
Filme menos acessível da carreira do celebrado Mike Leigh, Sr. Turner se destaca por compreender, inclusive na própria parte técnica, toda a arte de seu protagonista.
AMY (idem, 2015, de Asif Kapadia): Não tão cinematográfico quanto o ótimo Senna, outro documentário dirigido pelo britânico Asif Kapadia, Amy obviamente se beneficia por ter uma personagem muito forte. O estilo único das canções de Amy Winehouse e a a conturbada vida da cantora fora dos palcos de certa forma compensam o formato quase televisivo desse filme que também chega a ser um pouco extenso para um relato tão tradicional. Ou seja, é bem provável que os fãs da cantora se entusiasmem mais com o resultado e até se emocionem ao ouvir música clássicas dela como Valerie, Back to Black e Tears Dry on Their Own. Isso porque, em termos narrativos, o documentário carece de criação e desenvolve de forma bastante linear a trajetória de Winehouse. Todas as etapas de um relato de ascensão e queda de uma artista problemática são seguidas à risca, o que deixa Amy em um terreno muito seguro mas ao mesmo tempo cômodo demais. O que falta mesmo no documentário é justamente a intensidade cinematográfica de, por exemplo, Cássia Eller. É certo que ambos os filmes emocionam e são registros respeitosos, mas o trabalho de Paulo Henrique Fontenelle é melhor lapidado cinematograficamente e com uma linguagem muito mais alinhada com identidade de sua protagonista.
SR. TURNER (Mr. Turner, 2015, de Mike Leigh): Com Sr. Turner, o celebrado Mike Leigh alcança dois extremos em sua carreira. O primeiro é relacionado à questão estética: nunca o britânico esteve com o senso técnico tão apurado, usando todas as ferramentas possíveis, em especial a bela fotografia de Dick Pope merecidamente indicada ao Oscar 2015, para dialogar com os processos artísticos do pintor William Turner (Timothy Spall), protagonista da história. O segundo é a especificidade: Sr. Turner termina como o longa mais difícil da carreira de Leigh, uma vez que seu ritmo é maçante (a duração de 150 minutos só amplia essa sensação) e a história é contada de um jeito muito tradicional. Leigh realmente nunca foi um diretor de filmes tão dinâmicos (mesmo os maravilhosos Segredos e Mentiras e O Segredo de Vera Drake trabalhavam contra um passo muito lento), mas Sr. Turner realmente se supera. Também é complicado ter paciência com o protagonista – não que isso seja algo essencial para uma trama ter o devido envolvimento -, um homem carrancudo, mal humorado, de pouquíssimas palavras e que passa quase todo tempo grunhindo e dizendo coisas praticamente incompreensíveis aos ouvidos que não dispõem de legendas. A boa notícia é que, pelo menos, Sr. Turner é, em sua essência, bastante digno no relato da vida pessoal e profissional de um pintor cheio de personalidade – e prova disso é a ótima cena em que ele recusa fortunas de um empresário apenas para que a suas obras sejam eternizadas em um museu público que não lhe pagará um tostão sequer.
TOMBOY (idem, 2011, de Céline Sciamma): Muito merecidamente, Tomboy fez sucesso no circuito alternativo e ainda hoje resiste ao tempo com exibições especiais em espaços do gênero. Não escondo meu arrependimento de só ter descoberto agora essa história delicada sobre uma garota de 10 anos que, ao mudar de cidade, assume a identidade de um menino no seu novo círculo de amizades. Sem cair em qualquer melodrama envolvendo a questão da identidade de gênero de sua protagonista, Tomboy traz o sempre bem-vindo naturalismo francês ao discutir ainda arranjos familiares e as descobertas da juventude. A diretora Céline Sciamma é bastante objetiva em seu relato (são breves 80 minutos de duração), mas ainda assim completa em discussões que se mostram cada vez mais contemporâneas – e felizmente Tomboy não precisa verbalizar nada para colocar em pauta os temas que se propõe a debater. Com um desfecho esperançoso, o filme obviamente vai entregar algumas etapas dramáticas que você espera desde o início, mas sem nunca elevar o tom ou sequer flertar com obviedades. Um pequeno grande filme.
A VISITA (The Visit, 2015, de M. Night Shyamalan): Ao mesmo tempo que é fácil rejeitar A Visita em função do histórico horroroso de M. Night Shyamalan, não é difícil para os corações mais bondosos, por outro lado, defenderem o filme, dizendo que, comparado ao que o indiano produziu nos últimos anos, esse até que tem certa graça. Mesmo com boa vontade e, de fato, A Visita sendo ligeiramente superior a desastres como O Último Mestre do Ar, não existe absolutamente nada que torne o filme interessante quando o colocamos na vitrine de seu respectivo gênero. Extremamente empoeirado (quem, em 2015, ainda faz filmes com a protagonista documentando toda a história com uma câmera?), A Visita já começa implausível: uma mãe envia seus filhos de 15 anos a uma cidade isolada para que eles conheçam os avós hoje completos estranhos e distantes há quase duas décadas. Assim, sem nem pegar um telefone para combinar qualquer coisa. Que senso maternal de proteção ela tem! Além da protagonista madura demais para alguém da sua idade e da completa falta química entre os jovens e os avós, o filme tem ideias já exploradas à exaustão no gênero, como a casa de difícil acesso no meio da floresta e personagens que precisam chegar a situações extremas para finalmente constatar o quão perigoso ou no mínimo sinistro é o lugar onde estão. A proposta de fazer um projeto mais comedido e menos ambicioso pode ser um mérito de Shyamalan, mas aí usar isso para ir à raiz do básico contando uma história manjada em tensão e ideias… Nem com a mudança de ares dá para se entusiasmar.
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