
Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes, o francês 120 Batimentos Por Minuto é um registro histórico de suma importância e um relato dramático de potente impacto.
120 BATIMENTOS POR MINUTO (120 Battements Par Minute, 2017, de Robin Campillo): Um dos mais elogiados filmes do último Festival de Cannes (inclusive um favorito de Pedro Almodóvar, presidente do júri), 120 Batimentos Por Minuto saiu do festival francês com o Grande Prêmio do Júri (espécie de segundo lugar), mas, injustamente ficou fora da disputa do Oscar 2018 de filme estrangeiro. Em linhas gerais, a história recupera as ações do Act Up, grupo ativista criado nos anos 1990 para exigir do governo medidas de prevenções contra a AIDS. Para esse retrospecto, o diretor Robin Campillo, que também assina o roteiro com a colaboração de Philippe Mangeot, mistura tons, digamos, mais “didáticos” com outros ficcionais bastante comoventes. E é surpreendente como ele alterna as reuniões do Atc Up para discutir as intervenções pela conscientização da AIDS com o relacionamento entre dois de seus integrantes sem jamais tornar o relato desarmônico. O ritmo não deixa de ser desafiador (muitas sequências são consideravelmente mais longas, com destaque para aquelas que acompanham os debates do grupo), mas nada se compara ao quanto o filme exige emocionalmente do espectador: é uma jornada dura ver o passar dos anos do protagonista Sean (Nahuel Pérez Biscayart, em grande desempenho), que, lutando contra a AIDS, começa a ver seus dias e sua saúde se esvaírem dia a dia. Nada em 120 Batimentos Por Minuto é maquiado ou econômico, o que rende diálogos detalhados com franqueza (uma cena muito íntima entre Sean e o namorado revela o relacionamento e a transa que lhe trouxeram a doença) e uma força dramática equivalente a um soco no estômago. Registro histórico importantíssimo e exercício dramático impactante, 120 Batimentos Por Minuto é uma produção para ser lembrada.
CINQUENTA TONS DE LIBERDADE (Fifty Shades Freed, 2018, de James Foley): Com o machismo completamente possessivo de Christian Grey (Jamie Dornan) já devidamente idealizado e consumado, além da questão sexual já resolvida entre ele e sua musa Anastasia (Dakota Johnson), não há mais o que ser dito em termos de história nesse terceiro e último capítulo da franquia Cinquenta Tons. O que resta para Christian e Ana é o casamento, que terá algumas pequenas intrigas (imaginem que absurdo ela não querer usar o sobrenome dele no trabalho!) e dilemas que, na vida real, seriam assunto sério para longas sessões de terapia, mas que, no filme, se tornam questões eventualmente bem humoradas e até abordadas com certo romantismo (Christian não quer ter filhos porque, assim, a mulher amada teria que dar praticamente toda a sua atenção para os filhos e não mais para ele). Existe também o ex-chefe de Anastasia, que após levar um fora da protagonista no filme anterior, agora resolve colocar em risco a vida da mocinha. Tudo papo furado para disfarçar a completa falta de assunto da franquia, que, ao menos, nos longas anteriores, causava certo escândalo pela abordagem errada de conflitos sérios ou certa graça pelo humor involuntário resultante de situações e interpretações que beiravam o ridículo. E, sem ter o que falar, Cinquenta Tons de Liberdade (aliás, onde está, afinal, essa liberdade?) anda infinitamente em círculos, incapaz de dar qualquer outra dimensão a personagens cujos principais conflitos e questionamentos já foram resolvidos. Pouca coisa mudou: a trilha continua sendo o ponto alto, os protagonistas seguem insossos e a nudez, como sempre, não é nada que impossibilite uma exibição na TV aberta, onde Anastasia, claro, se despe com muito mais frequência do que Christian. A diferença é que, em Cinquenta Tons de Liberdade, tudo parece invenção das mais preguiçosas para suprir duas horas de projeção sobre o nada. Se o filme é assim, é de se deduzir que o livro seja todo esse marasmo elevado à décima potência.
FALA COMIGO (idem, 2017, de Felipe Sholl): Quando você fica sabendo da existência de um projeto que reúne Karine Telles e Denise Fraga, duas das atrizes mais talentosas e preciosas que o cinema brasileiro tem atualmente, é inevitável esperar que esse encontro resulte em um grande filme. Não é o caso de Fala Comigo, que promove apenas duas cenas entre Karine e Denise, focando a sua trama no jovem Diogo, filho de uma terapeuta que acaba se envolvendo com Ângela (Karine), uma mulher muito mais velha tratada pela sua mãe. São facilmente identificáveis as razões que unem Diogo (Tom Karabachian) e Ângela: ele é virgem, está com os hormônios à flor da pele e quer, como todo adolescente, a tão sonhada independência, enquanto ela, recém saída de uma traumática separação, vive esse doloroso momento com oscilações de humor e crises de depressão. De maneira objetiva, Fala Comigo delineia bem os personagens, deixando claras as suas respectivas personalidades e motivações. No entanto, Felipe Sholl, que estreia na direção após ter escrito o roteiro de longas como Campo Grande, Histórias Que Só Existem Quando Lembradas e Hoje (também com Denise Fraga), não sai muito da superfície para elucidar as vertentes dessa relação do ponto de vista emocional. Por isso mesmo Fala Comigo parece tão plano, como se lançasse uma discussão sem dar maiores subsídios para que o espectador consiga ir além das linhas gerais. Com um desfecho até provocativo frente a tudo o que a sociedade costuma definir como padrão para relacionamentos, o longa encontra mesmo a sua força no elenco, onde o jovem Tom Karabachian segura muito bem a responsabilidade de contracenar com as duas grandes atrizes que são Karine e Denise (a primeira, pela dimensão da personagem e pelo apelo da história, tem mais material para se destacar). Vamos ver como Felipe Sholl, sempre tão atento aos dramas humanos e cotidianos, se sai daqui para frente em outros projetos como diretor.
PROJETO FLÓRIDA (The Florida Project, 2017, de Sean Baker): Até pouco tempo atrás, vinha conquistando prêmios e mais prêmios da crítica para o coadjuvante Willem Dafoe, mas agora o momento parece ter passado. Ainda assim, é difícil Projeto Flórida não ter público garantido no circuito indie, muito em função do diretor Sean Baker, que repercutiu bem por aqui com o elogiado Tangerine. Seu novo trabalho descortina os contrastes entre infância e vida adulta, mostrando como os pequenos enxergam o mundo de forma muito diferente da nossa, mas, principalmente, como eles também podem ser afetados pelas duras realidades da vida que, infelizmente, não poupam ninguém. Ai de você, portanto, não gostar de uma obra trabalhada em cima da ingenuidade e de crianças que tentam, na medida do possível, viver o seu próprio universo. Pois, nesse caso, podem me acusar de insensível mesmo, pois Projeto Flórida me trouxe mais momentos de tédio e impaciência do que de emoção. É complicado achar o ponto certo em um longa como esse porque ele é todo trabalhado em cima de crianças que correm, brincam, cospem em carros e até colocam fogo em lugar abandonados. Acompanhar isso durante um tempo dá a graça e a delicadeza que a história precisa, mas há uma dedicação excessiva, fazendo com que, em muitas vezes, o filme não vá a lugar algum e só ganhe certa força com a pequena Brooklynn Prince, que tem um momento de partir o coração quando tudo chega à reta final. Enquanto isso, o mundo adulto também pouco envolve, em especial a mãe da protagonista, que deveria ser melhor explorada em suas complexidades para não ser apenas a progenitora irresponsável, mas de boas intenções com a filha. Até mesmo Willem Dafoe, tão mergulhado em um desempenho econômico, surge sem impressionar nesse filme que, muitíssimo bem fotografado e instigante visualmente, termina justamente quando parecia perto de trilhar caminhos mais ambiciosos.
Não assisti a nenhum dos filmes comentados, mas o que tenho mais interesse em assistir é “Projeto Flórida”, que parece ser bem bacana.
Kamila, eu fiquei bem decepcionado com “Projeto Flórida” :(