O cinema e os nossos amigos (adeus, querido Rubens!)

O crítico de cinema Rubens Ewald Filho em foto de Rafael Roncato

“O cinema é um grande companheiro, todo dia trazendo uma surpresa nova. Revejo os filmes como quem reencontra velhos amigos.” – Rubens Ewald Filho

Hoje perdemos Rubens Ewald Filho.

No mesmo dia em que é comemorado o Dia do Cinema Brasileiro.

No mesmo dia que marca o centenário do nascimento de Pauline Kael, uma das maiores críticas de cinema que já passaram pelo nosso plano.

Tudo o que Rubens representou para a popularização da crítica de cinema, para a reverberação midiática da cultura e para o cinema brasileiro está aí nas inúmeras homenagens que, com imensa justiça, já estão sendo feitas a ele. No que me toca, posso falar sobre um outro Rubens: aquele que conheci há quase dez anos, no meu primeiro Festival de Cinema de Gramado, e também aquele que, durante todo esse tempo em que convivemos e trabalhamos juntos no evento, sempre me tratou com extrema generosidade e humanidade.

Ao receber a fatídica notícia da sua despedida, imediatamente tentei puxar à memória o último momento em que estive com ele. E — que sorte a minha! — é um momento que lembro de maneira muito viva. Foi logo após a entrega dos Kikitos do Festival de Cinema de Gramado em 2018, quando esbarrei com Rubens na entrada de um hotel da cidade. Com a curiosidade e a preocupação com o trabalho que lhe eram característicos, me perguntou se eu havia considerado coerentes os prêmios daquela noite e se havíamos feito uma boa edição do evento. Concordamos em basicamente tudo, com o que era justo e com o que não era. E ele ouvia. Com atenção e interesse. Algo cada vez mais raro nos dias de hoje.

Ao fim da conversa, Rubens me fez duas cobranças. A primeira por tê-lo convidado a participar apenas uma vez aqui do blog. Ele disse que escreveria sobre o que eu quisesse e que estaria sempre disposto a contribuir para a minha trajetória como crítico de cinema. A segunda foi por eu não ter prometido seguir a sua sugestão de que, com os anos que trabalhei em Gramado, um dia escreveria um livro falando, de forma bem humorada, ficcional e curiosa, sobre tudo o que vemos e vivemos com personalidades e jornalistas nos bastidores de um evento de cinema. O prefácio seria escrito por Rubens Ewald Filho, ele garantiu.

Confesso que, mais uma vez, não prometi que escreveria o tal livro. E registro essa pequena lembrança que hoje me bate de forma tão emocionante como uma forma de reparação, realizando pelo menos um tantinho do que ele queria que eu fizesse. Ou seja, ainda que no blog e em poucas palavras, eu deixo eternizada ao menos uma lembrança de um evento de cinema. E com ninguém menos que Rubens Ewald Filho.

Após a nossa última conversa, abracei Rubens, e prometemos que nos veríamos no próximo Festival. Separei, nesse meio tempo, todos os guias de DVD que ele escreveu ao longo da carreira e que tanto despertaram a cinefilia que hoje existe em mim para que ele autografasse da próxima vez que nos víssemos. Era um absurdo termos trabalhado juntos durante quase dez anos e eu nunca ter levado nenhum livro para que ele pudesse escrever uma dedicatória (malditos tempos digitais!).

Isso, no entanto, não deixa de ser uma bobagem: o tanto que Rubens me incentivou e fez parte da minha história como uma “pessoa de cinema” (termo que ele próprio gostava de usar) não cabe em uma dúzia de palavras assinadas em um papel. O Rubens que fica comigo é aquele que leu meus textos, incentivou minha escrita, deu conselhos quando eu estava nervoso antes de entrevistar uma atriz e que se revelou, de fato, a pessoa querida e generosa que, desde muito jovem, eu imaginava que ele pudesse ser ao ler seus comentários sobre cinema.

Na vez em que escreveu para o Cinema e Argumento em 2013, Rubens falou sobre algumas das interpretações do cinema que mais lhe marcaram, citando, entre as atrizes, Debbie Reynolds. À época, um trecho em particular me comoveu, e agora ganha outro sentido: “Debbie até hoje trabalha (fez há pouco Behind the Candelabra, para a HBO, com Michael Douglas), tem um estúdio de ensaios e faz shows para se sustentar. Vai morrer em cena, sempre gosta de dizer. Como eu também gostaria que fosse comigo”.

Que bom que o destino atendeu a esse seu pedido.

Obrigado por tudo, Rubens!

Um comentário em “O cinema e os nossos amigos (adeus, querido Rubens!)

  1. Por favor, o nome do autor do Blog, porque, vou compartilhar esse belo, emocionante e verdadeiro texto. Não sou cinéfilo, nem vou mais ao cinema. Entretanto, adorava os comentários do Rubens Ewaldo Fiho. As palavras acima sobre o encantado Rubens são de quem além de conhecer o seu talento crítico era amigo dele.

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