Winter Sleep, de Nuri Bilge Ceylan
Vem da Turquia o filme mais longo a vencer a Palma de Ouro em Cannes. São nada menos que 196 minutos dirigidos por Nuri Bilge Ceylan, que, na realidade, finalizou sua primeira versão com 4h30, para depois reduzir à duração atual. Anos atrás, Ceylan já havia sido celebrado em Cannes com o prêmio do júri para o seu Era Uma Vez na Anatólia, mas só agora alcançou a honraria máxima – que, muitos dizem, veio para um menos interessante do que seu longa anterior. Não conferi Anatólia, então, este Winter Sleep foi uma experiência completamente inédita para mim, até porque tenho conhecimento quase zero sobre o cinema turco.
Não foi uma jornada fácil, o que não significa que tenha algo a ver com a duração (lembram que Azul é a Cor Mais Quente, vencedor da Palma de Ouro ano passado, tinha 180 minutos de duração que passavam voando?). O difícil mesmo foi o ritmo do filme, que, quase sem trilha sonora, é incrivelmente silencioso e calmo na forma como desenvolve situações e personagens. Não existe, em Winter Sleep, personagens sequer falando alto ou reviravoltas. Este é puramente um filme de diálogos e reflexões, com cenas que, sem exageros, chegam a durar 15 ou 20 minutos.
O roteiro, escrito por Nuri Bilge, em parceria com Ebru Ceylan, é baseado em pequenos contos de Anton Chekhov e mostra o dia a dia de Aydin (Haluk Bilginer), que administra um pequeno hotel na Anatólia, focando-se especialmente no conturbado relacionamento que ele tem com sua jovem esposa Nihal (Melisa Sözen) e nas conversas com sua irmã Necla (Demet Akbag), recentemente divorciada. É a partir destes encontros que ele tem com as figuras femininas que Winter Sleep ganha seus melhores momentos, em especial todos aqueles com Necla.
Todo o elenco de Winter Sleep é excelente, algo que fica ainda mais evidente nas longas tomadas em que o diretor faz com que os personagens divaguem não apenas sobre suas próprias vidas mas também sobre várias questões existenciais. Aliás, o filme de Nuri Bilge Ceylan, além de exigente em termos de duração, também pede ao espectador que embarque em várias discussões complexas e filosóficas sobre a vida. Nada pretensioso, mas esmiuçado lentamente, o que deve afastar milhares de plateias pelo mundo. Particularmente, não embarquei com entusiasmo na obra, e certamente preferia outros títulos de Cannes neste ano.
À Procura, de Atom Egoyam
Logo quando começou À Procura, já bateu o cansaço: mais um filme sobre crianças desaparecidas. Tudo bem que Os Suspeitos e O Lobo Atrás da Porta foram excepcionais na construção desses mistérios, mas o novo longa de Atom Egoyan não foi bem recebido em Cannes ou em qualquer outra parte. E, de fato, nem bem o filme chega na metade e já há diversos motivos bem justificáveis para a má receptividade. Em sua essência, À Procura é sobre um casal que perdeu o filho, mas, na tentativa de trazer resoluções e estruturas diferentes para uma história como essa, termina sendo tudo menos envolvente – tanto em efeitos dramáticos quanto policiais.
Indo e voltando no tempo sem qualquer trabalho de maquiagem ou transição decente que insinue o jogo temporal, À Procura já começa errado na escalação do elenco. Ryan Reynolds nunca foi bom ator, Rosario Dawson não poderia estar mais apática e Kevin Durand só é caricatura – este último por sinal, é o mais ineficiente de todos, fazendo um desserviço à trama como o vilão maluco que gosta de ópera e é abarrotado de bizarrices. Por isso, se a trama por si só já é perdida, o fraquíssimo elenco só amplia a sensação de que não devemos nos importar mesmo com as figuras que aparecem na tela.
É errada a escolha do egípcio Egoyan de nos mostrar onde está a garota desaparecida logo nos primeiros minutos de filme, tentando trabalhar, desta forma, a angústia por meio de como os pais e a polícia se aproximam ou não da rede criminosa. Só que o suspense é tolo, os personagens não sustentam a dramaticidade da história e algumas situações beiram os mais tolos dos clichês, como a ajudante de peruca que se infiltra em uma festa para colocar um Boa Noite Cinderela no copo da policial sem que ela perceba. Igualmente ridícula é, ainda nesta cena, a naturalidade com que Nicole (Dawson) conta basicamente todos os detalhes do caso que está investigando para uma mesa de estranhos em uma festa (e que, claro, é onde se encontra secretamente um dos criminosos). Quanta esperteza para uma policial consagrada em desvendar casos envolvendo crimes contra crianças!
Já não é de hoje que Egoyan faz este cinema irregular de Super Cine. Pelo menos duas de suas obras anteriores desempenham este papel: Verdade Nua e O Preço da Traição. Só que se, nesses casos, existiam atores como Julianne Moore e Colin Firth para salvar ou pelo menos dar algum tipo de credibilidade às histórias mal conduzidas, não é o que ocorre com À Procura. Misteriosamente selecionado para a mostra competitiva de Cannes deste ano, o filme falha em todas as suas tentativas, sendo pífio no suspense policial e carente de emoções na parte dramática. Uma verdadeira bagunça.
Kamila, certamente foi inesquecível! :)
Que pena que os dois filmes que encerraram a sua cobertura da Mostra de Cinema de SP não foram assim tão entusiasmantes, mas acredito que a estreia nesse evento deve ter sido inesquecível, não?