
Não acho que exista estrutura mais elegante para uma cinebiografia do que abordar a vida de uma personagem a partir de um momento ou de um recorte específico. Quanto menos o roteiro parecer uma linha de tempo da Wikipedia, melhor. Em Elis, seu trabalho de estreia em longas-metragens, o diretor Hugo Prata foi superficial ao, justamente, tentar abraçar a vida — e quase todo o repertório musical — da eterna Elis Regina. Já em Angela, a aposta é outra, com Prata encenando apenas os últimos quatro meses de vida da socialite mineira Angela Diniz, quando ela se relacionou e foi assassinada por seu companheiro Raul, conhecido como Doca Street.
Infelizmente, o resultado é bastante similar ao de Elis no sentido de Angela não conseguir capturar as dimensões de sua protagonista. Inclusive, tudo parece mais esvaziado nesse segundo filme do diretor, o que se deve ao fato de que o roteiro assinado por Duda de Almeida não se expande para muito além do relacionamento entre Diniz e Doca. A dinâmica entre os dois poderia revelar várias camadas da vida pregressa da personagem e de sua personalidade, mas Angela é resumida a essa conexão tóxica com um homem que parece talhar-lhe qualquer senso de decisão e determinação. Para quem desconhece a história real, dificilmente o longa de Hugo Prata ajudará a dar uma boa contextualização sobre quem de fato foi a biografada.
Há outros problemas significativos nesse recorte de uma nota só. Assim como vimos há pouco tempo em Blondie, a protagonista é resumida ao sofrimento, e as nuances de sua “forte” personalidade são limitadas a um comportamento desbocado com quem quer que seja. Essa fragilidade se acentua na medida em que Angela é circular na dinâmica estabelecida entre o casal. O ritual é sempre o mesmo: euforia de amor, cenas de sexo com muita música, crise de ciúmes (provocados ou imaginados), brigas com violência em escalada, término e, por fim, reconciliação. Algo no mínimo redundante para um filme de quase duas horas e que deixa escapar a chance de refletir sobre a questão do abuso ao invés de somente reconstituir ou reimaginar fatos.
O maior elo de Angela é a performance de Ísis Valverde, visivelmente entregue a personagem e colocando em sua performance mais do que o roteiro lhe dá como base. Como Doca Street, Gabriel Braga Nunes não foge muito do tipo que costuma interpretar, mas se encaixa bem à forma com que o texto desenha seu personagem. Eles acabam preservando o interesse por uma história cujo desfecho sabemos que é trágico e que Angela resolve usar como ponto final. Todo o desenrolar jurídico e de opinião popular sobre o caso fica apenas para uma série de letreiros antecedendo aos créditos, o que é anticlimático e abrevia reflexões fundamentais para o projeto como um todo.