Lembrando: Murphy arruinou sua vida por um mero ímpeto sexual. Mais do que isso, Gaspar Noé, também autor do roteiro, faz questão reforçar a cada minuto a ideia de que o sexo é um importante fator do nosso comportamento – e não apenas diversão ou perversidade como o cinema costuma retratar. Em Love, sexo é prazer, mas também descoberta, intimidade, pedido de desculpas, extravasamento da raiva, afogamento das mágoas e, principalmente, o mais próximo que podemos chegar da geografia física e sentimental de outro ser humano. Ele é um importante pretexto para que o filme fale sobre tudo o que cerca a intensidade de um verdadeiro relacionamento e sobre como certas pessoas, independente do que a vida impõe, ficam conosco para a vida inteira.
Eventualmente Gaspar Noé deixa escapar suas pretensões e até mesmo seus narcisismos (precisava mesmo o filme ter personagens com os nomes de Gaspar e Noé?), fazendo com que Love se estenda mais do que deveria, especialmente em seus momentos finais, quando relata os dias em que o casal protagonista tenta achar, em aventuras sexuais cada vez mais transgressoras, uma solução para seus problemas sentimentais. Não demora muito para entendermos que, a partir de certo ponto, Murphy e Electra só se entendem na cama, mas o filme insiste em bater neste tecla, mesmo que não tenha mais nada de novo para comunicar. Mas Love joga com os sentidos (Noé é mestre no uso das cores em meio à escuridão e na escolha de suas imersivas trilhas sonoras) e isso, junto aos interessantes conflitos emocionais, é suficiente para compensar eventuais fragilidades ou limitações que o filme possa ter.
Inicialmente concebido para ser realizado antes mesmo de Irreversível, mas deixado de lado porque Monica Bellucci e Vincent Cassel não compraram a proposta do sexo explícito, Love obviamente não é um filme fácil ou muito menos para se recomendar sem cautela por aí. Só que o cinema de Noé é exatamente assim: feito para ser cheio de restrições e discussões. o cinema-evento. Concordando ou não com as escolhas do diretor ou com a entrega absoluta dos atores, é preciso concordar: você nunca viu um filme como Love. E considerando que, nos dias de hoje, é tão complicado encontrar obras autorais e desafiadoras, a experiência se torna ainda mais intrigante. Fico no time dos defensores.
Poucas obras decidem e conseguem abordar o tema do amor e do sexo de uma
maneira sensível, sutil e delicada mas também isenta e imparcial.
Fernando, o que seria tratar o sexo de forma isenta e imparcial?