Homenageando David Bowie, “Moonage Daydream” captura a essência de um personagem como poucos documentários conseguem

The greatest adventure that only one person could ever have.

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Direção: Brett Morgen

Roteiro: Brett Morgen

Alemanha/EUA, Documentário, 135 minutos

Sinopse: Moonage Daydream é um documentário-concerto que segue a vida e a carreira musical de David Bowie. O filme explora a jornada criativa, musical e espiritual do artista icônico e ilumina não apenas a vida, mas também a personalidade de Bowie, que além de atuar em música e cinema, explorou outras formas de arte ao longo de sua vida, incluindo dança, pintura, escultura, colagem, audiovisual, roteiro, atuação e teatro. Para criar uma experiência artística, a obra apresenta faixas musicais e arquivos pessoais de Bowie, além de registros inéditos.

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Guardados os méritos e afetos envolvendo documentários sobre músicos contemporâneos, nada consegue competir com produções desse mesmo gênero que tomam o devido tempo e a devida perspectiva para fazer reverência a uma obra. É óbvio que o tão digitalizado século 21 clama pela instantaneidade de registrar o íntimo de astros em ascensão, mas há grandiosidades que só nascem e são observadas com o passar do tempo, algo que Moonage Daydream exemplifica gloriosamente.

Talvez só o tempo mesmo seja capaz de dar conta de uma figura como David Bowie para além do sucesso estrondoso que já podia ser observado ao longo de sua carreira. Olhar para o homem e para o legado se torna uma tarefa ainda mais difícil se tratando de Bowie, que sempre jogou para o alto quaisquer regras e nunca teve medo de se arriscar, seja no plano profissional ou pessoal. Pior ainda: como definir um artista que sempre rejeitou definições?

Somente na sala de edição, o diretor Brett Morgen ficou quatro anos debruçado sobre incontáveis imagens e entrevistas de Bowie. Sua paixão pela ideia de realizar Moonage Daydream foi tanta que, pela primeira vez, o David Bowie Estate, instituto responsável pela preservação oficial da obra do música, concedeu acesso sem precedentes à extensa coleção, um privilégio raríssimo.

Brett canalizou toda a sua admiração por Bowie em criar um documentário que fosse, principalmente, uma ode à essência de um artista sempre em plena metamorfose. Esse posicionamento faz de Moonage Daydream uma obra que, portanto, dispensa cartilhas e propõe uma experiência. Ou seja, esqueça depoimentos de amigos e familiares, cronologias de álbuns, registros da infância ou ferramentas mais alinhadas a uma reportagem televisiva.

Em 135 minutos, o documentário traz David Bowie por David Bowie, como se ele estivesse narrando a sua própria história conforme ela passa. Entre depoimentos e entrevistas históricas, como aquela concedida em 1973 para Russell Harty, a sua primeira inteiramente televisionada, a montagem se propõe a emular o imaginário de seu personagem com trechos de shows, animações, efeitos visuais e muitas referências, jamais recorrendo ao óbvio.

A efervescência de referências apresentadas em Moonage Daydream vão de Georges Méliès a Philip Glass, de F. W. Murnau a Jack Kerouac, e são diversão garantida para quem aceitar o desafio de tentar identificá-las no ritmo assumidamente frenético do documentário, que revela, no final das contas, uma visão muito particular sobre a vida, inclusive provocando o espectador a reavaliar questões existenciais e a questionar os tempos atuais.

Brett Morgen é habilidoso ao falar sobre a vida através de um legado, muito em função de Bowie sempre ter sido uma pessoa que, mesmo reconhecendo sua inabilidade social, tinha reflexões e provocações de sobra para compartilhar sobre o estado das coisas. Em certo ponto, Bowie diz que sempre gostou de se colocar em riscos para, a partir daí, ver a arte e o mundo fora de sua zona de conforto. Essa visão em constante mudança do mundo — literalmente, pois ele se desafiou a morar em realidades diferentes da sua, seja nos Estados Unidos ou no Japão — é o que dá combustível ao lado existencial da obra.

Tão importante quanto as subversões do cantor que a mídia, desde sempre fascinada e desconfortável com o novo, tentava enquadrar em frases prontas ou colocar em caixinhas é o respeito de Moonage Daydream pelo David Bowie que, mais além, decidiu abraçar o amor romântico que um dia chamou de doença e abraçou uma fase cuja maior pretensão era “apenas” agradar o público. O que os jornalistas taxaram de domesticação, para ele, era uma nova compreensão de si mesmo e de como as coisas mudam ao longo da vida.

A trilha sonora inevitavelmente primorosa — Heroes!, Life on Mars!, Let’s Dance! — pavimenta essa viagem caleidoscópica, para não escapar do termo já definitivo para falar sobre o filme. Ela é tão enérgica que impulsiona Moonage Daydream mesmo quando o filme se prolonga e corre o risco de pesar a mão no frenesi ao quase não dar espaço para silêncios e respiros. Para além disso, casa perfeitamente com o vistoso e dedicado trabalho estético de um diretor que consegue equilibrar fan service com novas ideias. Mais artistas mereciam homenagens como essa.

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