Álbum de Família

Life is very long.

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Direção: John Wells

Roteiro: Tracy Letts, baseado na peça “August: Osage County”, de autoria própria

Elenco: Meryl Streep, Julia Roberts, Julianne Nicholson, Margo Martindale, Ewan McGregor, Juliette Lewis, Abigail Breslin, Dermot Mulroney, Chris Cooper, Benedict Cumberbatch, Sam Shepard, Misty Upham, Newell Alexander

August: Osage County, EUA, 2013, Drama, 121 minutos

Sinopse: Barbara (Julia Roberts), Ivy (Julianne Nicholson) e Karen (Juliette Lewis) são três irmãs que são obrigadas a voltar para casa e cuidar da mãe viciada em medicamentos e com câncer (Meryl Streep), após o desaparecimento do pai delas (Sam Shepard). O encontro provoca diversos conflitos e mostra que nenhum segredo estará protegido. Enquanto tenta lidar com a mãe, Barbara ainda terá que conviver com os problemas pessoais, com difíceis relações com o ex-marido (Ewan McGregor) e com a filha adolescente (Abigail Breslin). (Adoro Cinema)

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Violet (Meryl Streep) disse tudo o que bem entendia em um jantar com a família. Sua veracidade foi tamanha que uma das filhas imediatamente questiona o porquê da matriarca estar sendo tão cruel com todos à mesa. Entretanto, Violet não vê a situação dessa maneira. Para ela, tudo não passa de uma sucessão de verdades sendo ditas cara a cara. Na realidade, o choque que a matriarca causa frente aos familiares é muito simples: ela não esconde o que pensa. Ao contrário de todos a sua volta, tão cercados de restrições afetivas e pensamentos nunca verbalizados, ela prefere ser franca com suas opiniões – nem que isso machuque os outros. Claro que esse comportamento é resultado de uma vida de insatisfações e de um longo vício em pílulas para amenizar as dores de um câncer (de boca, ironicamente), mas também diz muito sobre como se estabelece a dinâmica de Álbum da Família: se o desaparecimento de Bev (Sam Shepard) é o pretexto para reunir a família Weston durante um fim de semana, as verdades de Violet são as responsáveis por trazer à tona angústias e ressentimentos de um grupo que, mesmo tendo o mesmo sangue, há muito deixou de ser uma família.

Recebido com certo descaso lá fora, Álbum de Família foge do que estamos cada vez mais (mal) acostumados a procurar: filmes sempre revolucionários e que esbanjam originalidade. Parece que hoje não existe mais espaço para o tradicional, e isso é um grande problema. É também uma injustiça, pois, assim, filmes interessantíssimos não são devidamente valorizados, como é o caso desse longa de John Wells. O diretor, que fez carreira na TV ao produzir e dirigir episódios para séries como E.R. e The West Wing, entrega justamente um drama familiar convencional mas que, dentro de suas normalidades, tem atributos suficientes para ser admirado por fazer tanto com basicamente texto e atores. Não à toa é fácil se lembrar da era de ouro do seriado Brothers & Sisters. Ou seja, alguns estereótipos perfeitamente admissíveis, segredos familiares envolventes, ressentimentos previsíveis mas bem explorados, cenas dramáticas eficientes e até mesmo alívios cômicos divertidos. Inovador? Não, mas como uma (boa) trama novelesca deve ser, com histórias sobre a vida mesmo, facilmente identificáveis por todos nós.

O roteiro foi escrito por um sujeito chamado Tracy Letts, constante colaborador de William Friedkin (trabalharam juntos em Killer Joe – Matador de AluguelPossuídos), que adaptou a sua peça homônima. A direção sem grande personalidade de John Wells deixa transparecer em diversos momentos esse caráter teatral – em particular em uma das cenas finais, onde pratos são literalmente quebrados com um tom nada condizente com o cinema -, mas não é nada comparado a total histeria apresentada por Roman Polanski em Deus da Carnificina recentemente. Lá sim tudo era muito fake e descontrolado. Em Álbum de Família, o roteiro de Letts constroi um grande mosaico com figuras das mais variadas idades e tipos: a filha que abdicou da vida para não deixar os pais abandonados, a irmã quase fútil que troca de namorado a cada ano, a tia engraçadinha mas que também tem suas frustrações, a favorita do pai que – ao contrário do que todos pensam – não tem uma vida tão bem sucedida assim, e por aí vai… E a boa notícia é que o filme tem espaço para todos. Ninguém é superficial, cada um tem personalidade muito clara e nós compreendemos todos os membros da família Weston – o que só confirma a disciplina do roteiro, que, estivesse nas mãos de alguém mais inexperiente, perderia-se entre tantas storylines.

Já não bastasse o roteiro pontuar muito bem cada drama e distribuí-las com precisão ao longo do filme, o elenco estelar só amplia essa sensação do tradicional bem contado. A figura indiscutivelmente mais marcante é, sem dúvida, Violet, a matriarca vivida por Meryl Streep. Desprezando a dor dos outros simplesmente porque julga ter passado por situações bem mais penosas na vida, é uma personagem afiada que poderia cair facilmente na unidimensionalidade – como a irmã Aloysius, de Dúvida, outro papel bastante difícil e antipático de Meryl. Não é o que acontece aqui: ao mesmo tempo em que somos intimidados por sua presença, também compreendemos sua amargura – e a cena em que ela conta um episódio de sua infância envolvendo uma bota é particularmente tocante. Assim,  Meryl Streep, em mais um desempenho impressionante, nunca hesita com o sotaque e a voz de uma mulher que parece constantemente embriagada pelo uso excessivo de remédios. Vai do drama à comédia e do introspectivo ao explosivo com uma força que só ela tem. Mais um papel inteiramente novo para sua carreira e que, arrisco dizer, supera o nível do recente A Dama de Ferro por se tratar de um desempenho muito mais livre e aberto a criações. 

O grupo de atores ainda merece outra menção particular: Julia Roberts como Barbara,  a filha que mais recebe destaque na história. Sem glamour algum (o que é proposital e ótimo), a atriz prova que as comédias românticas já fazem parte de seu passado e que passou da hora de ser reconhecida por seus trabalhos dramáticos – e o Oscar por Erin Brokovich – Uma Mulher de Talento não chega a contar necessariamente como uma celebração dessa sua vertente. Desde Closer – Perto Demais (um de seus desempenhos mais subestimados) merece mais atenção nos dramas. Quando divulgava Espelho, Espelho Meu, Roberts chegou a chorar em uma coletiva do filme quando anunciou em primeira mão que estrelaria Álbum de Família ao lado de Meryl Streep, atriz que é sua grande referência na profissão. Posteriormente, também revelou que atuar ao lado da veterana foi o seu maior  desafio como intérprete. Pois fique tranquila, Julia, você não ficou devendo nada à Meryl. Formou com ela uma dupla excelente e de pura sintonia.

Com uma boa trilha do duplamente oscarizado Gustavo Santaolalla e ótimos créditos finais ao som de Last Mile Home, música escrita especialmente para o filme pela banda Kings of Leon, Álbum de Família faz jus à vida como ela é, mostrando que são os nossos sentimentos e atitudes que desencadeiam acontecimentos, e não o contrário. Nós somos responsáveis por aquilo que nos acontece. Somos, enfim, as escolhas que fazemos. É uma pena que essa simplicidade não tenha sido abraçada por todos e que Álbum de Família esteja fadado a ser lembrado como um mero drama repetitivo e até mesmo histriônico. Para mim, foi uma das melhores surpresas de 2013, especialmente depois de ter sido tratado com tanto descaso lá fora. Chegando aos 45 do segundo tempo de 2013, é um filme que acerta ao falar tudo com apenas um recorte, mais especificamente de um fim de semana… Dias que, certamente, os Weston não vão querer colocar em um álbum para lembranças posteriores.

FILME: 8.5

4

3 comentários em “Álbum de Família

  1. Muito sensato, Matheus. Compartilho muito da sua opinião. Ver o filme foi a melhor coisa que fiz no penúltimo dia do ano. Realmente, uma ótima surpresa.

  2. Ótima crítica, Matheus! Eu jurava que esse filme só chegava em 2014, mas descobri hoje que ele já está em cartaz por aqui. Sua resenha confirmou tudo aquilo que eu esperava dele e fico feliz que o elenco corresponda à altura.

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