E o que se leva, no final das contas, de “Big Little Lies”?

Big Little Lies é uma vitória da força feminina em resposta aos bastidores de Hollywood, mas um programa que, na prática, não marca tanto quanto merecia.

Foi intrigante acompanhar Big Little Lies, a nova minissérie da HBO estrelada por um elenco dos sonhos (Reese Witherspoon! Nicole Kidman! Laura Dern! Shailene Woodley!). Lamentavelmente, não porque a história instiga a partir de um misterioso assassinato para narrar as aparências, os anseios e as complexidades de mulheres riquíssimas que vivem na cidade de Monterey, nos Estados Unidos, mas por motivos exteriores ao programa: afinal, o que levou o público a se encantar tanto com um resultado tão morno? Produzida por Reese e Nicole, que compraram os direitos do livro homônimo de Liane Moriarty e desistiram de outros projetos para dar vida à adaptação (a primeira do novo filme de Alexander Payne, a segunda do blockbuster Mulher-Maravilha), Big Little Lies terminou no último domingo (03) como uma unanimidade entre público e crítica. Já o escriba que vos fala só tem pontos de interrogação para lançar ao diretor canadense Jean-Marc Vallée acerca desse trabalho irregular realizado com um elenco tão excepcional.

Para início de conversa, é preciso refletir sobre essa necessidade cada vez mais presente em séries e minisséries de construir histórias que partem de um assassinato revelado a partir de idas e vindas no tempo. Afinal, quantos programas realmente se beneficiaram com essa estrutura? Citanto exemplos mais recentes, é fácil lembrar de The Affair, que perdia metade de seu envolvimento com um assassinato que não combinava com sua pegada dramática; de Bloodline, que teria muito mais impacto se não revelasse tão cedo a identidade de sua vítima; ou de How to Get Away With Murder, que não se afundaria tanto caso se preocupasse mais em contar uma história do que chocar com revelações que, muitas vezes, transbordam o implausível. No caso de Big Little Lies, é problemático adotar a mesma estrutura em função do fator expectativa, já que o roteiro não se preocupa em satisfazer qualquer curiosidade do espectador: é somente no último episódio, mais especificamente nos últimos 15 minutos, que será revelada a identidade da vítima (e também de quem a matou!). Tanta demora, contudo, não é o problema. O mais grave é não existir uma construção em torno do crime, tornando o fatídico acontecimento uma mera curiosidade, como se Big Little Lies fosse uma atração de TV aberta que precisasse manter a curiosidade do espectador a cada episódio para garantir audiência.

Expectativas e teorias não são recompensadas em Big Little Lies. Além de respondidas tarde demais, as interrogações são frequentemente repetitivas.

Como se não bastasse a longa espera, Big Little Lies dificilmente surpreenderá alguém com suas revelações, até porque não é preciso ser nenhum perito para, lá no terceiro episódio, associar tematicamente dois personagens e deduzir que, apesar da implausibilidade das coincidências, é nessa conexão que está concentrada boa parte das respostas da trama e do misterioso crime que o roteiro insiste tanto em martelar ao longo de todo o arco dramático do programa. Enquanto as resoluções não chegam, é impossível não criar teorias e expectativas com conflitos que, como logo descobrimos, simplesmente não levam a nada, a exemplo da tão falada peça de teatro de Madeline (Reese Witherspoon) ou da vontade rapidamente esquecida de Celeste (Nicole Kidman) de voltar a advogar depois de abandonar a carreira para se dedicar ao lar e cuidar dos filhos. Há outro tempero da mistura que começa saboroso, mas gradativamente se revela insosso: a relação entre as mães e seus pequenos filhos. E se há um momento digno de nota nesse sentido e que deveria ter servido de referência para todas as outras situações da minissérie, esse é o que a professora da escola acusa, no meio da rua, o adorável Ziggy (Iain Armitage) de agredir Amabella (Ivy George). A cena é um verdadeiro choque porque evidencia, com muita crueza e um roteiro afiadíssimo, o quanto a maturidade entre adultos e crianças podem perfeitamente se inverter em situações de conflito.

Com razão, muito se comparou Big Little Lies à comédia Desperate Housewives, que não deixa de ser a irmã mais velha do novo programa da HBO: ambas apresentam histórias que, dadas as proporções, têm como base o forte laço de amizade entre mães ricas e suburbanas que se veem envolvidas em uma série de mistérios e eventuais assassinatos. Desperate Houewives, por se tratar de uma comédia, sabia tirar graça de muitas de suas superficialidades (em um drama, a dondoca Gabrielle Solis de Eva Longoria poderia ser apenas uma rica mimada sem qualquer problema palpável), algo que não acontece com Big Little Lies, onde, em sua maioria, o roteiro tenta dar alguma dimensão aos famosos white people’s problems. Entre 80 pares de sapatos no closet, festas riquíssimas de aniversário e caravanas para espetáculos da Disney, as protagonistas são uma representação da ideia de que os ricos também sofrem, quando, na realidade, deveriam dar vida a questões mais profundas e pertinentes a todos nós, como aquela em que Renata Klein (Laura Dern) explica ao marido que existe uma diferença gigantesca entre fazer sexo todo dia no casamento e se sentir de fato uma mulher desejada após tantos anos de matrimônio.

Mesmo contracenando com um personagem unidimensional, Nicole Kidman, com o passar dos episódios, toma para si as atenções com os conflitos mais incômodos de Big Little Lies.

Desestimula Big Little Lies ser tão rasa mesmo em suas discussões mais sérias (há quem ache um primor de revelação as cenas de Nicole Kidman na terapia, mas não há nada dito ali que se aproxime, por exemplo, dos embates complexos e frequentemente abusivos protagonizados por Josh Charles e Embeth Davidtz na já extinta In Treatment) porque o programa tem, claro, um elenco formidável, mas também personagens riquissímas. Kidman, que acumulou as melhores críticas pelo programa, tem o papel mais fácil de brilhar: como a esposa que ultrapassa a barreira da negação para perceber que é vítima de um relacionamento abusivo, ela tem um de seus papeis mais desafiadores em anos. Mesmo que não pareça, o trabalho de Reese Witherspoon também é complicadíssimo, pois sua Madeline costuma agir por impulsos, sem medir palavras e ações, além de ser o estereótipo da mulher rica que não pensa duas vezes antes de usar a influência de seu status para estabelecer certas relações de poder. Ainda na linha das missões difíceis, Laura Dern dribla um papel facilmente odiável e oferece ao espectador pelo menos certa compreensão por uma mãe que, ao tentar defender a filha em uma missão desconfortável, acaba se descontrolando perante todo um círculo social. Já a Jane de Shailene Woodley não está nem perto de ser rica, mas vem como um alento humano e um olhar exterior para esse subúrbio tão submerso em picuinhas e competições causadas por dinheiro, status e, óbvio, pelo incentivo ao ódio entre mulheres.

É muito simbólico ver as personagens juntas no desfecho do programa para literalmente lutar por uma causa muito maior do que a disputa cotidiana entre elas porque Big Little Lies, mesmo que decepcionante em diversos aspectos, é uma verdadeira resposta aos bastidores de Hollywood, onde estúdios e executivos continuam a fazer escolhas baseadas em idade e sexo. Na TV, a situação é bem diferente, já que nela existe espaço para atrizes como Reese Witherspoon e Nicole Kidman investirem em seus próprios projetos e até mesmo serem alvos de disputa (a HBO ganhou uma corrida acirradíssima com a Netflix pelos direitos de Big Little Lies). E o que dizer, então, quando a TV faz de um programa produzido e protagonizado por quatro intérpretes femininas um grande evento em sua grade de programação? Isso é coisa rara de se ver. Os ventos têm sido favoráveis para as mulheres nos formatos seriados (não deixem também de acompanhar Feud, que continua a ser exibida e tem sido altamente representativa nesse sentido de visibilidade), e isso ninguém pode jamais questionar. Posso desgostar bastante do resultado final de Big Little Lies. Agora, não reconhecer a importância de um projeto como esse ganhar vida… Isso sim é coisa de maluco. 

 

6 comentários em “E o que se leva, no final das contas, de “Big Little Lies”?

  1. Essa serie é a minha favorita, você me inspirou para ver de novo. Esse filme é bom pela escolha de elenco que teve especialmente Laura Dern. Lembro dos seus papeis iniciais, em comparação com os seus filmes atuais, e vejo muita evolução, mostra personagens com maior seguridade e que enchem de emoções ao expectador. Também desfrutei muito sua atuação no filme sobre McDonald’s no ano passado. É de admirar o profissionalismo da atriz, trabalha muito para se entregar em cada atuação o melhor, sempre supera seus papeis anteriores. Se vocês são amantes do trabalho da atriz este é um filme que não devem deixar de ver.

  2. Não tenho HBO e nem tenho costume de baixar seriados para assistir, então não assisti a “Big Little Lies”, mas espero ter a oportunidade de assistir, pois adoro a Nicole e a Reese. Além disso, David E. Kelley sempre se destaca na produção e roteiro de seriados. Gosto do trabalho dele!

  3. O último episódio foi realmente terrível. Tanto pela resolução do desnecessário crime, quanto pelo desenvolvimento do episódio em si.

    • Hugo, eu até gosto do último episódio, mas, como etapa de conclusão, tem um grave problema estrutural: não entendo a necessidade de segurar tanto as revelações para os 15 minutos finais.

      • Achei a quantidade de sequências musicais excessiva para um episódio final. Mostraram a apresentação de três personagens, muita enrolação! Se tivessem optado em mostrar apenas o número da personagem de Zoë Kravitz já estava de bom tamanho, principalmente porque ela passou a série inteira sem dizer a que veio.

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