MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
J.C. Lee e Julius Onah (Luce)
Quando apresentado pela primeira em 2013, o espetáculo teatral Luce, escrito por J.C. Lee, foi saudado como um trabalho “reflexivo e bem interpretado” nas palavras do jornal The New York Times, elogios que também podem ser atribuídos à versão cinematográfica, onde Lee contou com a parceria do diretor Julius Onah na escrita do roteiro. A transposição para as telas não guarda resquícios teatrais, mesmo quando a trama é centrada mais em diálogos e suposições do que necessariamente em acontecimentos. Por meio do texto, Lee e Onah criam um filme muito intrigante e inteligente, com personagens repletos de camadas, sejam eles protagonistas ou coadjuvantes, e leituras tão pertinentes quanto assertivas para muitas questões envolvendo a forma como a sociedade enxerga a população negra em diferentes esferas. Os labirintos criados por Luce são dos mais interessantes, rejeitando a panfletagem e se apoiando na grande dimensão dada a personagens que nos puxam de um lado para o outro. Sem respostas prontas ou fáceis, a adaptação brilha ao compreender o poder da dúvida e ao confiar na maturidade do espectador para entregar (ou não) os elementos que ele precisa para tirar algumas de suas próprias conclusões.
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
Eliza Hittman (Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre)
Tenho a sensação de que o tempo fará justiça a essa pérola chamada Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre, filme escrito e dirigido por Eliza Hittman sobre uma adolescente que, ao descobrir uma gravidez indesejada, viaja com uma amiga para outro estado com o objetivo de fazer legalmente um aborto. A propriedade com que Hittman navega nos anseios e silêncios de uma jovem que aos poucos se revela para o espectador é um assombro. Da tocante explicação do título do longa ao retrato muito discreto dos mais diferentes sentimentos vividos pela por ela, o roteiro descortina um universo particular pelo qual é difícil ficar indiferente. E, se a maravilhosa interpretação de Sidney Flanigan já nos coloca nos lugares mais íntimos da personagem, o texto impulsiona essa sensação de proximidade por fazer com que acompanhemos a jovem naqueles momentos aparentemente cotidianos e banais mas que, na verdade, refletem tudo o que precisamos saber sobre ela. Hittman versa sobre família, juventude e aborto sem jamais espetacularizar qualquer um desses temas, e talvez seja por isso mesmo que Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre tenha uma dramaticidade tão certeira e de crescimento gradativo. É um roteiro de pequenas grandiosidades. Exatamente como a vida.
MELHOR DIREÇÃO
Céline Sciamma (Retrato de Uma Jovem em Chamas)
Aos 42 anos de idade, a cineasta francesa Céline Sciamma contabiliza apenas quatro longas-metragens como diretora. A ênfase no apenas é necessária porque, apesar do número relativamente baixo de trabalhos, Sciamma demonstra um domínio técnico e emocional que alguns diretores demoram uma carreira inteira para alcançar. Como roteirista, sua carreira é mais extensa (e eu destaco aqui o belo trabalho feito por ela na animação Minha Vida de Abobrinha), o que também acaba contribuindo para toda a beleza que impressa ao ótimo Retrato de Uma Jovem em Chamas. Céline é um deslumbro em todas as escolhas técnicas e também compreende o quanto é necessário que o filme tenha seu próprio ritmo para desbravar todas as nuances de uma paixão secreta entre duas mulheres em pleno século XVIII. Seu olhar feminino faz a diferença para um romance de época cercado de escolhas minuciosas e diretamente ligadas à essência do filme, como a discreta potência conferida às cenas íntimas entre as duas personagens e toda a influência da geografia local no estado de espírito de cada uma delas. Antes, conhecendo longas como o também belo Tomboy, eu já ficava ansioso para ver mais de Céline Sciamma. Agora, tendo testemunhado Retrato de Uma Jovem Chamas, a sensação se multiplica.
MELHOR FILME
O Som do Silêncio, de Darius Marder
O Som do Silêncio é o tipo de filme que, nas mãos erradas, poderia ser uma experiência qualquer. Poderia também ser um dramalhão dos mais manjados ou, então, uma história motivacional construída em cima de lições de moral. Felizmente, não vemos nada disso no surpreendente trabalho de estreia de Darius Marder como diretor de ficções (antes, ele havia realizado apenas o documentário Loot). Meu fascínio pelo que Marder apresenta em O Som do Silêncio reside justamente em sua capacidade de se esquivar do óbvio através das escolhas mais simples. Tudo em O Som do Silêncio está no lugar certo: a abordagem do universo de pessoas com deficiência, o ritmo certo para que a história tenha a devida imersão, o trabalho técnico para nos colocar no lugar do protagonista, o desempenho espetacular de Darius Marder, o suporte do ótimo Paul Raci e até as pequenas participações como o do francês Mathieu Almaric. Em muitos sentidos, é um filme que merece ser referenciado por sua capacidade de explorar tantas camadas humanas com muita sutileza e sem alardes, provando que, sim, ainda existem novas perspectivas possíveis para temáticas já tão abordadas pelo cinema.