Cinema e Argumento

43º Festival de Cinema de Gramado #5: os curtas gaúchos em competição

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De Que Lado Me Olhas e o bom momento dos documentários no cinema gaúcho: gênero se destaca em uma pouca impressiva mostra de curtas produzidos no Rio Grande do Sul.

Desde que o Festival de Cinema de Gramado se repaginou em 2012 e trouxe os curtas gaúchos de volta para o Palácio dos Festivais não víamos uma seleção tão passageira quanto a deste ano. Em 2015, não há Garry24 Horas Com Carolina ou muito menos algo tocante em narrativa e estética como o belíssimo Domingo de Marta. Os curtas selecionados, em uma análise geral, não impressionam e o que fica da mostra realizada pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul é a boa média de documentários.

Se muitos dos filmes desse gênero selecionados para competição cumprem apenas o básico como o mediano Consertam-se Gaitas, outros instigam pelos temas (Madrepérola, sobre meninas acima do peso ditado pela moda e que não se incomodam com o que são, e De Que Lado Me Olhas, sobre identidades de gênero) ou encantam pela própria execução (a dupla Karine Emerich e Mirela Kruel volta ao Festival com o inspirador Arte da Loucura, que retrata os dias em que uma trupe de atores italianos passa cinco dias em um hospital psiquiátrico de Porto Alegre). Foi um bom ano para os documentários entre os gaúchos, e isso está contemplado na seleção.

Entretanto, se, de resto, a mostra gaúcha de curtas não chega a impressionar, também temos que levar em consideração que a comissão de seleção fez um bom trabalho ao não selecionar filmes de gosto duvidoso (o único que destoa do conjunto é Liga-Pontos, um filme que faz jus à comparação pejorativa de um filme universitário). Praticamente todos os exemplares da mostra em 2015 são no mínimo bem produzidos. Curtas como Pele de Concreto, O CorpoRito Sumário, Bruxa de FábricaNe Pas Projeter podem até dividir opiniões, mas são inegavelmente exemplares bem realizados e de ideias novas – afinal, mais vale errar pela tentativa de transgressão do que pela comodidade.

Reforçando o bom momento que vive o cinema gaúcho (este ano foram 12 produções realizadas no Estado que se inscreveram para a mostra competitiva de longas brasileiros), a mostra de curtas terá seus vencedores revelados neste domingo (09). Os agraciados, além de levarem para casa o Prêmio Assembleia Legislativa, também faturam prêmios em dinheiro (ao total, 30 mil reais serão distribuídos entre os agraciados). 

43º Festival de Cinema de Gramado #4: “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert

01/2014 - Still longa metragem ' Que Horas Ela Volta' - De Anna Muylaert foto: Aline Arruda

Que Horas Ela Volta? é o auge da carreira de Anna Muylaert até aqui. No filme estrelado por Regina Casé, a diretora dá uma aula de discrição e delicadeza em um inteligente registro de uma sociedade.

Os melhores filmes são documentais e, inconscientemente, registros de uma sociedade. Em tempos que o cinema parece não saber muito bem qual o seu norte, são raras as produções que conseguem fazer essa reprodução de tempo e espaço com a devida elegância, discrição e inteligência. Que alegria, portanto, ver que o Brasil se atenta cada vez mais a esta ideia e que já fomos reconhecidos mundialmente por isso. Que Horas Ela Volta?, que estreou nacionalmente ontem em Gramado, chega ao circuito comercial no dia 27 de agosto com prêmios em Berlim e Sundance, e vem para dialogar tematicamente com outros dois importantes longas que fazem uma radiografia do nosso Brasil: O Som ao Redor Casa Grande. O primeiro, inclusive, é tido pela diretora Anna Muylaert como uma influência direta para que ela tenha achado respostas a esse projeto que vinha desenvolvendo há 20 anos, especialmente no que se refere à ideia de uma história onde o oprimido de repente tem a força.

Muylaert sempre foi afeita às pequenas coisas da vida e como elas podem dizer muito sobre os seres humanos, mas ela parece realmente ter evoluído enormemente como contadora de histórias desde sua estreia com Durval Discos 13 anos atrás. Com Que Horas Ela Volta?, a diretora alcança um outro patamar e consegue o feito de ter realizado uma obra popular mas ao mesmo tempo inteligente – bem como o cinema argentino consegue fazer sempre e mais recentemente com o estrondoso sucesso de público e crítica Relatos Selvagens. Do apelo inegável de Regina Casé ao próprio retrato do conflito de classes no Brasil, Que Horas Ela Volta? é repleto de pitadas de humor que incrementam uma mistura crível, natural e envolvente. O tom naturalista da obra é resultado da própria proposta da diretora em todos os seus filmes: ela não permite que os atores simplesmente reproduzam as mesmas falas do roteiro. A palavra de ordem é improviso.

Se a comédia é irresistível e deve acertar em cheio o público brasileiro, também é bom olhar além e ficar atento a uma infinidade de detalhes que engradecem a experiência. Anna Muylaert, também autora do roteiro, diz que Que Horas Ela Volta? é um filme sobre a arquitetura dos afetos nas relações de poder brasileiras e que, mesmo partindo de um cenário específico de um país, tem abordagens comuns aos estrangeiros, que também convivem com empregados e funcionários muitas vezes imigrantes e distantes de suas realidades. O longa está mesmo imerso nessas leituras sobre a relação empregado/patrão, evocando demais todas as heranças da escravidão e subserviência que ainda repercutem no Brasil, além de estudar minuciosamente os sentimentos silenciosos que surgem a partir de uma relação aparentemente distante mas no fundo tão íntima – afinal, uma empregada faz parte do dia a dia e sabe basicamente tudo sobre seus empregadores.

Muylaert, discreta que é, não escancara a proposta de seu filme em diálogos, mas percebam como Val (Regina Casé, surpreendente e não menos que extraordinária), no dia do aniversário de sua chefe, presenteia a patroa com um conjunto de xícaras. As xícaras são simbólicas, já que nada mais são do que objetos que ampliam sua relação de servidão com a patroa, uma vez que a própria Val terá que servi-la com o presente que comprou. Mesmo quando ganha uma cocada, por exemplo, a protagonista não pensa duas vezes antes de compartilhá-la com a chefe, mostrando que não se acha digna de qualquer lembrança ou carinho sem ter que dar satisfações a sua “superior”. Ela se acha inferior a todos – inclusive à própria filha que deixou no nordeste anos atrás para trabalhar em São Paulo afim de sustentá-la -, o que é um interessante contraste com a figura de Bárbara (Karine Telles), sua empregadora, que se acha superior a todos, mas se vê incrivelmente abalada quando percebe que Val é quem detém um certo poder que lhe escapa como a verdadeira mãe de seu filho em termos de carinho.

Não há equiparações sentimentais ou de poder em Que Horas Ela Volta?, e é isso o que torna o filme de Anna Muylaert até mesmo angustiante, já que vemos Val sendo escanteada sem que ela própria se incomode com isso (repetindo: faz parte de sua natureza ser inferior em função de sua origem humilde). No entanto, a diretora e roteirista em momento algum vitimiza ou vilaniza qualquer um dos personagens. Assim como Regina Casé transmite com perfeição as filosofias de vida de uma mulher que diz que certas coisas “a gente já nasce sabendo”, Karine Telles é certeira ao ser altiva nos momentos certos e insegura quando vê que o controle não está mais ao seu alcance. Camila Márdila, a filha de Val, seduz não seduzindo com o papel mais difícil de todos: a filha que tem vergonha das condições da mãe e que vê nos patrões dela uma chance de escapar de um futuro que já lhe parece predestinado. Em suma, a força aqui é das mulheres e os homens são meros meninos, conferindo ainda a Que Horas Ela Volta? um grande impacto feminino. 

Fora as riquíssimas interações político-sociais desenhadas por Que Horas Ela Volta?, há outras pequenas contemporaneidades, como o momento em que a família está sentada na mesa de jantar sem se comunicar pois todos estão conectados em seus respectivos celulares. A educação dos filhos como papel primordial para construção da sociedade é outro ponto desenvolvido de forma inteligente pelo roteiro. Afinal, o que é mais importante: fazer filhos ou educá-los? Enquanto no Brasil a primeira resposta ainda parece a mais valorizada, o filme vem bem a calhar, pois mostra que, além da segunda afirmação ser indiscutivelmente a mais coerente, a mulher tem importância decisiva e subvalorizada no processo de formação de caráter e afeto de toda uma sociedade.

Mesmo com tantas “análises”, o longa nunca deixa de ser sentimental – a cena solo de Regina Casé em uma piscina é o ponto alto -, e também divertidíssimo. Com todos os méritos, Que Horas Ela Volta? deve fazer um notável sucesso de público por aqui e o abraço internacional comprova que esta é uma obra que pode – e deve – viajar o mundo. Escapa à memória a última vez que um filme tão simples e pequeno se engrandeceu tanto em seus detalhes. O Brasil e seu povo das mais variadas classes estão retratados nesta história executada sem qualquer artifício. Na verdade, nossa realidade está representada com a maior delicadeza, inteligência, contemporaneidade e verossimilhança possíveis. Aqui, Que Horas Ela Volta? funciona como entretenimento de grande reflexão. Lá fora, como veículo de importantes informações sobre um país que, para os estrangeiros, ainda está resumido aos retratos feitos em Cidade de DeusTropa de Elite. Mais do que nunca, chegou a hora de mudar essas credenciais. Bravo!

43º Festival de Cinema de Gramado #3: evento começa oficialmente nesta sexta-feira (07)

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Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert, é o primeiro longa-metragem em exibição no 43º Festival de Cinema de Gramado.

Em um ano difícil para os eventos culturais devido ao cenário econômico (são muitos os relatos de festivais e mostras de todos os gêneros que cancelaram suas edições ou enxugaram orçamento), o Festival de Cinema de Gramado segue fazendo jus ao seu histórico de resistência – não deixou de ser realizado nem mesmo durante a crise do governo Collor -, e começa sua 43ª edição nesta sexta-feira (07). A comunidade do município, no entanto, chegou antes ao Palácio dos Festivais: na quinta-feira (06), os alunos da rede pública de Gramado exibiram os filmes produzidos no projeto Educavídeo, que usa o cinema como ferramenta de educação nas escolas.

O 43º Festival de Cinema de Gramado abre com o aguardado Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert, que havia sido selecionado para a mostra competitiva mas que recentemente foi desclassificado por descumprir o regulamento do evento (o longa tem uma pré-estreia marcada durante a realização do Festival). Os curadores decidiram manter o filme fora de concurso, evitando frustrar o público que já ia ao Palácio conferir este que é, possivelmente, a produção brasileira mais aguardada em anos – e que deve representar ainda, como palpite do escriba que vos fala, o retorno do nosso cinema ao Oscar de melhor filme estrangeiro desde Central do Brasil em 1999.

A discussão em torno da curadoria segue: Eva Piwowarski, Marcos Santuario e Rubens Ewald Filho não consideram o ineditismo um fator decisivo para suas escolhas. São quatro os longas selecionados que já rodaram outros festivais brasileiros: AusênciaO Fim e os MeiosO Outro Lado do Paraíso e O Último Cine Drive-In. Já os outros são inéditos nacionalmente: Um Homem SóIntrodução à Música do Sangue Ponto Zero. Afinal, o que pesa mais: uma boa seleção com alguns filmes já exibidos em demais festivais ou uma seleção não tão impressionante mas com produções inéditas? Cabe a você decidir.

Entre as homenagens, Marília Pêra recebe o Troféu Oscarito por sua contribuição como atriz ao cinema brasileiro. Vencedora de dois Kikitos, ela recebe a distinção no dia 11 de agosto. Daniel Filho é o convidado de honra com o Cidade de Gramado, Fernando Pino Solanas recebe o Kikito de Cristal para expoentes do cinema latino-americano e Zelito Viana é celebrado pelo troféu Eduardo Abelin no ano em que sua produtora, a MAPA Filmes, completa 50 anos no mercado.

O Cinema e Argumento acompanhará pelo quinto ano consecutivo o Festival de Cinema de Gramado. A programação completa está no site http://www.festivaldegramado.net.

43º Festival de Cinema de Gramado #2: alunos do projeto Educavídeo colocam na tela do Palácio dos Festivais a paixão pelo cinema

43º Festival de Cinema de Gramado - 06/08/2015.  Os diretores Gabriel Riboli, do filme “Troféu, A Enrascada” e Gustavo Gomes, do filme “Quem é o lobo?”, ambos do projeto Educavídeo. Foto: Igor Pires/Agência PressPhoto

Gabriel Riboli e Gustavo Gomes são dois dos alunos gramadenses que apresentam seus filmes no Palácio dos Festivais com o projeto Educavídeo. Foto: Igor Pires/Pressphoto

O cinema norteia Gramado não apenas durante o Festival de cinema nos meses de agosto. Na realidade, ao longo de todo o ano, o município entende a sétima arte como ferramenta de educação e plataforma para estimular sonhos. É com essa proposta que o Educavídeo é realizado com alunos da rede pública de Gramado. No projeto, os jovens aprendem todas as etapas da realização de um filme, assistidos por professores e profissionais da área. O resultado de todo esse trabalho é celebrado, desde o ano passado, com uma noite especial no Palácio dos Festivais que antecede à abertura do Festival do Cinema de Gramado. Com credenciais no pescoço como qualquer outro profissional que concorre no evento, os alunos atravessam o tapete vermelho e se tornam os protagonistas da programação em uma noite dedicada inteiramente aos seus curtas-metragens.

Gabriel Riboli e Gustavo Gomes são dois dos jovens cineastas que Gramado está formando. O primeiro dirige a comédia “Troféu: A Enrascada”, enquanto o segundo comanda o suspense “Quem é o Lobo?”. Ambos, além da paixão pelo cinema e o convívio no projeto, têm algo em comum: se sentem agora parte do Festival de Cinema de Gramado como qualquer outro convidado brasileiro ou latino. “Os meus pais sempre me traziam para ver os famosos no Tapete Vermelho e agora faço parte dele. O Educavídeo me deu confiança para estar no Festival e acompanhar de perto a programação”, conta Gabriel. Outro aspecto em comum entre os dois é o favoritismo por um filme específico: todos da saga “Harry Potter”. “É uma história marcante porque fala de situações cotidianas e sentimentos comuns por meio da magia”, avalia Gustavo. O jovem bruxo dos longas baseados na obra de J.K. Rowling são apenas fruto de uma longa história com o cinema, já que tanto Gustavo quanto Gabriel se dizem apaixonados não só por filmes, mas por artes em geral. Os dois, inclusive, já dividiram juntos o palco em um curso de teatro.

Os desafios de Gabriel e Gustavo na realização de seus filmes foram bastante distintos. Enquanto o primeiro assistiu e pesquisou comédias indianas para dar seu toque a uma história que era de sua autoria, Gustavo escreveu, dirigiu e atuou em seu suspense. Para Gabriel, o desafio foi justamente dirigir um roteiro que não era de sua autoria, ainda que a experiência tenha lhe trazido momentos de grande troca: “O roteiro chegou pronto para mim, mas, durante toda a realização, pude palpitar e sugerir mudanças na história. Foi importante esta relação com quem escreveu para que chegasse no resultado final”. Enquanto isso, Gustavo trouxe seu gosto por filmes de terror para pensar o roteiro de “Quem é o Lobo?”, e o resultado é motivo de orgulho. “Sempre fui apaixonado por cinema e exibir esse filme no Palácio dos Festivais é uma conquista muito grande. É muito importante ter este trabalho reconhecido no Festival de Cinema de Gramado”, confessa.

É na noite desta quinta-feira (06), às 19h, que Gabriel e Gustavo subirão ao Palco do Palácio dos Festivais para, junto aos demais colegas, exibir o resultado de um longo trabalho cercado de dedicação e gosto pelo ofício. Gustavo já esteve presente na exibição inaugural de 2014, mas, para Gabriel, a experiência é inédita. “Estou muito ansioso, sei que vou ficar nervoso!”, já antecipa o diretor. Apesar da confissão, não há razões para frios na barriga: colocar um filme tão cedo na tela do Palácio dos Festivais é um feito de poucos. Gabriel, Gustavo e todos seus colegas já são vencedores.

* matéria produzida originalmente para a assesoria de imprensa do 43ª Festival de Cinema de Gramado

43º Festival de Cinema de Gramado #1: a lei do talento

Marília Pêra é a 25ª homenageada do troféu Oscarito, a mais tradicional distinção entregue pelo Festival de Cinema de Gramado. Foto: Priscila Prade

“Eu adoro Gramado!”. Esse foi o primeiro pensamento que Marília Pêra teve quando recebeu o convite da organização do Festival de Cinema de Gramado para ser a 25ª homenageada do troféu Oscarito. A distinção é destinada a grandes atores do cinema brasileiro e, nas suas bodas de prata, traz novamente à cidade gaúcha a consagrada atriz, que já levou para casa dois Kikitos: um em 1983, por Bar Esperança – O Último Que Fecha, e outro em 1987, por Anjos da Noite. “Volto ao Festival com muita alegria, e a minha expectativa é que tudo seja muito lindo”, comenta Marília.

A relação com as artes vem do berço – seus pais Dinorah Marzullo Pêra e Manoel Pêra também eram atores -, e o convívio com as artes desde a infância foi fundamental para o caminho que a pequena Marília viria a percorrer ao longo de sua vida. Já aos quatro anos, ela pisou pela primeira vez nos palcos com a tragédia grega Medeia e, a partir daí, só se aperfeiçoou: de espetáculos marcantes como a clássica montagem de My Fair Lady, com Bibi Ferreira e Paulo Autran, ao protagonismo de peças sobre figuras emblemáticas como Dalva de Oliveira e Maria Callas, o indiscutível talento de Marília Pêra ultrapassou as fronteiras brasileiras, chegando a diversos países do mundo. Na França, por exemplo, foi ovacionada pela crítica parisiense por sua personificação da lendária estilista Coco Chanel no espetáculo Mademoiselle Chanel.

Dos palcos foi para a TV, onde, em 1965, teve a sua primeira aparição em Rosinha do Sobrado, na rede Globo. Rosinha também é curiosamente o nome de seu primeiro papel no cinema, que veio logo dois anos depois da estreia na telinha. Em O Homem Que Comprou o Mundo, Marília Pêra começou sua trajetória cinematográfica com o pé direito: dirigida pelo saudoso mestre Eduardo Coutinho, dividiu a cena desta sátira do regime militar no Brasil com Flávio Migliaccio, Milton Gonçalves, Hugo Carvana, Cláudio Marzo e Raul Cortez. Desde então, foram nada menos do que 23 filmes sob a tutela de nomes como Cacá Diegues, Domingos Oliveira, Hector Babenco e Walter Salles.

Na memória da atriz estão os dois filmes que lhe consagraram em Gramado. Com Bar Esperança, as lembranças são para lá de carinhosas: “Esse é um filme que o querido Hugo Carvana dirigiu com muita soltura e improviso. Nós podíamos brincar como quiséssemos e ele ajustava depois. Tudo era uma brincadeira em Bar Esperança, mas uma brincadeira organizada, claro”, brinca Marília. Já em relação a Anjos da Noite a palavra de ordem durante as gravações foi dedicação. “Tive um papel relativamente pequeno, mas a experiência foi dificílima, já que filmávamos apenas a noite e era sempre frio. A produção também envolvia maquiagem, coreografias, vestidos costurados diretamente no corpo… Foi um desafio!”, relembra.

É impossível, no entanto, falar da carreira da Marília Pêra no cinema sem mencionar Pixote – A Lei do Mais Fraco. Dirigido por Hector Babenco em 1981, o longa garantiu o prêmio de melhor atriz na Boston Society of Film Critics Awards. Contando a triste realidade dos meninos de rua, Pixote viajou o mundo e conquistou ainda uma indicação ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro. “Pixote foi fundamental para a minha carreira de atriz, pois me deu um aprendizado muito grande sobre cinema. Foi um filme que confirmou o que eu já sabia sobre essa realidade específica do Brasil. Quando vi pela primeira vez, me enchi de medo e orgulho. Medo pela crueza dos detalhes com que mostramos a realidade do abandono e orgulho de estar em um filme dirigido com tanta precisão”, comenta.

O reconhecimento nacional e internacional de público e crítica orgulha Marília Pêra, mas, quando pensa sobre tudo o que conquistou até aqui como atriz, diretora e bailarina, o que mais toca seu coração é a lembrança familiar: “Venho de uma família de atores que viveram uma época onde não existia divulgação ou incentivo ao teatro no Brasil. Meus pais, por exemplo, foram profissionais que se dedicaram a vida inteira a esta arte e morreram sem reconhecimento e com dificuldades financeiras. Eu já vivo uma outra realidade, e me deixa muito contente esse privilégio de viver uma época completamente diferente e de ter conquistado tantas coisas como atriz”.

A ampla trajetória de Marília Pêra no cinema será rememorada pelo Festival de Cinema de Gramado com o troféu Oscarito. “Eu adoro Gramado! E isso vem antes do próprio Festival existir. Quando ia a Porto Alegre, sempre viajava a Gramado de carro, por prazer mesmo, só por estar lá. Fiquei muito contente com a homenagem, já que, além de conhecer bem a importância do Festival de Cinema de Gramado, tenho uma grande família aí no sul. Quando vou a Pelotas, sempre aparece um primo, um tio ou um novo Pêra. Estar entre os gaúchos é uma grande alegria. É o meu ninho!”, conta. Marília Pêra recebe o troféu Oscarito na noite do dia 11 de agosto no Palácio dos Festivais.

* matéria originalmente produzida para a assesoria de imprensa do 43ª Festival de Cinema de Gramado