
Vencedores do 41º Festival de Cinema de Gramado foram conhecidos no sábado (17). Foto: Cleiton Thiele/PressPhoto
O grande vencedor da 41ª edição do Festival de Cinema de Gramado veio diretamente de Pernambuco, contando uma história de amor gay em tempos de ditadura. É Tatuagem, de Hilton Lacerda, que venceu o prêmio do júri oficial e da crítica, além das categorias de melhor ator (Irandhir Santos) e trilha musical. Lacerda não é novato no cinema (foi roteirista de filmes como Amarelo Manga, Baixio das Bestas e Febre do Rato), mas só agora teve seu debut como diretor de ficção. Tatuagem, que teve sua primeira exibição em Gramado, incomodou as plateias mais conservadoras por sua veracidade quanto ao mundo gay, mas seu valor cinematográfico mobilizou discussões e debates entusiasmados que facilmente já indicavam essa premiação que aconteceu no último sábado (17).
É recompensador ver que a arte cada vez mais quebra preconceitos (Cannes também premiou um filme gay em 2013: La Vie d’Adele, de Abdellatif Kechiche), o que só comprova como as mentes de Marco Feliciano e Silas Malafaia se mostram absurdamente retrógradas. Gramado acertou plenamente nesse sentido, mas a lista, claro, tem suas ressalvas. Sejamos justos: os vencedores primaram pela pluralidade e pelo reconhecimento a todos. Sempre apóio a descentralização de prêmios (desde que a distribuição seja justa ou no mínimo compreensível), mas isso não quer necessariamente dizer que premiar todos é positivo. Pelo contrário: pode parecer medo de desagradar. E foi exatamente isso que deu para sentir com o júri formado por Affonso Beato, Amir Labaki, Beto Rodrigues, Joana Fomm e Kleber Mendonça Filho.

Leandra Leal compareceu ao evento e ganhou seu segundo Kikito, dessa vez por “Éden”. Foto: Edison Vara/PressPhoto
Só mesmo isso para explicar algumas das premiações que comento na sequência. Primeiro Dia de Um Ano Qualquer, de Domingos Oliveira, foi o vencedor na categoria de melhor roteiro. No entanto, o reconhecimento parece mais uma homenagem à memória do diretor e uma comoção ao seu estado de saúde (ele caminha muito mal e tem uma dicção quase incompreensível). Isso porque o filme em si é uma miscelânea de reciclagens e pretensões. Nele, Domingos quer ser um filho de Robert Altman e Woody Allen – o que incomoda profundamente quem conhece a obra desses dois diretores, uma vez que, se for para ver uma mera cópia de segunda, é melhor beber diretamente da fonte.
Revelando Sebastião Salgado, da diretora Betse de Paula (que recentemente arrasou no Cine PE com Vendo ou Alugo), estava prestes a sair de mãos vazias. Porém, eis que o júri resolver conceder um “prêmio especial do júri” – sem explicações – entregando um Kikito para o documentário que celebra a figura do célebre fotógrafo-título. Questiona-se também o prêmio do júri popular. Antes formado por leitores vencedores de concursos culturais em jornais de diversos pontos do Brasil, agora o júri volta a ser quem está na própria sessão, votando ao final dela. Só que fica evidente que os dois vencedores – A Coleção Invisível e Até Que a Sbórnia nos Separe – venceram porque tiveram as sessões mais cheias de todo o Festival (por coincidência, o primeiro foi exibido em uma sexta-feira, dia em que o Festival enche!).
Ainda sobre ressalvas, o absurdo mesmo foram as duas premiações para A Bruta Flor do Querer, de Andradina Azevedo e Dida Andrade. Ainda tendo compreender a mensagem que desejam passar com os prêmios de melhor direção e fotografia para a dupla (celebração da nova geração?), mas é simplesmente impossível: presentes em Gramado já no ano passado com o insosso curta-metragem A Triste História de Kid Punhetinha, agora os diretores voltaram recebendo confetes com esse filme pretensioso, forçado e voltado exclusivamente ao umbigo e aos fetiches de seus próprios realizadores.

Agraciada pela terceira vez com um Kikito, Léa Garcia foi a melhor atriz de curtas por “Acalanto”, o grande vencedor da respectiva mostra. Foto: Cleiton Thiele/PressPhoto
Entretanto, voltamos ao que deu certo. Ainda que com deslizes (que toda premiação do mundo tem), o resultado foi dentro do esperado, refletindo a boa fase que o evento retomou na edição passada. Era óbvio que Leandra Leal ganharia seu segundo Kikito por Éden, que a montadora Karen Harley não sairia de mãos abanando (concorria por A Coleção Invisível e Os Amigos, ganhando pelo segundo) e que o belo curta-metragem Acalanto seria devidamente agraciado (incluindo um merecido Kikito para a impressionante Léa Garcia, que tem um dos olhares mais marcantes do cinema brasileiro).
A cerimônia ainda contou com três divertidas aparições da dupla do espetáculo Tangos e Tragédias, que espaçou a longa entrega dos Kikitos (mais de 40 prêmios!) sem parecer uma intervenção de mera formalidade. Foi diversão mesmo. Mais um ano pra lá de positivo para o Festival de Cinema de Gramado. Nos próximos dias, comentaremos aqui no blog alguns longas da seleção. Se você ainda não viu, confira nossas críticas já publicadas de Flores Raras (filme de abertura, fora de competição) e Os Amigos.
LONGAS-METRAGENS BRASILEIROS
MELHOR FILME: Tatuagem, de Hilton Lacerda
MELHOR DIREÇÃO: Andradina Azevedo e Dida Andrade, por A Bruta Flor do Querer
MELHOR ATOR: Irandhir Santos, por Tatuagem
MELHOR ATRIZ: Leandra Leal, por Éden
MELHOR ATOR COADJUVANTE: Walmor Chagas, por A Coleção Invisível
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE: Clarisse Abujamra, por A Coleção Invisível
MELHOR ROTEIRO: Domingos Oliveira, por Primeiro Dia de Um Ano Qualquer
MELHOR FOTOGRAFIA: Gallo Rivas, por A Bruta Flor do Querer
MELHOR MONTAGEM: Karen Harley, por Os Amigos
MELHOR DIREÇÃO DE ARTE: Eloar Guazzelli e Pilar Prado, por Até Que Sbórnia nos Sepere
MELHOR TRILHA MUSICAL: DJ Dolores, por Tatuagem
MELHOR DESENHO DE SOM: Edson Secco, por Éden
PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI OFICIAL: Revelando Sebastião Salgado, de Betse de Paula
MELHOR FILME (JÚRI POPULAR): Até Que a Sbórnia nos Separe e A Coleção Invisível
MELHOR FILME (JÚRI DA CRÍTICA): Tatuagem, de Hilton Lacerda
LONGAS-METRAGENS ESTRANGEIROS
MELHOR FILME: Repare Bem, de Maria de Medeiros
MELHOR DIREÇÃO: Roberto Flores Prieto, por Cazando Luciérnagas
MELHOR ATOR: Cesar Troncoso, por A Oeste do Fim do Mundo
MELHOR ATRIZ: Valentina Abril, por Cazando Luciérnagas
MELHOR ROTEIRO: Carlos Franco Esguerra, por Cazando Luciérnagas
MELHOR FOTOGRAFIA: Eduardo Ramírez Gonzáles, por Cazando Luciérnagas
MELHOR FILME (JÚRI POPULAR): A Oeste do Fim do Mundo, de Paulo Nascimento
PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI OFICIAL: Grupo de Teatro Catalinas Sur, por Venimos de Muy Lejos
CURTAS-METRAGENS BRASILEIROS
MELHOR FILME: Acalanto, de Arturo Saboia
MELHOR DIREÇÃO: Arturo Saboia, por Acalanto
MELHOR ATOR: Kauê Telloli, por A Navalha do Avô
MELHOR ATRIZ: Léa Garcia, por Acalanto
MELHOR ROTEIRO: Francine Barbosa e Pedro Jorge, por A Navalha do Avô
MELHOR FOTOGRAFIA: Alexandre Samori, por Arapuca
MELHOR MONTAGEM: Gilberto Scarpa e Vinícius Gotardelo, por Merda!
MELHOR DIREÇÃO DE ARTE: Rogério Tavares, por Acalanto
MELHOR TRILHA MUSICAL: Luiz Oliviéri, por Acalanto
MELHOR DESENHO DE SOM: Tiago Bello, Rita Zart e Marcos Lopes, por Tomou Café e Esperou
MELHOR FILME (JÚRI POPULAR): Acalanto, de Arturo Saboia
MENÇÃO HONROSA: Carregadores do Monte, de Cassio Santos e Julio Lucena
PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI OFICIAL: Os Filmes Estão Vivos, de Fabiano de Souza e Milton do Prado
PRÊMIO CANAL BRASIL: A Navalha do Avô, de Pedro Jorge
MELHOR FILME (JÚRI DA CRÍTICA: Os Filmes Estão Vivos, de Fabiano de Souza e Milton do Prado
PRÊMIO DOM QUIXOTE
VENCEDOR: Repare Bem, de Maria de Medeiros
MENÇÃO HONROSA: Venimos de Muy Lejos, de Ricardo Piterbarg
MENÇÃO HONROSA: A Oeste do Fim do Mundo, de Paulo Nascimento
Kamila, obrigado! Sei que o filme vencedor do Festival desse ano, “Tatuagem”, já tem estreia marcada para 8 de novembro!
Muito bom, Matheus! Parabéns pela excelente cobertura do 41º Festival de Cinema de Gramado! Você arrasou! :) E vamos torcer para os filmes vencedores terem uma boa distribuição nos cinemas brasileiros.