Três atores, três filmes… com Maria Clara Senra

Formada em jornalismo pela UFRJ e pós-graduada em jornalismo cultural pela UERJ, Maria Clara Senra trabalha como repórter e editora no Canal Brasil, cobrindo festivais, pré-estreias, bastidores e participando de transmissões ao vivo direto dos maiores eventos cinematográficos do país. Nossos caminhos se cruzaram no Festival de Cinema de Gramado, onde, como vocês podem perceber, conheci tantos dos queridos convidados dessa coluna. Por toda bagagem profissional da Maria Clara e também pelos anos em que convivemos profissionalmente em pequenas temporadas cinematográficas na serra gaúcha, fiquei curiosíssimo em saber quais seriam as escolhas que ela faria após aceitar esse convite. E me apaixonei pela lista: o trio de mulheres selecionado para a coluna contempla todo o poder e a pluralidade das atrizes brasileiras, aqui representadas por intérpretes grandiosas em papeis marcantes. Por fim, para quem mora no Rio de Janeiro, fica a dica: desde julho de 2019 a Maria Clara conduz, ao lado de duas amigas, o Cine Dádiva (@cinedadiva), cineclube que acontece um domingo por mês em uma casa em Ipanema acompanhado de uma aula com uma diretora sobre algum aspecto específico da construção do filme exibido e uma festinha pensada especialmente para cada evento. Todo lucro obtido com o valor dos ingressos é revertido para projetos de capacitação de mulheres. Uma prévia de toda a expertise que ela compartilha nesse projeto já pode, de certa forma, ser conferida aqui na coluna. Gracias, Maria Clara!

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Quando Matheus me convidou para participar da seção “três atores, três filmes”, fiquei muito alegre, mas soube que teria que encarar minha relação de amor e ódio com listas. Adoro organizar informações, encontrar ordem, mas acho dificílima a tarefa de rankear ou enumerar o que quer que seja, pelo desconforto gerado por todas as exclusões.  Como trabalho direta e diariamente com cinema nacional, decidi que escreveria sobre filmes e profissionais brasileiros. Defini também que selecionaria atuações femininas, já que tantas me chamaram atenção ao longo dos anos.

Pensei primeiro nas personagens que marcaram não só a mim, como a todos que conhecem a nossa cinematografia: a Dora de Fernanda Montenegro; a Xica da Silva de Zezé Motta; a Sueli de Marília Pêra e tantas outras. Mas elas já estão gravadas nas nossas memórias e, definitivamente, presentes em muitas listas. Por fim, escolhi intérpretes de três longas-metragens bastante recentes — um lançado em 2018, outro em 2019 e um ainda inédito no circuito comercial. Olhares autorais em produções novas que eu gostaria que fossem vistas por muita gente.

Magali Biff (Pela Janela)
Magali Biff é paulistana e um grande nome do teatro no Brasil. Atuou no longa “Jogo das Decapitações”, de Sérgio Bianchi, mas seus trabalhos de destaque no cinema são “Deserto”, de Guilherme Weber, “Açúcar”, de Sergio Oliveira e Renata Pinheiro, e “Pela Janela”, de Caroline Leone, no qual interpretou sua primeira protagonista. No enredo, Biff vive Rosália, uma operária de uma pequena fábrica de reatores em São Paulo. Ela dedica a vida ao serviço, mas é demitida de repente. Sem o trabalho, fica perdida e é consolada pelo irmão José, que resolve levá-la junto com ele em uma viagem de carro até Buenos Aires. No road movie com pouquíssimos diálogos, tudo na personagem fala: olhos, gestos, postura corporal. Não há eloquência, mas muito sentimento. Vivemos com Rosália uma jornada íntima de descobertas e reinvenção. E como é importante ver um roteiro nada óbvio e tão interessante sobre uma mulher de 65 anos. O filme é uma coprodução entre Brasil e Argentina. A estreia mundial aconteceu no Festival de Roterdã, onde o título conquistou o prêmio Fipresci “pela forma como mistura as esferas emocional e política sem ser excessivamente demonstrativo”. Passou ainda pelo Festival de Gramado e foi laureado em Washington e Havana.

Grace Passô (Temporada)
Grace é atriz, diretora e dramaturga de Minas Gerais. A primeira vez que a vi na tela grande foi em “Praça Paris”, de Lúcia Murat, que lhe rendeu o Troféu Redentor no Festival do Rio 2017. Fiquei hipnotizada pela ascensorista Gloria, naquela trama que expunha a relação entre duas mulheres e as tensões — em diversos níveis — entre elas. Mas foi conhecendo Juliana, sua protagonista em “Temporada”, de André Novais Oliveira, que me pareceu que a atriz estava cravando seu nome de vez na história do cinema brasileiro. Em uma entrevista ao Cinejornal, do Canal Brasil, ela revelou que com a turma da produtora Filmes de Plástico encontrou o que considerava difícil achar na sétima arte: papéis femininos fortes, complexos e interessantes. No coletivo teve espaço para construir junto, exercer sua potência criativa e foi assim que a personagem — uma agente de combate à dengue e suas questões cotidianas — conquistou público, crítica e a minha completa afeição. Pelo papel, recebeu os prêmios de melhor atriz no Festival de Brasília e no Festival de Turim, na Itália. Lembrando que Grace também integra o elenco de “No Coração do Mundo”, de Gabriel Martins e Maurílio Martins e é a narradora de “Enquanto Estamos Aqui”, de Clarissa Campolina e Luiz Pretti.

Marcélia Cartaxo (Pacarrete)
Marcélia é uma consagrada atriz paraibana. Em 1985, recebeu o Urso de Prata no Festival de Berlim por “A Hora da Estrela”, de Suzana Amaral. Atuou em diversos outros filmes como “Madame Satã” e “O Céu de Suely”, de Karim Aïnouz; “Baixio das Bestas” (2006) e “Big Jato”, de Claudio Assis; “A História da Eternidade”, de Camilo Cavalcante. Em “Pacarrete” interpreta a personagem homônima. O longa, baseado em uma história real, é ambientado em Russas, no interior do Ceará, e conta a história de uma mulher que sonhou a vida inteira com ser artista e bailarina, em uma cidade pequena e super conservadora. Era vista como louca, mas, na verdade, era revolucionária. O convite para fazer o papel surgiu em 2010, quando a atriz atuou e fez preparação de elenco do primeiro curta-metragem de Allan Deberton, “Doce de Coco”. Para viver a inesquecível Pacarrete — que em francês significa margarida —, Marcélia teve aulas de voz, canto e dança. Em diversas coletivas nos festivais por onde passou, contou que teve medo de ser caricata, de não encontrar o tom correto. Acredito que o receio tenha ido embora na sessão de estreia em Gramado em que ela foi ovacionada e depois ainda levou o Kikito para casa. Com a produção, Marcélia realizou a vontade de infância de fazer ballet e o desejo maduro de seguir tocando o coração das pessoas com seu trabalho. Tentei somar quantos prêmios ela conquistou, mas é bem fácil perder a conta.

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