
Woody Allen na frente e atrás das câmeras de Crisis in Six Scenes: o veterano nunca escondeu seu desconforto em ter que lidar com o desenvolvimento de um seriado, o que está evidente na tela.
Vocês imaginem um seriado criado, escrito e dirigido por Woody Allen. Melhor ainda: também encomendado pela Amazon, onde inexistem limitações criativas por se tratar de uma plataforma on demand que, claro, não depende de audiência ou anunciantes para tomar decisões autorais. A ideia parecia infalível, e Crisis in Six Scenes tinha tudo para ser um grande evento, mas, no final das contas, ninguém viu ou muito menos comentou o seriado de Woody, cineasta que já acumula quatro Oscars em uma carreira até hoje irrefreável. E para compreender como Crisis in Six Scenes se tornou um fracasso retumbante do ponto de vista artístico e de público, é preciso retroceder ao Globo de Ouro 2015, quando a Amazon se consagrou ao ver Transparent, sua produção de estreia, faturando a categoria de melhor série de comédia/musical.
No embalo da vitória, os executivos da Amazon anunciaram, logo no dia seguinte, que Woody Allen era a mais nova aquisição de seu portfólio. Uma jogada estratégica de divulgação que, em contrapartida, foi amortecida pelo veterano: logo após seu contrato se tornar público, Woody fez questão de declarar que não sabia onde estava com a cabeça quando aceitou a proposta e que tinha dúvidas sobre o quanto realmente poderia contribuir para a concepção de um seriado. Ou seja, feita a trancos e barrancos do ponto de vista de um criador que já não tinha nem certeza sobre o quanto o projeto poderia dar certo, Crisis in Six Scenes se tornou, de repente, fadada ao fracasso. E foi o que aconteceu: à época do lançamento, em setembro do ano passado, o diretor atestou que não volta para uma segunda temporada e que não aceitará mais se envolver com produções dessa natureza.
Woody Allen está coberto de razão em fazer de Crisis in Six Scenes a sua única experiência em séries, uma vez que, para começo de conversa, o que menos existe no programa é, justamente, uma linguagem alinhada ao formato. Abrindo o episódio-piloto com os créditos iniciais que são uma assinatura facilmente reconhecível de sua carreira no cinema, o diretor e roteirista conta uma história que foi claramente concebida para um filme que nunca viu a luz do dia e acabou picotado em seis partes. Isso está explícito na forma como Crisis in Six Scenes estrutura seus capítulos com pouquíssimas cenas, todas longas e extremamente verbais, jamais compreendendo que, sim, um seriado precisa criar um arco para uma temporada, mas um episódio também precisa se sustentar por si só, e não acabar de maneira abrupta com alguma situação curiosa criada de última hora apenas para criar a falsa ilusão de conclusão.

Miley Cyrus chamou a atenção de Woody Allen ainda nos tempos de Hannah Montana, mas sua escalação não se justifica: ela é apenas mais um detalhe da série que não dá certo.
Novamente em cena para fazer o velhinho neurótico e falante, Woody Allen aqui aqui é Sidney J. Munsinger, um escritor frustrado que, nunca reconhecido pelas obras que escreveu, resolve investir na ideia de criar um seriado para a TV. Até o dia em que surge Lennie Dale (Miley Cyrus), uma jovem revolucionária que, em plenos anos 1960, é procurada pela polícia por querer promover mudanças radicais no sistema estadunidense com, por exemplo, fabricação de bombas. Só que a jovem é de uma família conhecida de Kay (Elaine May), que resolve abrigá-la secretamente, para o completo desespero de Sidney. Nesse contexto, a situação se dispersa até mesmo para um filme bastante mediano de Woody Allen, que se repete demais nas neuroses de seu protagonista e ao criar subtramas perfeitamente desinteressantes, como a do amigo da família que se apaixona por Lennie Dale.
Aliás, a personagem de Miley Cyrus é um dos principais problemas de Crisis in Six Scenes, pois o roteiro nunca torna instigante a sua influência direta não apenas na vida de um casal rotineiro e entediado, mas também na do próprio vizinho que se apaixona por ela. Lennie Dale não é curiosa nem misteriosa como deveria ser e, do ponto de vista de contribuição ao programa, serve apenas para proporcionar cenas mais descontraídas protagonizadas por Woody Allen e Elaine May, que chegam a pular de um terraço a outro para fugir da polícia! De resto, as discussões que a personagem suscita sobre os ideais de Fidel Castro e Che Guevara ou sobre como o Estados Unidos equivocadamente se intitula o melhor país do mundo se perdem em uma narrativa truncada, apática e conduzida por um diretor que nem precisaria admitir sua falta de afinidade com o formato para despertar no espectador a sensação de que pouco ali está realmente se encaixando.
Há coisas boas no meio do caminho e que até se parecem mesmo com situações feitas para um seriado. É inspirado, por exemplo, o cotidiano de Kay como terapeuta de casais, tratando situações curiosas como a do marido que tem fetiche em pagar mulheres por sexo (e isso inclui a própria esposa!) e do casal que é incapaz de enxergar qualidades um no outro. Woody Allen também segue tirando humor como ninguém de situações que só poderiam ser criadas e conduzidas por ele. Nada, entretanto, elimina a imensa sensação de frustração que é conferir Crisis in Six Scenes, uma produção que já não funcionaria como filme e que, como seriado, só evidencia um expressivo momento de crise criativa na carreira de seu criador.
Respeito o texto e a opinião, mas, sinceramente, discordo plenamente de tudo o que foi falado de negativo da (mini-)serie. Pra mim, fumcionou perfeitamente como mini-serie; não assisti de uma vez só (“maratonando”). E devo acrescentar que se acham que foi um erro do Woody Allen, então foi um erro muitíssimo bem feito, porque o cara é foda. Woody Allen super falante é ótimo, o texto é engraçadíssimo; e todos se encaixam bem na serie, com destaque para a atriz Elaine May que rouba a cena toda vez que aparece (que mulher incrível). E Miley Cyrus faz bem o seu papel dentro desse estilo Woody Allen. Não estraga a obra. O que mais me chamou a atenção na serie foi (além de Elaine May) a fotografia linda e simples. Cores bem dosadas, pastel, forte. Queria saber qual foi o uso de lentes para filmar, mas enfim… Mais do que toda essa baboseira que eu disse, é uma MINI-SERIE muitíssimo divertida. Queria que tivesse mais.
P.s: Woody Allen diz não gostar de seu filme MANHATTAN. Você leu direito: Woody Allen não gosta de um de seus melhores trabalhos no cinema (e um dos meus filmes preferidos). Entende aonde quero chegar? Enfim… se alguém leu isso que eu me dei ao trabalho de digitar, eu já agradeço demais. Obrigado.
Fabio, você é a primeira pessoa que vejo gostar de “Crisis in Six Scenes”. Não percebo graça ou consistência nenhuma na minissérie, que, para mim, é muito mal estruturada. E quanto às declarações do Woody Allen sobre ela, a questão é que antes mesmo de iniciar as filmagens ele já dizia aos quatro ventos que escrevê-la foi uma experiência traumática. Quase ninguém viu o programa, que foi solenemente ignorado pelo público, pelas premiações e incrivelmente mal avaliado pela crítica. Eu realmente acho que é um dos piores momentos da carreira do Woody :(
Não sabia da existência dessa série, Matheus! Que interessante! Como podemos assistir a esse seriado?
Kamila, a série realmente não bombou. E com toda razão! Ela está disponível na Amazon Prime, agora já disponível no Brasil também!