We are all in the gutter, but some of us are looking at the stars.
Direção: Todd Haynes
Roteiro: Brian Selznick, baseado no romance “Wonderstruck”, de autoria própria
Elenco: Oakes Fegley, Millicent Simmonds, Julianne Moore, Cory Michael Smith, Michelle Williams, Jaden Michael, Ekaterina Samsonov, Lilianne Rojek, Tom Noonan, Morgan Turner, Sawyer Nunes
Wonderstuck, EUA, 2017, Drama/Aventura, 116 minutos
Sinopse: Gunlint, Minnesota, 1977. Ao atender um telefonema, o garoto Ben (Oakes Fegley) é atingido pelo reflexo de um raio, que caiu bem em sua casa. Esta situação faz com que seja levado a um hospital em Nova York, onde descobre que não consegue mais ouvir um som sequer. Em 1927, a jovem surda Rose (Millicent Simonds) foge de sua casa em Nova York para encontrar sua mãe, a consagrada atriz Lillian Mayhew (Julianne Moore). A vida destes dois garotos que não conseguem mais ouvir está interligada a partir de um livro de curiosidades, que os leva ao Museu de História Natural. (Adoro Cinema)
O diretor Todd Haynes talvez nunca tenha realizado uma obra tão repleta de estranhamento como Sem Fôlego, ainda que seja estranhamento do bom. Vendido equivocadamente pelos trailers e pelos cartazes como uma aventura infanto-juvenil, a experiência dificilmente conquistará qualquer criança, e é bem provável que não desperte encantamento nem mesmo nas plateias mais alternativas que deveriam lhe dar alguma atenção. Solenemente ignorado pela crítica mesmo com a seleção para a mostra competitiva em Cannes, Sem Fôlego não foi avaliado com muito entusiasmo lá fora durante o evento francês ou em sua trajetória comercial e agora chega ao Brasil com uma distribuição paupérrima, encorpando a tese de que os novos tempos têm sido cada vez menos generosos com filmes que colocam o espectador para fora de sua zona de conforto.
Não à toa Sem Fôlego é baseado em um best seller assinado por Brian Selznick, o mesmo autor de A Invenção de Hugo Cabret, obra que Martin Scorsese levou para as telas em 2011. Ambos são trabalhos que usam o mundo infantil como ponto de partida para discutir questões que não são necessariamente para os pequenos, mas a diferença é que Sem Fôlego se revela, em estrutura e conceito, um filme melhor resolvido do que Hugo Cabret. Enquanto Scorsese parecia não trazer muita unidade para uma história que era uma aventura infantil em sua primeira metade e logo após uma homenagem específica ao cinema, Haynes, com o roteiro do próprio Selznick, não faz rodeios nem se equivoca, assumindo, desde os primeiros minutos, que a recompensa do filme é bem diferente do cinema fantástico, ritmado e comercial que, inevitavelmente, a sua promoção sugere.
Sem Fôlego prefere ver o mundo praticamente sem som: uma das histórias é realmente muda, o que faz total sentido para tudo o que vive a pequena Rose (Millicent Simmonds), menina surda que, em uma viagem para Nova York, deseja ansiosamente se encontrar com uma atriz que tanto assiste e admira nas telas do cinema. Por falar na surdez de Rose, esse logo também será o destino de Ben (Oakes Fegley), um garoto que, após a morte da mãe, busca descobrir quem é o pai que nunca conheceu. Em uma de suas investigações, faz uma ligação e, no meio dela, perde a audição porque um raio atinge em cheio a sua casa durante uma noite de tempestade.
A conexão dramática das duas histórias vai muito além da surdez que os personagens têm em comum, pois, na verdade, o que os une é a busca por algum tipo de identidade ou pertencimento. Se nós que somos adultos eventualmente nos confrontamos com a dúvida de quem somos, o que sobra, então, para as crianças que estão em plena construção de suas próprias identidades, em especial essas que não podem ouvir e também não são ouvidas? Sem Fôlego se debruça sobre essas questões, renegando a adrenalina e as reviravoltas que costumam ser o norte de produções juvenis. O filme tanto renega essa vocação aventureira que o próprio desfecho é a pincelada final para a sua proposta de falar sobre minorias em busca do seu lugar no mundo — e só reclama da falta de impacto do lindo encerramento quem realmente não embarcou na essência do longa.
Como na vida, Sem Fôlego mostra que essa viagem rumo à descoberta quem somos é mesmo solitária e, principalmente, atemporal, visto que Rose e Ben vivem em épocas distintas (ela em 1927 e ele em 1977) e passam basicamente pelos mesmos dilemas. Haynes, que repete em grande parte o mesmo time do lindo Carol — o fotógrafo Edward Lachman, o compositor Carter Burwell (cada vez mais talentoso e sofisticado) —, cria duas diferentes linguagens para acompanhar cada personagem. Lá pelas tantas, quando as histórias encontram um ponto de convergência, a trama alcança seu momento mais belo em termos estéticos e dramáticos, contando com a ajuda muito especial de uma comovente Julianne Moore. É, finalmente, a recompensa que mostra o quanto Todd Haynes está realmente nem aí para formas e padrões. E, como esse é o tipo de cinema que mais me interessa, saí do cinema com com o coração cheio.
Acho que essa foi uma estreia que passou totalmente despercebida. Fiquei muito interessada, após ler a sua crítica.
Kamila, internacionalmente e aqui no Brasil esse filme passou completamente em branco! De certa forma dá para entender, já que é uma obra bem diferente e que exige bastante do espectador, mas tomara que eventualmente seja descoberta!