Direção: Jorge Furtado
Roteiro: Jorge Furtado
Elenco: Antônio Carlos Falcão, Eduardo Cardoso, Elisa Volpatto, Evandro Soldatelli, Irene Brietzke, Ismael Caneppele, Janaina Kremer, Marcos Contreras, Mirna Spritzer, Nelson Diniz, Sérgio Lulkin, Thiago Prade, Ursula Collischonn, Zé Adão Barbosa
Brasil, 2014, Documentário, 94 minutos
Sinopse: O Mercado de Notícias traz depoimentos de 13 importantes jornalistas brasileiros sobre o sentido e a prática da profissão, as mudanças na maneira de consumir notícias e o futuro do jornalismo. O filme reflete casos recentes da política brasileira, onde a cobertura da imprensa teve papel de grande destaque.
No caso específico de O Mercado de Notícias, é necessária uma ratificação particular: sou jornalista formado. Por isso, quando conferi este novo filme do gaúcho Jorge Furtado, não consegui me eximir de comparações e análises quanto ao meu próprio cotidiano como jornalista – e também quanto a tudo que discuti e aprendi em disciplinas teóricas na faculdade. A proposta de O Mercado de Notícias vem em um momento bastante simbólico no que se refere a forma como sinto e vivencio os momentos jornalísticos atuais.
Fora a óbvia desvalorização da profissão que aconteceu nacionalmente anos atrás com a decisão da ausência de diploma para se exercer a profissão e a intensa influência da internet na produção de notícias, inúmeros fatores contribuíram para a confusão conceitual que assombra a profissão nos dias de hoje. O reflexo se vê nas mais diferentes frentes. Recentemente, aqui no Rio Grande do Sul, o maior grupo de comunicação demitiu aproximadamente 100 jornalistas sem explicações muito convincentes. O jornal de maior referência em Porto Alegre também repaginou por completo suas diretrizes (de layout e conteúdo) após décadas de estilo consolidado – e o resultado não deu muito certo: foi quase unânime a rejeição do público. São tempos difíceis para o Jornalismo e um debate sobre a profissão precisava ser urgentemente suscitado.
Afastado da produção de longas-metragens para o cinema desde 2007, quando realizou o divertido Saneamento Básico, Jorge Furtado revela, logo no início de O Mercado de Notícias, que sua reflexão não se baseia em inquietações negativas sobre a profissão e sim em uma convocação pessoal de profissionais do ramo que admira para um panorama do Jornalismo atual. E é bem provável que seja exatamente neste ponto que o seu mais novo filme (o primeiro documentário em longa) não consiga sair de um certo lugar comum apesar das boas tentativas (muitas delas bem sucedidas). Como jornalista, percebo que os assuntos discutidos em O Mercado de Notícias não se distanciam muito dos tópicos levantados por meus professores ainda lá em 2009, quando comecei a cursar a faculdade.
Não que debater a relação jornalista X fonte ou valor-notícia não sejam mais iniciativas válidas (sempre serão), mas o problema é que estas questões, quando não colocadas na situação atual da profissão, se tornam extremamente genéricas. Terminou-se aquela idealização de repórter que só tem como missão sair às ruas atrás da verdade. Hoje o jornalista é um faz-tudo e se vira nos 30 em tempos que a convergência das mídias desnorteia cada vez mais os rumos da profissão. Desta forma, é particularmente um tanto decepcionante o fato de que, por exemplo, assuntos como o advento da internet e sua consequente indagação sobre o fim do jornal impresso cheguem ao filme apenas quando ele já está prestes a terminar.
Jorge Furtado tem ideias – e boas. Quando questiona valores-notícia e disseca manchetes curiosas (como uma denúncia infundada sobre o INSS ostentar um quadro de Picasso na mesma sala que pendurava um retrato do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva), O Mercado de Notícias alcança os seus melhores momentos. Também é bastante válida a ideia do diretor de não revelar a os veículos de comunicação de seus entrevistados, o que elimina a chance de alguém fazer qualquer acusação de que o filme toma lados políticos ou prioriza determinadas visões editoriais. O máximo que se deduz é que um determinado entrevistado seja da Folha de São Paulo devido a livros que aparecem ao fundo.
O filme de Furtado intercala seus depoimentos com trechos da peça The Staple of News, escrita pelo inglês Ben Jonson em 1625, e traduzida pelo próprio Furtado e Liziane Kugland. A comédia de Jonson, montada e encenada especialmente para a produção do filme, revela uma visão crítica sobre o surgimento da imprensa de notícias, com seus riscos e benefícios. A decisão de levar a peça para o filme é acertada, pois ela traz a irreverência e a originalidade que Furtado, de certa forma, não apresenta na parte academicamente documental.
Novamente, esta é uma obra que ganha um olhar completamente diferente de minha parte dado o fato de que exerço a profissão que é debatida ao longo dos 94 minutos de projeção. Tomando um pouco de distância desta identificação, o que consigo enxergar é um documentário simples mas eficiente e que, em seu discurso quase genérico, presta um bom serviço ao público em geral sobre a valorização de uma profissão cada vez mais desvalorizada e que está em busca de uma nova identidade. Sendo assim, Jorge Furtado continua com 100% de aproveitamento na sua carreira de longas.
Kamila, como disse no texto, não sei se, para jornalistas, este é um filme que agrega tanto… Mas é um filme necessário, sem dúvida!
Excelente texto, Matheus. Ainda não tinha ouvido falar sobre essa obra. Como sou jornalista também, de formação, fiquei muito interessada, ainda mais pela discussão que a obra parece suscitar.