Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto foi o adeus do mestre Sidney Lumet. Falecido em 2011 aos 86 anos, o diretor de clássicos como 12 Homens e Uma Sentença e Rede de Intrigas se despediu em grande estilo. Ao dar vida a um inteligentíssimo roteiro da iniciante Kelly Masterson (que recentemente voltou à ativa com a boa ficção Expresso do Amanhã), Lumet realizou um filme cuja estrutura se assemelha muito a de filmes como Fargo – Uma Comédia de Erros, onde um crime aparentemente infalível dá errado e coloca os personagens em uma espiral de acontecimentos trágicos e imprevisíveis. Não se engane, entretanto, ao pensar que o resultado somente reproduz uma fórmula com competência: Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto tem autenticidade – e uma das mais fortes criadas por Lumet ao longo de sua vasta carreira.
Começando com um assalto à joalheria da família planejado pelos dois irmãos do clã (Ethan Hawke e Philip Seymour Hoffman), o longa se utiliza de uma narrativa não-linear para voltar aos dias que levaram à decisão do crime e depois avançar mostrando as consequências do plano mal sucedido. Mais do que isso, constrói a sua estrutura a partir de três pontos de vista: o do filho mais velho e supostamente bem realizado (Hoffman), o do caçula endividado com uma filha para sustentar (Hawke) e futuramente o do patriarca vivido por Albert Finney. Nada relacionado ao formato do filme vem para esconder uma história simplista. Bem pelo contrário. Além da fórmula por si só funcionar em termos de suspense (o resultado fica cada vez mais instigante na medida em que as razões e consequências dos personagens começam a se encaixar), a essência dramática é muito bem conduzida, com personagens de personalidades marcantes e motivações extremamente críveis.
Como um drama familiar, Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto é excepcional. Mesmo que não acompanhemos propriamente o cotidiano compartilhado entre os membros da família, conseguimos entender perfeitamente como funcionam suas interações. Em pouco tempo, já se percebe de forma crível como o irmão mais velho manipula o mais novo com assustadora facilidade ao mesmo tempo que descobrimos pouco a pouco todas as mágoas entre o primogênito e o pai (em uma cena que só poderia ter a intensidade apresentada nas mãos de grandes atores como Hoffman e Finney). Só que Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto vai além e também nos reserva um estudo individual fascinante de seus personagens – além, claro, de dar a devida chance a um elenco de gigantes. Hoje, por sinal, chega a ser até doloroso ver Hoffman tão extraordinário como um homem frustrado que secretamente se droga com heroína (para quem não sabe, o ator foi encontrado morto aos 46 anos de idade justamente com 50 pacotes da droga em sua casa).
Menos movimentado em sua adrenalina e mais contundente na forma como encena seus conflitos dramáticos, Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto pode ser um tanto decepcionante para quem espera um suspense repleto de tomadas de tirar o fôlego. Estamos falando, na realidade, de um poderoso drama com toques de suspense – o que só deve ser rejeitado por quem aprecia obras de fácil digestão (e certamente não é o caso dessa). Durante quase duas horas, Sidney Lumet nos leva para dentro da total desestruturação de uma família e principalmente do desmoronamento de vidas várias vidas pessoais. Os mais otimistas talvez não embarquem em toda a negatividade que toma conta do longa especialmente a partir de seu final, cuja cena derradeira chega a ser perturbadora de tão crua, mas estruturalmente e conceitualmente Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto é tão sólido que fica difícil arranjar desculpas para depreciá-lo. Foi uma grande despedida, Sidney Lumet!
“Antes que o Diabo Saiba que Você está Morto” é um grande filme. Sarcástico, com um excelente roteiro e uma direção de atores (especialidade de Lumet) afiadíssima. Uma despedida à altura do grande diretor que ele foi!
Kamila, o filme só cresceu comigo nessa revisão. E você está corretíssima: é uma despedida à altura do que Lumet foi!