What do you want, Anastasia?
Direção: James Foley
Roteiro: Niall Leonard, baseado no romance homônimo de E.L. James
Elenco: Dakota Johnson, Jamie Dornan, Marcia Gay Harden, Kim Basinger, Rita Ora, Bella Heathcote, Luke Grimes, Victor Rasuk, Max Martini, Andrew Airlie, Robinne Lee, Amy Price-Francis
Fifty Shades Darker, EUA, 2017, Drama, 118 minutos
Sinopse: Incomodada com os hábitos e atitudes de Christian Grey (Jamie Dornan), Anastasia (Dakota Johnson) decide terminar o relacionamento e focar no desenvolvimento de sua carreira. Ele, no entanto, não desiste tão fácil e fica sempre ao seu encalço, insistindo que aceita as regras dela. Tal cortejo acaba funcionando e ela reinicia o relacionamento com o jovem milionário, sendo que, aos poucos, passa a compreender melhor os jogos sexuais que ele tanto aprecia. (Adoro Cinema)
Há uma sensação de déjà vu nos primeiros minutos de Cinquenta Tons Mais Escuros. Tentando viver uma vida sem Christian Grey (Jamie Dornan), Anastasia Steele (Dakota Johnson) vaga visivelmente infeliz pelas ruas e pelos escritórios de seu mais novo trabalho como assistente de uma editora de livros. Quando é convidada para a exposição de um de seus amigos que nem lembrávamos existir, a protagonista se vê fotografada em vários quadros selecionados para o evento. Contrariada por ter se tornado obra de arte sem aviso prévio (ela diz ser tímida e envergonhada demais para se tornar o rosto de uma exposição de fotos), Anastasia questiona o amigo, que logo ganha a justificativa que precisava para se defender: uma de suas agentes interrompe a conversa e diz que todos os quadros da moça foram comprados. Detalhe: por um uma única pessoa. Difícil adivinhar quem? Não. Só poderia ser Christian Grey, que, minutos depois, aparece na exposição disposto a ter Anastasia de volta. É óbvio que ela vai relutar um tantinho, mas, após um jantar luxuoso, algumas promessas fáceis, outras frases de efeito e um singelo presente que traz um MacBook e um iPhone, ela cede ao homem amado. Que se danem as vontades sádicas de Christian Grey, agora reprimidas, segundo ele. Ela também o quer de volta. E os pombinhos se entregam novamente à paixão.
O dèjá vu se dá por novamente vermos Christian Grey agindo como um psicopata que engaveta investigações profissionais sobre sua namorada e que não pensa duas vezes antes de tratá-la como uma mera posse, proibindo-a até mesmo de fazer uma viagem a trabalho sem ele. Uma falsa pista vem logo em seguida: em um surto repentino de lucidez, a protagonista finalmente se rebela contra Christian, dizendo que essa sua obsessão até então nunca questionada veemente por ela é realmente uma insanidade e que ele precisa procurar ajuda. É um vislumbre de esperança que não vai em frente, pois a protagonista volta a se contradizer e a repetir as mesmas atitudes do filme anterior. Sem mais delongas, Cinquenta Tons Mais Escuros segue trabalhando os conceitos errados que são romantizados pela escritora E.L. James no material original. E os equívocos desse texto são tão fortes que nem mesmo a troca na cadeira de direção (sai Sam Taylor-Johnon e entra James Foley) é capaz de amortecer alguma coisa. Um estúdio com culhões e um diretor exigente poderiam muito bem virar o jogo: imaginem que instigante seria se Anastasia realmente entendesse o poder que ela exerce sob Christian e não o contrário? Claro que isso não acontece aqui, e Cinquenta Tons Mais Escuros apenas reforça a tese de que, caso Christian não fosse incrivelmente rico, talvez a nossa mocinha não se deixasse ser persuadida com tanta facilidade.
A contextualização do déjà vu nos traz à ideia de ignorar as percepções erradas mas já irreversivelmente enraizadas da série Cinquenta Tons para falar mais sobre a construção desse novo volume. Enquanto no anterior ainda existia o fator novidade de ver uma jovem descobrindo o lado sexual um tanto obscuro de sua mais nova paixão, aqui não a nada a se descobrir: inerte, a história é apenas a escalada de sucesso de um casal que, aos poucos, começa a encontrar um novo jeito de se relacionar – e é tudo muito simples, pois Christian praticamente elimina os fetiches sádicos e Anastasia tenta ser mais compreensiva, na medida do possível, com os traumas do passado que levaram seu namorado a ser do jeito que é. Sendo assim, nada realmente acontece na trama central de Cinquenta Tons Mais Escuros, o que faz com que roteiro escrito pelo estreante em longas para o cinema Niall Leonard (outra troca do primeiro filme em relação ao segundo) compile os conflitos secundários mais aleatórios e desinteressantes do livro original para problematizar de alguma forma esse “conto de fadas” (título que o próprio cartaz assume). Com isso, surge o chefe unidimensional de Anastasia cujo único objetivo é levá-la para a cama, uma ex-submissa de Christian que persegue o casal com uma arma na mão e a mulher que tirou a virgindade do moço e que agora indica ter como missão de vida terminar com qualquer relacionamento dele. Todos são personagens coadjuvantes sem dimensão alguma e que só servem para (tentar) trazer algum tipo de estofo dramático para uma história carente disso.
Para uma série que se propõe a falar sobre fetiches e ser uma experiência picante, o erotismo continua em baixa, o que não se resume à quantidade de cenas sexo (aqui consideravelmente menores, já que Christian Grey está tentando eliminar seus ímpetos sádicos), mas sim com o que acontece nelas, onde simplesmente é evocado um tesão de gente grande. Mais: é imperdoável que Cinquenta Tons Mais Escuros seja tão púdico na nudez de seu representante masculino, que quase sempre transa de roupa (e isso não é um fetiche dele) ou é visto nu sob pesadas sombras. Não é certo faltar erotismo ao filme, e o diretor James Foley não está nem preocupado em explorar toda a eficiência que a trilha sonora poderia trazer nesse sentido. Falando em trilha, ela, mesmo que não tenha função narrativa alguma, novamente é o que se extrai de melhor da série Cinquenta Tons, carregando a unidade e a personalidade que o filme não tem. Inclusive, é de se indagar o porquê de artistas como Sia, Halsey, Tove Lo, Taylor Swift e até Zayn, o novo astro em carreira solo, chegam a esse projeto por outras razões que não sejam as profissionais. Às vezes é injusto ser tão incisivo, mas, para um filme que encena um acidente de helicóptero para criar um suspense aleatório de cinco minutos e que novamente não dá suspeitas de ter qualquer boa noção de coesão narrativa ou de interpretações, tornando situações dramáticas momentos de puro humor involuntário, o melhor que você pode fazer por você mesmo é curtir a excelente seleção musical com uma boa taça de vinho. Mas se você quiser mesmo ver Cinquenta Tons Mais Escuros – afinal, esse filme é mais um evento do que necessariamente… um filme! -, vá devidamente avisado. Como se, nesse altura do campeonato, avisar fosse realmente preciso…