Atual editor dos cadernos DOC, Vida e Viagem do jornal Zero Hora de Porto Alegre, Ticiano Osório é um colega jornalista cujo trabalho venho acompanhando há alguns anos. Por falar nisso, ainda tenho guardados recortes de jornais com críticas que li logo quando descobri a minha cinefilia — e, entre elas, está uma de Ticiano para Em Busca da Terra do Nunca, publicada na estreia do filme no Brasil. Lembro, no entanto, que nosso primeiro contato foi, de fato, em 2011, quando ele, então integrante do Segundo Caderno no mesmo jornal, esteve na equipe que, através de um concurso cultural, me deu a honra de representar a publicação no júri popular do Festival de Cinema de Gramado. Logo em seguida, viramos colegas de Jornalismo. Além das vezes que nos comunicamos profissionalmente (eu como assessor de imprensa, ele na redação de ZH), tive a oportunidade de entrevistá-lo na rádio Mínima, conjugando duas de suas paixões: cinema e quadrinhos. Ao longo dos anos e dessas experiências, tornei-me um grande admirador do Ticiano e de sua sensibilidade e inteligência como crítico de cinema (vejam vocês próprios na coluna que hoje ele assina na Zero Hora). Por isso é uma imensa satisfação recebê-lo aqui na coluna, onde ele nos traz uma proposta inédita: a de homenagear três atores que seguem nos deixando muitas saudades. E que atores! Valeu, Ticiano!
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Decidi homenagear nesta seção três atores que morreram antes da hora — se é que existe hora para morrer. Mas as três mortes foram inesperadas, embora, em retrospecto, tivessem sido anunciadas. Os três partiram por conta própria, assombrados por fantasmas particulares, ainda que alguns fossem públicos e comuns a outras tantas pessoas, famosas ou não, talentosas ou não. Um era jovem, tinha uma imensa carreira pela frente. O outro não tinha nem 50 anos. E o terceiro, sessentão, já tinha um passado inteiro pelo qual se orgulhar. Os três deixaram atuações memoráveis e uma saudade tremenda.
Heath Ledger (1979-2008)
Quem viu o australiano como o rebelde com alma de 10 Coisas que Eu Odeio em Você (1999) sentiu que estava diante de uma energia diferente. Dali em diante, Heath Ledger galvanizaria a atenção sempre que surgisse em cena, fosse qual fosse o gênero e a despeito da qualidade do filme: do controverso O Patriota a Batman: O Cavaleiro das Trevas, que lhe valeu o Oscar póstumo de ator coadjuvante, do polêmico A Última Ceia a Candy, um título subestimado e certamente pouco visto. Aliás, agora me dei conta de como a tragédia e a autodestruição estavam sempre presentes nos papéis de Ledger, que morreu com apenas 28 anos. Difícil escolher um só desempenho, mas, para cumprir o pedido, fico com o de O Segredo de Brokeback Mountain, pelo qual concorreu ao Oscar de melhor ator. Seu Ennis del Mar é um personagem inesquecível, um trabalhador rural que engole suas palavras para tentar engolir junto seus sentimentos em relação ao caubói de rodeio Jack Twist. Ennis é um homem que se esconde dos outros e de si mesmo, mas, quando enfim está sozinho, permite-se um gesto delicado e doído como aquele afago na jaqueta jeans que Jack costumava usar. Arrepiante.
Philip Seymour Hoffman (1967-2014)
Você lembra dele em Perfume de Mulher (1992)? Eu lembro. Era uma ponta, como um personagem desprezível, mas de alguma forma cativante. Philip Seymour Hoffman encarnaria outros desses tipos, pessoas que nos provocavam asco ou pena, que transitavam entre o grotesco e o ridículo, em filmes poderosos como Boogie Nights, Felicidade, Magnólia, O Talentoso Ripley e A Família Savage. Acho que nunca fez um mocinho, e encarnou vilões em seus raros blockbusters — Missão: Impossível 3 e os dois últimos segmentos da franquia Jogos Vorazes (morreu antes de filmar suas últimas cenas, aos 46 anos). Concorreu ao Oscar de coadjuvante três vezes, por Jogos do Poder, Dúvida e O Mestre, e ganhou a estatueta de melhor ator por Capote. Mas o papel que escolhi é o de Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto, porque este filme é uma dessas pequenas joias que talvez não tenham o amplo reconhecimento merecido. O ator interpreta Andy, que convence o irmão, Hank (Ethan Hawke), a assaltar a joalheria do pai, Charles (Albert Finney), o que seria a solução de seus problemas financeiros e também a oportunidade de um acerto de contas afetivo com o velho. Neste filme engenhoso, com narrativa elíptica, Hoffman tem uma atuação magnífica como um sujeito que é um poço de inadequação e ressentimento, insegurança e ilusão.
Robin Williams (1951-2014)
Todo mundo tem seu Robin Williams favorito, embora não falte gente que torça o nariz para o ator morto aos 63 anos. Culpa, provavelmente, do seu jeitão histriônico, característica que o talhou para estrelar comédias como a deliciosa Uma Babá Quase Perfeita e emprestar sua voz a animações — seu Gênio da Lâmpada em Aladdin inclusive rendeu um Globo de Ouro especial. Mas muitos diretores perceberam que havia uma carga dramática muito interessante — não à toa, disputou o Oscar de melhor ator por Bom Dia, Vietnã, A Sociedade dos Poetas Mortos e O Pescador de Ilusões, e sua única estatueta, a de coadjuvante, veio por Gênio Indomável. Williams fez vários outros dramas pelos quais eu tenho carinho, como Tempo de Despertar e Amor Além da Vida, mas quero destacar um suspense em que ele esteve do outro lado do bem e especialmente contido — não, não é Insônia. Trata-se de Retratos de uma Obsessão, em que ele encarna Seymour Parrish, funcionário cinquentão do quiosque de revelações instantâneas de uma grande loja de departamentos. Solitário e opaco, o homem elege uma família feliz para ser a “sua”: faz uma cópia a mais de cada foto, para alimentar sua fantasia. Na pele de vilão, Williams derrubou o preconceito de que era vítima: a quem só o via como bufão e bonzinho, revelou uma faceta minimalista e macambúzia. Sem apelar para a histeria, perturbou.
Ótima lista!! Fiquei com vontade de conferir ” Retratos de uma Obsessão” e “Candy” e rever os demais filmes citados. Saudades imensas das atuações e da presença em tela desses três atores.
Acho dois filmes que merecem ser assistidos. Por conta de seus protagonistas, sobretudo.
Ganhamos todos com essa participação. Parabéns pela iniciativa. Ticiano é mesmo um cara admirável. Seja pelo conteúdo que produz ou pela maneira como leva a redação.
Puxa, Matheus, puxa, Vera. Que palavras carinhosas!