Quando esteve no 39º Festival de Cinema de Gramado com o longa-metragem A Tiro de Piedra, o diretor mexicano Sebastián Hiriart comentou, na apresentação anterior à exibição, que esperava que o público amasse ou odiasse seu filme, sem meios termos. Segundo ele, não existe nada pior que a indiferença, e é até melhor odiar demais um filme do que simplesmente não ter qualquer reação. Lembro que atendi às preces do diretor e não fiquei indiferente: quase morri de sono durante A Tiro de Piedra. Já com Éden, de Bruno Safadi, aconteceu justamente o oposto: enquanto boa parte da plateia do 41º Festival de Cinema de Gramado não se mostrou nem um pouco entusiasmada com o filme estrelado por Leandra Leal, entendia por completo a aversão desse público – mas nem por isso concordava com ele. Para mim, Éden vai totalmente de encontro com o que Hiriart falou sobre o seu longa: é uma experiência diferente e estranha (no sentido que você quiser empregar a esse adjetivo), e só por isso já merecia não ser conferido com qualquer indiferença.
Não é fácil falar sobre Éden, assim como também não é fácil assisti-lo. Pelas mais diversas razões. A sinopse (mulher de 30 anos que perde o marido assassinado e, grávida, passa a frequentar os cultos de uma igreja evangélica) indica a possibilidade de Bruno Safadi ter realizado um grande dramalhão ou uma denúncia descontrolada sobre a manipulação de toda e qualquer religião. Nada disso. Longe disso, melhor dizendo. Contemplativo, o diretor carioca realiza um longa-metragem que não se desenvolve necessariamente a partir de fatos. Quando Éden começa, Karine (Leandra Leal) já perdeu o marido. E não sentimos falta dessa explicação ou de maiores detalhes. Isso porque o enredo está mais interessado em retratar o que acontece no interior da protagonista: seus sentimentos e angústias nessa jornada solitária para tentar se reencaixar de alguma forma no mundo. Trabalhando muito por meio de simbolismos (vários planos são impactantes, mas todos com algo a dizer), o filme também aposta em idas e vindas no tempo e certas liberdades narrativas (não espere respostas para tudo) para construir o emocional de sua protagonista.
Com essa caminho mais diferenciado e sem muitas concessões, Safadi entrega uma obra desafiadora, que não tem qualquer intenção de entregar tudo mastigado ou simplificado para o espectador. É uma mistura no mínimo inusitada e nada universal, cujo aceitamento depende da identificação cinéfila de cada pessoa com a proposta narrativa e estética. Ainda que de duração curta (75 minutos), Éden parece maior, muito por causa de seu ritmo e de seu tom contemplativo. Mas vale a pena embarcar na história para apreciar pelo menos dois trunfos inegáveis: o desempenho de Leandra Leal (merecidamente premiada com um segundo Kikito de melhor atriz no 41º Festival de Cinema de Gramado) e a forma como Safadi desenvolve a questão da religião. Bem como em O Mestre, Éden entra na cabeça do espectador, levando-o por completo para aquela lavagem cerebral que é o evangelismo, que se aproveita do sofrimento alheio para arrecadar dinheiro, que penetra nas mentes por de discursos repetitivos e que tem um líder cheio de vigor e convencimento.
Nesse sentido, merecem destaque os desempenhos de Júlio Andrade e João Miguel, como o fiel irredutível e o firme pastor, respectivamente. Ambos nunca caem em exageros, ao contrário do que a essência da história permitiria. Mas Leandra Leal é quem reina, construindo uma personagem que, visto à desgraça que vive, encontra-se quase em estado de transe. O melhor da abordagem da protagonista é que ela não abraça por completo as ideias evangélicas ou se torna uma religiosa fervorosa. É apenas uma mulher perdida, procurando algo para se salvar. Para narrar tal jornada, Éden é muito sensitivo, de cores fortes e marcantes, com um trabalho sonoro excepcional (a loucura da religião e o atordoamento da protagonista são também desenvolvidos pela trilha, que chega a incomodar e perturbar), mas não são todos que vão comprar as ideias de Bruno Safadi, e menos ainda aqueles que vão apreciar o conjunto. Entretanto, só por ser diferente, fora do convencional e bem realizado (mesmo que não arrebatador), já merecia certo apreço. Não é sempre que vemos experiências novas – e coerentes – como essa no cinema nacional.
Kamila, acho que esse filme tem força para fazer sucesso no circuito alternativo. Tomara que estreie logo!
Júlio Andrade e João Miguel são dois atores que dispensam apresentações. Eles são muito bons. Fiquei curiosa em relação a esse filme e espero que tenha uma boa distribuição nas salas de cinema brasileiras, ao invés de ficar restrito ao circuito dos festivais.