Rapidamente: “45 do Segundo Tempo”, “Argentina, 1985”, “O Enfermeiro da Noite” e “Mais Que Amigos”

45segtempo

45 do Segundo Tempo é uma ode à amizade e traz uma das melhores atuações de Tony Ramos.

45 DO SEGUNDO TEMPO (idem, 2021, de Luiz Villaça): Saiu muito rápido de cartaz e não recebeu a devida atenção esse novo filme de Luiz Villaça que é uma afetuosa ode à amizade. No caso, a de três homens reconectados por circunstâncias da vida após muitos anos de afastamento. A consolidação desse reencontro, no entanto, não se dá de imediato e não é exatamente celebrativa. Ela acontece quando Pedro (Tony Ramos) anuncia seus planos de cometer suicídio, fazendo com que os amigos acabem revendo muitas questões do passado e do presente para que Pedro não cumpra com a intenção. No percurso, claro, todos reavaliarão as suas próprias vidas e as escolhas feitas pelo caminho. Como em todos os filmes de Luiz Villaça, 45 do Segundo Tempo aposta na riqueza das pequenas coisas da vida para emocionar e fazer rir, dando um tom melancólico a uma história que poderia resvalar no dramalhão. É muito generoso o olhar do longa sobre o passar do tempo, principalmente no que se refere à ideia de que nunca é tarde para recomeçar ou tentar recuperar quem desejávamos ser e não nos tornamos. Um tanto clichê, é verdade — e, às vezes, até pueril no humor, como na maior parte envolvendo o padre de Ary França —, mas de fácil identificação e com  as reflexões sempre pertinentes sobre os laços humanos que Villaça já apresentou em outros trabalhos como De Onde Eu Te Vejo. A cereja do bolo é a maravilhosa performance de Tony Ramos, em um papel versátil e de camadas como há muito tempo ele não recebia.

ARGENTINA, 1985 (idem, de Santiago Mitre): Não é por acaso a brincadeira de que só existem filmes argentinos estrelados por Ricardo Darín. À parte o óbvio componente da carreira bastante prolífera trilhada por ele desde sempre, há a frequência com que o ator participa de projetos da curva, como já aconteceu nas parcerias com o cineasta Juan José Campanella em filmes como O Filho da Noiva e O Segredo dos Seus Olhos. Pois agora, dirigido por Santiago Mitre, Darín estrela Argentina, 1985, um excelente longa que segue a tradição do cinema argentino de olhar para os traumas passados da nação com um olhar crítico e bem posicionado. O foco é o julgamento dos crimes cometidos por membros do exército durante a ditatura militar, intercalando com bastidores do processo e diversos pontos pessoais dos personagens envolvidos. Não se trata, entretanto, de um mero filme de tribunal: o que interessa a Santiago Mitre é deixar de lado a previsível exposição dos horrores da ditadura para mostrar como ela, mesmo depois de encerrada, permanece entranhada na sociedade, ainda com muitos demônios por serem exorcizados. Argentina, 1985 leva a discussão política e social para o plano humano, a partir de uma série de personagens que, pela habilidade do roteiro e pelo ótimo elenco, tornam-se próximos do espectador. Em mais de 140 minutos, Mitre cadencia a trama sem perder a plateia em um punhado de nomes ou situações. Em suma, para além de bom cinema, o longa é um registro dos mais importantes para o povo argentino e uma amarga lembrança para nós, brasileiros, que nunca vimos a nossa ditadura e seus fantasmas serem devidamente enterrados.

O ENFERMEIRO DA NOITE (The Good Nurse, 2022, de Tobias Lindholm): Poderia ser o mero cartão de visita para uma entrada em Hollywood, mas o roteirista dinamarquês Tobias Lindholm (A Caça, Druk: Mais Uma Rodada) estreia na cadeira de direção com um filme que, mesmo sem a sua assinatura no roteiro, consegue se esquivar de obviedades e de fórmulas que hoje garantem o êxito de produções envolvendo crimes da vida real. O Enfermeiro da Noite é muito feliz, por exemplo, ao dispensar o ponto de vista de Charlie Cullen (Eddie Redmayne) para colocar a plateia no lugar de outra personagem, a enfermeira Amy Loughren (Jessica Chastain). Isso funciona porque, assim como ela, descobrimos gradativamente quem é Charlie de verdade, ao mesmo tempo em que, antes disso, também já fomos envolvidos por sua delicadeza e generosidade. Para quem não conhece o caso em detalhes — em linhas gerais, Cullen foi condenado pela morte de 29 pacientes, enquanto especialistas acreditam que esse número possa chegar a 400, tornando-o assassino em série mais prolífero dos Estados Unidos —, trata-se de uma decisão que funciona ainda mais, visto que O Enfermeiro da Noite deseja mostrar como pessoas do perfil de Cullen circulam entre nós, sem que pareçam estranhos ou remotamente suspeitos, tese bem reproduzida pela performance de Eddie Redmayne. Inexiste, portanto, toda a cartilha de dramatização da vida íntima ou pregressa do serial killer. Não é algo que funciona com todas as plateias, mas que confere ao filme de Tobias Lindholm uma atmosfera diferenciada em meio à frenética onda de true crimes dramatizados.

MAIS QUE AMIGOS (Bros, 2022, de Nicholas Stoller): Independentemente de, na matemática fria de uma análise, ser uma comédia romântica com desenvolvimento similar ao de incontáveis outras, Mais Que Amigos ganha novos contornos por simplesmente colocar dois homens no centro de uma história leve, afetiva e divertida. Existe uma importante questão de representatividade, mas também de um alcance raro, afinal, é talvez até pioneiro o fato de uma comédia romântica gay chegar a um circuito comercial com tanta abrangência. Aos que, assim como eu, descobriram sua sexualidade sem a oportunidade de vê-la na tela com humor e naturalidade, Mais Que Amigos pode bem ser um verdadeiro presente. O filme toca em questões fundamentais para o público gay, como a insegurança de ser quem se é e o quanto isso ecoa por toda uma vida, especialmente nas relações afetivas e na forma de encarar vários problemas inerentes à vida adulta. O roteiro assinado pelo diretor Nicholas Stoller e pelo protagonista Billy Eichner demonstra habilidade ao percorrer os rumos já conhecidos do formato tradicional de uma comédia romântica e ao personalizá-la para seu público-alvo. É fácil torcer por dois personagens que, distintos em tudo o que se pode imaginar, encontram, somente depois de adultos, as vivências e as descobertas que heterossexuais têm à disposição desde muito cedo. Minha única observação menos elogiosa ao resultado fica com a escalação de Billy Eichner, que acaba sendo apenas… Billy Eichner. Muito provavelmente, seu personagem teria outras camadas a ganhar caso interpretado um ator mais imerso em um personagem e menos em uma persona já tão conhecida.

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