Caminhos da Floresta

Children can only grow from something you love to something you lose…

intowoodsposter

Direção: Rob Marshall

Roteiro: James Lepine, baseado em musical de autoria própria e de Stephen Sondheim

Elenco: Emily Blunt, James Corden, Meryl Streep, Anna Kendrick, Chris Pine, Johnny Depp, Christine Baranski, Tracey Ullman, Lilla Crawford, Daniel Huttlestone, Tammy Blanchard, Lucy Punch, Mackenzie Mauzy, Billy Magnussen, Joanna Riding

Into the Woods, EUA/Reino Unido/Canadá, 2014, Musical, 125 minutos

Sinopse: Um padeiro e sua mulher (James Corden e Emily Blunt) vivem em um vilarejo, onde lidam com vários personagens famosos dos contos de fadas, como Chapeuzinho Vermelho (Lila Crawford). Um dia, eles recebem a visita da bruxa (Meryl Streep), que é sua vizinha. Ela avisa que lançou um feitiço sobre o casal para que não tenha filhos, como castigo por algo feito pelo pai do padeiro, décadas atrás. Ao mesmo tempo, a bruxa avisa que o feitiço pode ser desfeito caso eles lhe tragam quatro objetos: um capuz vermelho como sangue, cabelo amarelo como espiga de milho, um sapato dourado como ouro e um cavalo branco como o leite. Eles têm apenas três dias para encontrar tudo, caso contrário o feitiço será eterno. Decididos a cumprir o objetivo, o padeiro e sua esposa adentram na floresta. (Adoro Cinema)

intowoodsmovie

Rob Marshall sempre dá um jeito de voltar aos musicais. Entre filmes como Memórias de Uma Gueixa e Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas, sempre existiu uma nova investida do diretor no gênero. Nenhuma de suas realizações, entretanto, conseguiu sequer chegar perto do prestígio e do suposto brilhantismo de Chicago, longa-metragem de estreia de Marshall nos cinemas que, inclusive, chegou a lhe render uma indicação ao Oscar de melhor diretor. Já não compartilho qualquer entusiasmo pelo musical estrelado por Renée Zellweger e Catherine Zeta-Jones (lá já era possível ver os defeitos que afundariam outros trabalhos do diretor como a excessiva teatralidade e os números ambientados praticamente todos em um mesmo ambiente), mas é consenso geral que sua filmografia nunca mais decolou depois desse projeto. Infelizmente Caminhos da Floresta, outra investida em musicais de Marshall, é mais uma prova – e talvez a mais contundente delas – de que Chicago realmente foi um golpe de sorte. Ou de que o diretor foi, desde sempre, uma farsa que sabe-se lá como o mundo comprou entusiasmadamente.

Adaptado do tradicional espetáculo homônimo tão popular nos Estados Unidos, Caminhos da Floresta se tornou a maior estreia de uma versão cinematográfica da Broadway no país, faturando 46 milhões de dólares somente no primeiro final de semana. Claro que o sucesso está aliado ao fato de que o filme também é da Disney, tem apelo infantil e ainda brinca com várias figuras dos contos de fada, mas as grandes referências vêm mesmo da origem teatral, já que Caminhos da Floresta já foi encenado por muitas gerações nas escolas estadunidenses. Não se engane, no entanto, ao pensar que este é um filme meramente de fantasia que reúne várias figuras clássicas como Rapunzel e Cinderela. Não. Caminhos da Floresta é obviamente um musical nato, de diálogos cantados e canções que estão longe de serem melódicas ou grudentas (Sweeney ToddOs Miseráveis são os exemplares mais próximos conceitualmente deste filme no cinema recente). Ou seja, sente na poltrona com bastante paciência (caso você não curta o gênero) porque lá vem muita cantoria! Todas as referências de respeito, as possibilidades musicais e as ideias potencialmente criativas são, contudo, perdidas pela má direção de Marshall e pelo roteiro empoeirado de James Lepine (autor do espetáculo original ao lado de Stephen Sondheim).

Caminhos da Floresta é repleto de conceitos errados, indo totalmente contra a onda de subversão de ideias e valores que a Disney vinha trabalhando em produções como Frozen – Uma Aventura CongelanteMalévola. Enquanto no primeiro a mocinha da história descobria que o amor verdadeiro não precisa vir necessariamente de um homem, no segundo a vilã de A Bela Adormecida se humanizava e tinha seu outro lado da moeda revelado. Já em Caminhos da Floresta, se um personagem trai alguém, morre logo na cena seguinte (só se for uma mulher, claro). Na composição da família, o clã feminino serve só para cuidar dos filhos e faxinar. Quando começa uma batalha, os homens tomam as rédeas e as mulheres só ficam encolhidas embaixo da árvore sem qualquer utilidade. Se existe qualquer abordagem além desse sexismo, o filme vai a extremos: a ambição é algo descabido e caricatural como na personagem de Christine Baranski e a interessante superproteção de uma mãe em relação a filha vem apenas de uma bruxa velha e horrorosa. Tudo é um retrocesso gigantesco que em nada parece ter sido pensado para as plateias de hoje e, principalmente, para os padrões de conceitos que a Disney vinha quebrando.

O musical de Rob Marshall traz a sempre bem-vinda lógica de que é a música que deve guiar a história e não o inverso, mas nem isso ajuda Caminhos da Floresta a impressionar narrativamente. Tudo é muito antiquado (e não em um sentido de homenagem clássica, como poderia ser), com uma miscelânea de contos que curiosamente não instiga e muito menos se mostra prolífera em ideias. Encontrar Chapeuzinho Vermelho, João e seu pé de feijão, Rapunzel, a Bruxa, o Lobo Mau e tantas outras figuras icônicas não empolga em momento algum. Inclusive, agrupar todos em um mesmo filme deixa vários como coadjuvantes ou então figurantes (a pobre Rapunzel nada pode fazer além de dizer uma ou duas frases quando é trancafiada em casa pela mãe ou tentar chorar enquanto Meryl Streep arrasa com Stay With Me, uma das mais belas canções do repertório). O visual tampouco impressiona, dos figurinos à direção de arte – o que é um grande problema.

Em Caminhos da Floresta ainda existem dois filmes dentro de um: a partir do momento em que a trama se movimenta com o surgimento de uma gigante, a sensação é de que outro longa muito menos interessante se inicia, com conflitos bastante pobres, acontecimentos tratados com descaso (a morte de uma personagem sequer tem um pingo de dramaticidade) e obviamente o auge dos já comentados sexismos e moralismos. O elenco até que se esforça para segurar a barra e quem mais se garante entre os protagonistas é certamente a adorável dupla James Corden e Emily Blunt. Mas é fácil ver que Marshall também parece ter perdido o tino para dirigir atores (em Nine ele já desperdiçava Judi Dench e deixava Penélope Cruz fazer mais do mesmo, por exemplo) e aqui parece não ter estabelecido nenhum diálogo de criação com diversos atores, sendo o pior caso o de Chris Pine, que, além de ter o número musical mais vergonhoso da história (aquele em que canta Agony! na cachoeira), consegue ser incrivelmente canastrão em cada segundo de suas aparições.

Com esse acúmulo enorme de erros, só a presença de Meryl Streep já seria o suficiente para oxigenar Caminhos da Floresta em certas passagens.  Só que, independente do resto do filme, a atriz realmente ficou com as melhores músicas e os melhores momentos. Ela é o grande destaque do musical não só por ser uma cantora nata (desde criança já estava no mundo das artes fazendo aulas de canto), mas porque sua personagem é realmente a que tem o contexto mais marcante. Torcer por vilões já é fácil por si só e o que dizer, então, quando a antagonista da história é a personagem que tem o melhor arco? Não à toa, quando a Bruxa não está em cena, é bem provável que você se pegue ansioso por sua próxima aparição. Talvez seja Meryl a única responsável por nos dar força para continuar acompanhando Caminhos da Floresta até o final. Sem ela, este seria um dos musicais mais desastrosos em sabe-se lá quanto tempo. Novamente, Meryl veio para (quase) salvar o dia.

9 comentários em “Caminhos da Floresta

  1. Matheus, gostei muito de “Caminhos da Floresta” e, francamente, discordo em vários pontos de sua crítica. De modo algum o musical se torna um retrocesso diante da atualização do arsenal de contos de fadas que a Disney vem promovendo – não à toa, o projeto recebeu muitas negativas para ser levado ao cinema justamente por subverter tudo o que fora estabelecido por este universo. Me concentrando somente no filme (e não no espetáculo que o inspirou), aqui se vê as origens mais obscuras dos contos de fadas, alguns muito antes de passar pelas mãos dos irmãos Grimm. Além do mais, o filme sequer é preconceituoso ou machista. Entrando nos spoilers, a morte da mulher do padeiro não é uma consequência direta para um ato de traição, mas uma tragédia que a abate assim como metade daquele ambiente – afinal, há também a morte da família da Chapeuzinho e da mãe de Jack. Também me soa inadequado chamar Rob Marshall de uma enganação, por menos que se goste dele. Ele é um diretor totalmente comprometido com o elenco, que não fica confortável em sua cadeira deixando que todos façam o seu trabalho. Pelo contrário, ele é um coreógrafo notável e participativo como nenhum outro no processo de construção de cenas musicais. Também lamento a ausência de uma análise sobre como tudo se converte em um espelho sobre a construção de uma sociedade e o quanto os desejos individuais e os valores que carregamos para a existência de estereótipos determinam o seu rumo.

    • Alex, não fiz uma análise sobre os assuntos que você mencionou ao final do comentário porque simplesmente “Caminhos da Floresta” não me passou nada disso. Sobre o caso de Emily Blunt (spoiler alert): é no mínimo estranho a morte dela vir justamente logo após a tal traição. Talvez seja uma questão de timing mesmo porque a morte é executada de forma completamente aleatória, o que reforça a minha ideia de que parece algo do tipo “vamos matá-la para não termos que desenvolver mais esse conflito”. Pelo menos conversei com alguns amigos e não fui o único a ter essa sensação de machismo com a cena. Já sobre Rob Marshall… Ele pode até ser comprometido musicalmente (não nego que “Chicago” é um filme muitíssimo bem coreografado e com uma boa lógica narrativa envolvendo a música), mas é fato que depois desse filme todos os seus filmes vão do indiferente ao tédio, com os musicais se encaixando mais nessa segunda definição. A música pode até ter seus momentos, mas tramas como a de “Nine” e agora “Caminhos da Floresta” são um verdadeiro engôdo!

      • Matheus, esses temas são bem claros em “Caminhos da Floresta” e você só processou um machismo que inexiste? Acho que isso é um pouco de má vontade com o diretor. Rob Marshall sempre adorou personagens femininas, sendo elas as grandes estrelas de seu filme (até mesmo no quarto “Piratas do Caribe” há uma Penélope Cruz que não se deixa ofuscar por Johnny Depp). Encaro mais a morte da Mulher do Padeiro como uma consequência do acúmulo de desejos inadequados de todos aqueles personagens do que uma consequência direta de sua traição.

  2. Qualquer desempenho de Meryl Streep merece um Oscar! ;-) Já li e ouvi muitas críticas negativas ao filme, inclusive quanto ao guarda-roupa. Minhas expectativas estão beeeem baixas.

  3. Assisti a esse filme hoje e confesso que achei o musical muito irregular. Acredito que a história se estende demais. Não entendi algumas subtramas, como aquele lance final entre o príncipe e a personagem da Emily Blunt. No mais, acho que o elenco foi o grande destaque de “Caminhos da Floresta”, pra mim.

    • Kamila, para mim, “Caminhos da Floresta” é um filme completamente sem ritmo! Existe um claro problema de timing nessa história, que fica de ponta-cabeça com a entrada do tal gigante. E o envolvimento do príncipe com a Emily Blunt ainda é um mistério pra mim.

  4. Não achei merecida a indicação de Meryl Streep ao Oscar. Ressuscitando sem inovar e sem racionalizar as fábulas, que por muitos anos nos encantaram, “Caminhos da Floresta” só ratifica Rob Marshall como um diretor que todos ainda equivocadamente persistem em dar-lhe confiança, mesmo com os seus atributos cada vez mais em baixa e transparecendo cada vez mais suas limitações e seus defeitos. No que o universo infantil cinematográfico é um produto para crianças, jovens, adultos e idosos, o filme acaba sendo um prato cheio para afugentar todas as idades.

    • Brenno, mas quem indicar em um ano que nem a favorita chega a estar espetacular? Se fosse um ano realmente forte e repleto de opções, consideraria injusta a inclusão de Meryl – o que, ao meu ver, não é o caso!

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