Rapidamente: “Califórnia”, “Capitão Fantástico”, “Moana” e “Real Beleza”

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Encantadora aos olhos e aos ouvidos, a animação Moana: Um Mar de Aventuras tem ideias que a colocam em um patamar diferenciado. O desenvolvimento da história, entretanto, não arrebata.

CALIFÓRNIA (idem, 2015, de Marina Person): Com uma trilha sonora irresistível e referências aos anos 1980 que endossam todo o lado pop da diretora Marina Person, Califórnia é uma experiência agradabilíssima. Acompanhando os dias de Estela (Clara Gallo), adolescente que, em plena descoberta sexual e de identidade, se comunica com o tio que mora nos Estados Unidos através de cartas repletas de confissões, o filme faz um espirituoso retrato da adolescência na década em questão com relatos regados a sucessos de David Bowie a Barão Vermelho, passando pela febre de estreias do cinema como E.T. – O Extraterrestre, de Steven Spielberg, e Gosto de Sangue, dos irmãos Coen. É divertido acompanhar Califórnia por causa dessas referências e também porque a inocência com que Marina Person retrata as primeiras descobertas de uma menina transformação é irresistível. A situação se fragiliza, por outro lado, em vários rumos do roteiro, que cria expectativas acerca do tio da protagonista (vivido por um Caio Blat sempre espirituoso) para depois subaproveitá-lo gradativamente. Há ainda uma boa parcela de previsibilidades, como a de quem se tornará o real interesse amoroso da jovem Estela. Ainda assim, Califórnia, que de fato poderia ser um retrato muito mais consistente sobre uma época tão efervescente do ponto de vista cultural, tem seu frágil roteiro compensado por uma direção sincera e que justifica a espiada descompromissada.

CAPITÃO FANTÁSTICO (Captain Fantastic, 2016, de Matt Ross): Se existe um grande mérito em Capitão Fantástico, esse é o de fazer com que o espectador se importe com os seus personagens. A tarefa é um pouco difícil, visto que, apesar da pegada mais realista no drama, a história é um tanto distante das nossas vidas: nela, um pai de família cria seus filhos em meio às florestas sem qualquer contato com tecnologia e aprendendo, por exemplo, a fazer suas próprias refeições a partir da caça de animais. É distante porque hoje parece inconcebível viver em um mundo que valoriza as pequenas coisas e não qualquer conexão com a internet. Mas não demora muito para Capitão Fantástico ultrapassar a barreira da mera trama curiosa para se tornar um drama envolvente e delicado. O diretor Matt Ross, em seu segundo longa de ficção, é econômico em intervenções na história, depositando boa parte de sua confiança em um ótimo elenco liderado por Viggo Mortensen (em performance delicada e surpreendentemente reconhecida com uma indicação ao Oscar 2017) e pontuado por outras performances de destaque, como a do jovem George McKay e a de Kathryn Hahn, em participação especial. É um daqueles casos onde a simplicidade surge como elogio, sendo capaz de proporcionar momentos genuinamente emocionantes: a cena em que a família canta e dança em uma melancólica despedida é o ponto alto do longa. Capitão Fantástico não está livre de falhas (o personagem de Frank Langella pode muito bem ser considerado unidimensional, enquanto um acidente envolvendo um personagem acontece apenas para resolver um conflito maior), mas é realmente pouca coisa perto do imenso coração do projeto. 

MOANA: UM MAR DE AVENTURAS (Moana, 2016, de Don Hall e Ron Clements): Não, Moana não é uma animação particularmente marcante por sua execução, mas é carregada de ideias que certamente lhe colocam em um patamar bastante diferenciado. Segunda protagonista negra da Disney (a primeira foi Tiana, de A Princesa e o Sapo em 2009), a personagem-título vive uma jornada importante, especialmente se tratando de um gênero amplamente destinado aos pequenos: não existe interesse amoroso para a jovem Moana, e ela está muito bem com isso. Na verdade, o filme nem toca no assunto, preferindo contextualizar a relação da protagonista com os pais ou sua coragem em desbravar sozinha um imenso oceano. Visualmente, o filme de Don Hall e Ron Clements é um deslumbre. Na criação, também é feliz em ideias (os personagens são divertidos e todos com funções lógicas na história) e até surpreendente em uma referência particular (como não lembrar de Mad Max: Estrada da Fúria na perseguição oceânica em que Moana enfrenta um imenso barco de cocos que tocam tambores?). O problema é que essas ideias, aliadas à clássica estrutura da Disney para arcos dramáticos ilustrados por canções dignas de nota (How Far I’ll Go é o delicioso chiclete que o estúdio sabe fazer com proeza), não são suficientes para, na prática, preencher um filme de quase 110 minutos. Moana encanta olhos e ouvidos, mas não arrebata especificamente no desenvolvimento da história. 

REAL BELEZA (idem, 2015, de Jorge Furtado): O diretor Jorge Furtado jura de pé junto que não assistiu, mas é impossível não associar Real Beleza ao romance As Pontes de Madison. Adriana Esteves, que protagoniza o filme do cineasta gaúcho e assume ter se inspirado no trabalho de Meryl Streep para compôr sua personagem, deveria ter avisado: fotógrafo que viaja ao interior e se apaixona por uma mulher casada em um período que ela está sozinha em casa enquanto a família viaja é mesmo material que inevitavelmente carrega a forte imagem de Meryl Streep e Clint Eastwood. Só que o curioso de Real Beleza, primeiro drama assinado por Furtado (ele sempre foi referência em ótimas comédias como O Homem Que CopiavaSaneamento Básico), é que o casal principal não tem química alguma, o que, considerando o fato de Adriana Esteves e Vladmir Brichta serem marido e mulher na vida real, é mesmo estranho. Nada chega a ser necessariamente de mau gosto em Real Beleza, mas, ao mesmo tempo, tudo é insosso demais: as citações literárias, o questionamento do que realmente é belo e as reflexões sobre a vivência matrimonial são óbvias, sem a esperteza que Furtado sempre cultivou tanto em suas comédias. A situação melhora a partir de certo ponto com a entrada de Francisco Cuoco (tanto o ator quanto o personagem são instigantes), mas aí a história já está se encaminhando para o final, e as resoluções não deixam de ser novamente insípidas.

3 comentários em “Rapidamente: “Califórnia”, “Capitão Fantástico”, “Moana” e “Real Beleza”

  1. Quero muito assistir a “Califórnia”, até porque sou admiradora do trabalho da Marina Person desde os tempos de ‘Cine MTV’. Ela foi parte importante da minha formação como cinéfila.

    Assisto hoje a “Moana”. Já li algumas coisas sobre esta animação e estou entusiasmada. Espero que eu goste. Não sei porque, aliás, esse filme não é o favorito ao Oscar de Animação, pois me parece ter uma história mais interessante do que a de “Zootopia”, por exemplo.

    • Kamila, também acho estranho “Zootopia” estar levando tão decididamente todos os prêmios quando “Moana” e, principalmente, “Kubo e as Cordas Mágicas” não devem nada a essa animação!!

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