
O que prometia ser o grande voo solo de Christine Baranski acaba decepcionado: em The Good Fight, a atriz é tão coadjuvante (ou, muitas vezes, até mais) quanto em The Good Wife.
Quando surge pela primeira vez em The Good Fight, a advogada Diane Lockhart (Christine Baranski) está incrédula. E não é por menos: sentada frente à TV, ela acompanha a cerimônia de posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, algo que, para quem acompanhou The Good Wife ao longo de sete temporadas, é um momento deliciosamente divertido devido às marcantes posições políticas da personagem. No entanto, não há motivos para os leigos se preocuparem, pois, mesmo sendo um spin-off da premiada série estrelada por Julianna Margulies, o episódio-piloto de The Good Fight é exemplar na forma como arquiteta a extensão de um universo já extinto, preservando o excelente tino cômico de seu material de origem, criando uma personalidade própria e, principalmente, trazendo importantes discussões do mundo real para a narrativa ficcional.
Se a política é tão importante para a democrata Diane Lockhart, é fácil deduzir que The Good Fight, ao longo dos dez episódios de sua primeira temporada, não poupará esforços para discutir questões relacionadas ao tema. Enquanto Wife se passava na era Obama, Fight é encenada na era Trump, o que é prato cheio para os criadores extraírem muitas de suas ideias e provocações dos conceitos defendidos pelo novo presidente norte-americano. A partir desse cenário, Lockhart enfrentará situações que, entre outras, discutem a falência da reputação dos poderosos (e o quão incongruente é ter Trump como presidente nesse sentido), a batalha diária que é ser mulher em um ambiente de trabalho essencialmente masculino, o quanto a idade e a experiência às vezes podem ser pontos negativos em uma carreira profissional e o que significa se dedicar a certas coisas na vida para, no fim das contas, elas não valerem nada.

Com questões atuais e provocações inteligentes, The Good Fight compensa a falta de criatividade em termos de execução com a contemporaneidade dos temas que levanta.
Atualíssima e representativa como poucos programas conseguem ser, The Good Fight se dedica a dar voz à diversidade, colocando três mulheres no centro de sua história: Maia Rindell (Rose Leslie), Luca Quinn (Cush Jumbo) e, claro, Diane Lockhart. Detalhes ainda mais importantes sobre elas: a primeira é lésbica, a segunda é negra e a terceira já passou dos cinquenta anos, todos nichos normalmente relegados a papeis coadjuvantes, seja em filmes ou seriados. Se a protagonista vivida por Christine Baranski já sabia que ser mulher em um universo jurídico de homens brancos e engravatados era difícil, logo ela descobre também que envelhecer pode acrescentar um sabor ainda mais azedo a um cotidiano desafiador. Esse é o pontapé inicial de The Good Fight: após anunciar sua aposentadoria, Lockhart se vê com a corda no pescoço quando, após um escândalo de corrupção, descobre que todo o seu dinheiro foi congelado. Não há outra escolha para se sustentar a não ser continuar trabalhando, mas a empresa da qual era sócia não aceita o retorno, lançando a veterana de volta à vida de bater de porta em porta para conseguir um emprego. E qual não é a surpresa dela ao descobrir que o mercado, por uma série de razões, não quer contratar uma mulher experiente em idade e profissão?
O que torna The Good Fight o programa mais atual em exibição e um relato conceitualmente forte é a decisão de centrar sua trama em mulheres que se reinventam, que levantam a cabeça frente a adversidades e que enxergam os obstáculos da vida como porta de entrada para algo muito maior e necessário. Algo que, na realidade, precisam provar não para elas próprias, mas para uma sociedade que insiste em diminuí-las. A série começa com o pé direito, devendo nada a sua série antecessora, mas, pouco a pouco, mostra que não consegue ir muito além de seus posicionamentos políticos afiadíssimos quando Diane Lockhart finalmente se estabelece em uma empresa administrada em sua maioria por advogados negros. A situação muda de cenário porque a história precisa sair dos conceitos que envolvem seus personagens e contextos para construir uma trama. Na prática, o spin-off volta a repetir vícios de The Good Wife e até a lembrar o porquê do programa estrelado por Julianna Margulies ter sido cancelado após tantos episódios estagnados em forma e conteúdo.

Rose Leslie como Maia Rindell: a sensação de dèjá vu é grande, já que a personagem repete a fórmula da advogada que começa a entender como funcionam os bastidores da profissão.
Aliás, há vários aspectos que remontam a The Good Wife, o que só reforça a impressão de que The Good Fight conduz a sua história no piloto-automático. Ou não é puro comodismo novamente termos uma personagem que está chegando ao mundo da advocacia e que precisa aprender tudo sobre os trâmites da profissão? Não é que, na prática, a novata Maia Rindell se pareça com a Alicia Florrick de Julianna Margulies, mas tudo é muito familiar, repetindo desnecessariamente passagens que seriam evitáveis com um pouco mais de criatividade na hora de elaborar um personagem. O déjà vu relacionado a esses problemas também se encontra na construção dos casos jurídicos, que evocam antigos coadjuvantes sem reinventá-los em qualquer aspecto (por mais divertida que seja a Elsbeth Tascioni de Carrie Preston, fica claro que ela só está ali para fazer graça) e conflitos que servem somente disfarçar a falta de assunto, a exemplo do episódio em que Maia busca a real identidade de quem está espalhando falsos tweets em seu nome. Com exceção dos casos que endossam o inegável talento de The Good Fight em discutir temas atuais (sempre há espaço para cutucar Donald Trump sem qualquer medo, e isso é ótimo!), não há surpresa alguma no spin-off.
Ok, digamos que, como fã incondicional do universo de The Good Wife, seja possível perdoar tudo isso para ter um pedacinho do programa de volta. O que não dá mesmo para deixar passar é The Good Fight ter claros problemas em compreender quem é a sua real protagonista. Ora, um spin-off serve para dar protagonismo e trajetória própria a um personagem que, em outro seriado, estava longe de concentrar o protagonismo de uma história. Não é o que acontece com a Diane Lockhart de Christine Baranski: misteriosamente, ela é coadjuvante tanto quanto era em The Good Wife, com dilemas pessoais que são esquecidos com a mesma displicência que são retomados e passagens que soam como mero suporte para enaltecer outra figura em cena: no caso, Maia Rindell, a real protagonista do spin-off. Isso é de certa maneira imperdoável por muitas razões, entre elas, a de trair as promessas de dar a devida dimensão a uma personagem interessantíssima e a de proporcionar uma chance de ouro a Christine Baranski, uma excelente atriz que merecia oportunidades muito melhores tanto no cinema quanto na TV. Eterna coadjuvante de musicais nas telonas (Mamma Mia!, Chicago, Caminhos da Floresta), ela sempre brilhou como a elegante advogada que guarda com orgulho um retrato ao lado de Hillary Clinton em seu escritório. Por isso, The Good Fight parecia ser o seu grande momento. Não foi. E isso é algo que precisa ser urgentemente reparado.
Não assisti “The Good Wife”, então não conheço o universo dessas personagens, mas gosto muito de séries que mostram esse mundo do direito. Além disso, Christine Baranski é uma grande atriz. Deve estar arrasando em “The Good Fight”.
Kamila, eis o maior problema de “The Good Fight”: era para ser uma série entregue ao talento de Christine Baranski! Só que, às vezes, ela parece tão coadjuvante (se não, até mais) do que era em “The Good Wife”!