Tanto Johnny Cash (Joaquin Phoenix) quanto June Carter (Reese Witherspoon) eram estranhos dentro de suas próprias casas antes de alcançarem o estrelato no mundo da música. Ele, que vivia com uma mãe submissa, um pai alcoolista e à sombra do bondoso irmão, teve que abandonar o convívio familiar em uma longínqua fazenda do estado de Arkansas, nos Estados Unidos, para construir sua própria história depois da trágica e precoce morte do irmão, cuja culpa sempre lhe foi atribuída equivocadamente pelo pai. Já June Carter não veio de um ambiente tão conturbado, pois, desde criança, já sabia o que era o sucesso cantando com a irmã Anita nas rádios. O senso de não pertencimento, no entanto, era o mesmo que consumia Cash, uma vez que June sempre soube que a agraciada com grande talento vocal na família era a irmã, o que, segundo ela, levou-lhe a “fazer graça” nos palcos para que fosse notada de alguma forma. Não há dúvidas de que Johnny & June é infinitamente mais sobre Johnny Cash do que sobre June Carter, mas é a partir do encontro dessas duas histórias que o filme de James Mangold constrói a sua maior força: a de que o amor – o verdade mesmo, não o nascido a partir de conveniências ou do que os outros esperam – é realmente capaz de transformar carreiras, caminhos e pessoas.
Assim como o próprio filme, a mensagem não deixa de ser batida, mas tudo em Johnny & June é bem executado, o que se revela uma ótima surpresa quando é difícil encontrar biografias que assumam uma personalidade tradicional e ainda assim consigam empolgar de alguma forma. Tudo o que já conhecemos a respeito de uma produção nesse formato está presente aqui: a vontade de abarcar a maior quantidade de fatos possíveis, a clássica pegada motivacional para falar sobre um sujeito de origem humilde que conquista a fama aparentemente impossível, os percalços com drogas e bebidas e até a jogada de começar o filme pelo desfecho. Por isso faz a diferença ter um diretor como James Mangold atrás das câmeras. Com uma carreira marcada por vários projetos interessantes (Identidade, Os Indomáveis e Garota, Interrompida), Mangold nunca construiu uma assinatura em seus trabalhos, mas a experiência nos mais diversos gêneros influencia diretamente a segurança narrativa encontrada nesse filme. Ele, que também escreveu o roteiro em parceria com Gill Dennis, nunca torna Johnny & June um relato atropelado da vida de Johnny Cash, especialmente porque o longa dá conta por completo da personalidade do cantor norte-americano.
A duração excessiva permite que Johnny & June transpareça suas formalidades e seus eventuais descuidos, como o de nunca apresentar devidamente a dupla que começa a carreira com o protagonista e depois simplesmente some ou a verdadeira personalidade da primeira esposa do cantor, reduzida a ser a filhinha do papai cuja única função dramática é cuidar da casa e chorar pelo afastamento do marido. Tudo é amplamente compensado por um longa bem sucedido na construção de seu repertório musical (são apenas 11 as músicas interpretadas pelos protagonistas, e quase todas executadas apenas parcialmente) e que a todo momento nos leva ao que mais impressiona em todo o conjunto: a impecável interpretação de Joaquin Phoenix. Em mais um dos tantos momentos que nos lembram das razões de seu nome ser considerado um dos melhores em atividade, Phoenix dá literalmente voz e alma para um Johnny Cash extremamente crível e que ultrapassa qualquer acomodação envolvendo a mera reprodução de trejeitos tão corriqueira em cinebiografias. Reese Witherspoon, que, assim como Phoenix, também canta e toca todos os instrumentos em cena, é uma graça e tem sua parcela de contribuição para o ótimo romance do filme (o que, por outro lado, em nada justifica seu equivocado Oscar de melhor atriz). Entretanto, o show é mesmo de Phoenix nesse longa de emoções sinceras e que ainda segue um pouco mais com o espectador após a sessão, já que é impossível não recorrer à trilha sonora de tempos em tempos.