Dois Dias, Uma Noite, de Jean-Pierre e Luc Dardenne
Em Jogo de Cena, do saudoso mestre Eduardo Coutinho, Marília Pêra, ao interpretar a história real de uma mulher, diz que optou por retrair ao máximo as emoções de sua interpretação. Ela explica que um choro, por exemplo, só parece de verdade quando a pessoa tenta esconder, ao contrário do que acontece no cinema e na TV, onde atores tentam, a todo custo, verter lágrimas e mais lágrimas em cenas dramáticas frente às câmeras. Não. Na vida real, nós tendemos a esconder o choro. Pêra resume com perfeição como as emoções devem ser tratadas na dramaturgia para que tudo pareça o mais real possível. E é por aí que passa o cinema dos irmãos Dardenne, sempre tão naturalista e próximo das experiências de seres humanos comuns.
Desta vez, em Dois Dias, Uma Noite, eles acompanham a jornada de Sandra (Marion Cotillard), uma mãe que perde o emprego em uma votação trabalhista entre seus colegas. A razão? Eles tiveram que escolher entre ela e um bônus de mil euros para o final de ano. Recém recuperada de uma fase depressiva, Sandra não pode perder o emprego e, em um fim de semana, tenta mudar a opinião de todos os colegas que votaram contra a sua permanência na fábrica. No entanto, não espere ver aqui Marion Cotillard ajoelhada frente aos personagens implorando por emprego ou incansáveis choros desesperados dela. Na verdade, as cenas mais belas de Dois Dias, Uma Noite são aquelas que fazem justamente o contrário – e uma das mais bonitas é aquela em que Sandra, frente ao espelho e prestes a cair em lágrimas, se recompõe e repete para si mesma: “você não tem que chorar”.
São pertinentes as discussões trazidas pelo novo filme dos irmãos Dardenne. Para nós brasileiros, elas ganham um sentido extra agora que vivemos eleições presidenciais tão tumultuadas. Dois Dias, Uma Noite passa por convencimento, pelo interesse individual versus o interesse coletivo, por como a opinião de quem está ganhando influencia a de quem está em dúvida e pela minoria que recua suas crenças só porque não crê na possibilidade de vitória. A forma como os diretores distribuem tais situações e análises ao longo do filme é bastante harmônica e frequentemente surpreendente, inclusive até o último minuto, quando a protagonista se vê em uma situação que coloca em xeque todos os valores batalhados por ela ao longo de sua jornada.
A bela Marion Cotillard entrega outro belo desempenho em Dois Dias, Uma Noite. De cara limpa, consegue fugir de qualquer obstáculo envolvendo sua inegável beleza, construindo uma mulher realmente comum e identificável. É fácil torcer por sua Sandra, até porque o roteiro ainda faz questão de discretamente pontuar detalhes pessoais de sua vida, como o casamento em crise e o vício por remédios em uma fase pós-depressão. Caso o filme pareça um tanto arrastado e repetitivo na forma como sempre mostra o discurso inicial da protagonista que explica sua situação para cada colega, isto deve ser proposital: ora, se Sandra está exausta de ter que ir de casa em casa para convencer alguém, nós também temos que compartilhar deste sofrimento. E, como o filme foi filmado na ordem cronológica que se apresenta na tela e com takes repetidos mais de 50 vezes por Cotillard, isto só aperfeiçoa a impressão que fica de mais este excelente filme da exemplar seleção que Cannes conseguiu fazer em 2014.
Clóvis, é um dos meus momentos favoritos da Marion!
Esse filme teria passado completamente por mim, se não fosse a elogiada atuação de Marion Cotillard. E ao que parece, ela está arrasando como de costume.