Demorou apenas três anos para que Meryl Streep ganhasse o seu segundo Oscar. O feito não é comum até os dias de hoje, mas basta conferir A Escolha de Sofia para entender a urgência do prêmio. Aliás, mesmo se tivesse dezenas de Oscars em casa, Meryl ganharia mais um pela atuação no filme de Alan J. Pakula. Isso porque não é nenhuma hipérbole afirmar que seu desempenho como a sofrida Sofia Zawistowska está entre os mais marcantes já entregues ao cinema. Fora ter aprendido a falar polonês e alemão em questão de poucos meses, ela mergulha por completo nos complexos dilemas da personagem e consegue, inclusive, vencer todos os problemas do roteiro escrito pelo próprio Pakula, que insiste em perder um tempo precioso ao colocá-la à beira de um triângulo amoroso repetitivo e tedioso.
Em termos históricos, não há o que se reclamar de A Escolha de Sofia. Além de irrepreensíveis para a narrativa (eles justificam com perfeição as razões e os comportamentos de Sofia no presente), as passagens exploram o nazismo de forma atípica. Aqui, os campos de concentração não são encenados com torturas ou câmaras de gás, mas sim com detalhes sufocantes, como no momento em que a protagonista caminha com janelas ao fundo onde enxergamos apenas os braços de pessoas aprisionadas clamando por socorro. Nós não precisamos ver o que acontece lá dentro – e deixar isso para a imaginação é muito mais impactante. Outra escolha preciosa é mostrar os bastidores das vidas das pessoas que cometiam tais atrocidades, uma vez que Sofia passa a trabalhar na casa de uma família nazista.
Toda a força histórica só não é diluída no filme porque sua construção é realmente poderosa. Sem esses momentos, A Escolha de Sofia seria um verdadeiro tédio. Ao escrever o roteiro com foco em Stingo (Peter MacNicol), um jovem escritor que encontra no convívio com o casal Sofia e Nathan (Kevin Kline) o que faltava para seu desabrochar artístico, Pakula dá voltas e mais voltas para sempre cair no estereótipo do casal “entre tapas e beijos”. Não demora muito para que o espectador compreenda o fascínio de Stingo por Sofia ou então o porquê dela suportar o comportamento inconstante de seu namorado. Por isso, A Escolha de Sofia bate demais na mesma tecla, o que testa a paciência de qualquer um em relação àquele quase triângulo amoroso entre os três.
Se A Escolha de Sofia construísse no presente questionamentos e problemáticas suficientes para serem explicados posteriormente pelo passado (que só começa a aparecer após cerca de 90 minutos de duração), a escolha de mostrar tardiamente a vida nazista de sua protagonista seria perfeitamente compreensiva. Não é o que acontece e, com isso, vem a velha – e incômoda – sensação de que existem dois filmes dentro de um. O elo entre presente e passado não é forte, incluindo quando Pakula coloca na tela a tão esperada cena-título. Resultado: ela é guardada para ser explicada a partir de uma desculpa quase rasa (é difícil crer que a protagonista abriria este momento tão doloroso para alguém daquela maneira apenas para não ter que simplesmente negar um convite). Por outro lado, a transição para os flashbacks é estupenda, pois colocar a câmera grudada no rosto de Meryl enquanto ela conta sua história olhando diretamente para o espectador cria uma conexão tremenda entre ela e quem está no lado de cá do filme.
Irretocável, Meryl Streep irradia como a encantadora Sofia, hoje uma mulher aparentemente feliz ao lado de Nathan (e nesta fase seu sotaque é algo absurdamente natural), mas também parte o coração como um ser humano colocado em uma situação simplesmente inimaginável. A cena de sua escolha em específico é uma das mais brutais já realizadas. Concebida sem nenhuma intervenção (não existe trilha ou qualquer artifício nela, deixando a crueza falar por si só), a sequência foi gravada apenas uma vez, já que Meryl se negou a repeti-la tamanha a dor que sentiu ao se colocar na situação da personagem. Esse é o maior testamento do porquê dessa atuação ser uma das mais emblemáticas: é verdade que a prótese dentária, o alemão, o polonês e a perda e o ganho de peso realmente impressionam na atuação de Meryl, mas Sofia Zawistowska só se tornou histórica por ser interpretada uma pessoa que não hesita em se colocar por completo na pele do personagem.
Existe outra escolha que Sofia faz ao final do filme, e é uma que será de importância emblemática para a sua vida repleta de feridas. É com uma nova decisão que A Escolha de Sofia encerra com notável emoção o relato desta mulher que sobreviveu a uma das decisões mais impossíveis que a vida pode impôr, simbolizando com perfeição a ideia de que algumas dores podem nunca ser superadas. Com este momento, pontuado pelo belo tema de Marvin Hamlisch, finalmente o filme compreende a força de uma narrativa que, ao lidar com diferentes tempos, precisa ter uma conexão especial para que tais épocas conversem. Infelizmente, é somente aos 45 do segundo tempo que Pakula se atenta a isso, o que não faz com que a sensação do quase tédio relacionado ao cansativo relacionamento entre os três personagens principais desapareça. Se não fosse por esse grande tropeço, A Escolha de Sofia seria grande como filme e não apenas como um dos momentos mais inesquecíveis da maior atriz que temos e ainda podemos ver atuando.