When you love someone, you have to be careful with it. You might never get it again.
Direção: Tom Ford
Roteiro: Tom Ford, baseado no livro “Tony & Susan”, de Austin Wright
Elenco: Amy Adams, Jake Gyllenhaal, Michael Shannon, Aaron Taylor-Johnson, Armie Hammer, Laura Linney, Isla Fisher, Jena Malone, Andrea Riseborough, Robert Aramayo, Karl Glusman, Ellie Bamber
Nocturnal Animals, EUA, 2016, Drama/Suspense, 116 minutos
Sinopse: Susan (Amy Adams) é uma negociante de arte que se sente cada vez mais isolada do parceiro (Armie Hammer). Um dia, ela recebe um manuscrito de autoria de Edward (Jake Gylenhaal), seu primeiro marido. Por sua vez, o trágico livro acompanha o personagem Tony Hastings, um homem que leva sua esposa (Isla Fisher) e filha (Ellie Bamber) para tirar férias, mas o passeio toma um rumo violento ao cruzar o caminho de uma gangue. Durante a tensa leitura, Susan pensa sobre as razões de ter recebido o texto, descobre verdades dolorosas sobre si mesma e relembra traumas de seu relacionamento fracassado. (Adoro Cinema)
Por exercício e vocação, Tom Ford é, sem trocadilhos, um sujeito de estilo. Ao resgatar a Gucci de uma trajetória decadente, fez com que a marca se tornasse um negócio bilionário. Anos depois, comprou a Maison Yves Saint-Laurent, onde assumiu o cargo de comandante do negócio após a saída do lendário estilista francês em 2002. Isso é o que, em linhas muito gerais, resume todo o poder de Tom Ford no mundo da moda. Por outro lado, o que ninguém esperava é que ele, aos 48 anos, decidisse se tornar cineasta (sem abandonar a indústria da moda, claro). E um cineasta dos mais incríveis: lançado em 2009, Direito de Amar representa um trabalho muito íntimo de Ford, mas que revela um diretor cujo talento ultrapassa todas as fronteiras relacionadas a sua mera identificação pessoal com o material original (o livro A Single Man, de Christopher Isherwood). Obviamente, tanto em Direito de Amar quanto agora em Animais Noturnos, a estética é elemento primordial para o estilista no cinema. A diferença é que, enquanto no primeiro ela exaltava as pequenas belezas de um cotidiano essencialmente morto, no segundo a situação se inverte com requintes que representam desde profundos vazios existenciais até interessantes provocações sobre um mundo de aparências.
Com um pulsante vermelho, Animais Noturnos descortina seus contrapontos logo na sequência de abertura, onde mulheres obesas aparecem nuas dançando como cheerleaders. Ford, apoiado pela trilha orquestral sempre impressiva do polonês Abel Korzeniowski, faz questão de endeusá-las como mulheres dignas de uma obra de arte. E elas realmente são: poucos minutos depois, o filme revela que todas fazem parte de uma exposição multimídia promovida por Susan (Amy Adams), a riquíssima dona de uma galeria de arte que leva uma vida onde belos saltos altos, impecáveis maquiagens e irresistíveis armações de óculos não conseguem camuflar a tristeza de uma mulher incompleta. Se Susan impacta em um primeiro momento com tanta elegância para depois se mostrar um ser humano insatisfeito, seu marido não fica muito atrás: a beleza de Hutton (Armie Hammer) soa quase artificial e, à beira da falência, tudo o que ele pode fazer é se agarrar ao que tem de mais sedutor no exterior para conseguir manter novos casos extraconjugais. O belo é feio (ou pelo menos desesperançoso) em Animais Noturnos, o que certamente é uma bela oportunidade para uma atriz talentosa como Amy Adams. A incompletude da protagonista se agrava quando ela recebe um manuscrito de seu ex-marido, que, ao escrever um romance violento e perturbador, dá a entender que ainda há algo a ser dito para a mulher que partiu seu coração e o abandonou anos atrás.
A partir desse manuscrito, que será lido da forma mais dramática possível por Susan (um dos maneirismos equivocados de Tom Ford), Animais Noturnos passa a narrar a história desse material, tentando desvendar o quanto ele pode ter relações com a vida real da protagonista. Nesse universo paralelo onde Tony (Jake Gyllenhaal) vive uma noite de terror com a mulher e a filha na beira da estrada, a beleza inexiste. O que importa nele – e com toda a razão – é a crueza dos fatos e, principalmente, dos personagens, todos basicamente homens que se entregam a emoções conturbadas como a covardia, o masoquismo e o senso cego de fazer justiça com as próprias mãos. É nessa fatia de Animais Noturnos que se revela o talento de Tom Ford em conseguir impactar sem qualquer alegoria estética, já que existe uma constante tensão na história, seja pela imprevisibilidade de todos os personagens (do sádico marginal vivido por Aaron Taylor-Johnson ao xerife anti-convencional de Michael Shannon, ambos ótimos) ou pela própria forma como o diretor captura o nervosismo de cada momento (a perseguição na estrada é uma das sequências mais tensas do ano). Sem dúvida, esse livro lido por Susan ganha contornos muito mais interessantes pelas leituras de Tom Ford.
Todavia, como se espera na maioria dos casos, Animais Noturnos se enfraquece ao ter que lidar com a estrutura de dois filmes dentro de um. E isso tem menos a ver com a lógica de que uma história é mais interessante do que outra (até no excepcional Relatos Selvagens temos as nossas preferências entre os capítulos) e mais com a forma com que o longa costura as duas tramas. A história da personagem de Amy Adams depende diretamente da que é contada no livro lido por ela para que o círculo possa se completar com mais sentido, e é aí que o roteiro escrito por Tom Ford não tem o mesmo refinamento da direção. Se não bastassem as transições óbvias entre um universo e outro para mostrar o quanto os dois universos conversam (o barulho de um tiro no livro repercute em um pássaro na janela assustando Amy Adams, por exemplo), ainda é preciso que o cineasta force um pouco a barra em soluções visuais para abrir os olhos do espectador quanto ao que está sendo discutido nas entrelinhas, como se a história não se bastasse por si só. Isso está claramente refletido na cena em que Ford faz uma personagem desfilar em um corredor onde está pendurado um quadro imenso com a palavra “vingança”. E mais: ainda a coloca para contemplar a obra. É certo que o paralelo entre os dois mundos já não é o mais revelador, mas o fato do diretor arranjar soluções pouco criativas para a conversa deles dá mais uma leve amortecida na situação.
De qualquer forma, Animais Noturnos, mesmo com eventuais fragilidades, é um filme perfeitamente eficiente, muito em função da mão segura de Tom Ford como diretor. Seu nome ainda revela outro prestígio: o que alcançou dentro do círculo de atores em Hollywood. Afinal, são poucos os diretores que conseguem reunir tantos profissionais de prestígio como Amy Adams, Jake Gyllenhaal, Michael Shannon e Aaron Taylor-Johnson em um elenco que ainda conta com grandes atores como Laura Linney em pontas reveladoras do ponto de vista dramático. O elenco é um dos grandes méritos de Animais Noturnos, o que não deixa de ser uma ramificação do bom trabalho de Tom Ford atrás das câmeras. Afinal, de nada adianta atores talentosos se não existe alguém com uma clara noção do que quer para direcioná-los. No fim, pode ser que a mais nova investida do diretor-roteirista-estilista não tenha a mesma potência que o seu trabalho de estreia. Isso não quer dizer, contudo, que Animais Noturnos não preserve grande parte de sua reconhecida e admirável assinatura, estampada também na cena final, que, assim como em Direito de Amar, induz ao alento para em seguida nos despedaçar de alguma forma. Coisas de Tom Ford. Há quem compre. Outros que detestem. Particularmente, com uma ressalva aqui e outra ali, sigo aprovando.
O cartaz amado. A maioria dos filmes Jake Gyllenhaal sempre gostei. Isso não faz de “Animais Noturnos” um filme enfadonho ou desinteressante. O fato é que as duas tramas chamam a atenção, embora a história do livro seja muito mais intensa e valeria um filme apenas sobre ela! Além disso, os cortes que intercalam as tramas são muito bem orquestrados, e aqui vale dar destaque aos match cuts que aumentam ainda mais a fluidez da narrativa e as lembranças da protagonista.
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