Have a drink with your old man. Be somebody!
Direção: Alexander Payne
Roteiro: Bob Nelson
Elenco: Will Forte, Bruce Dern, June Squibb, Bob Odenkirk, Stacy Keach, Mary Louise Wilson, Rance Howard, Tim Driscoll, Devin Ratray, Angela McEwan, Glendora Stitt, Elizabeth Moore, Kevin Kunkel, Dennis McCoig
EUA, 2013, Drama, 115 minutos
Sinopse: Woody Grant (Bruce Dern) é um homem idoso que acredita ter ganho US$ 1 milhão após receber pelo correio uma propaganda. Decidido a retirar o prêmio, ele resolve ir a pé até a distante cidade de Lincoln, em Nebraska. Percebendo que a teimosia do pai o fará viajar de qualquer jeito, seu filho David (Will Forte) resolve levá-lo de carro. Só que no caminho Woody sofre um acidente e bate com a cabeça, precisando descansar. David decide mudar um pouco os planos, passando o fim de semana na casa de um de seus tios antes de partir para Lincoln. Só que Woody conta a todos sobre a possibilidade de se tornar um milionário, despertando a cobiça não só da família como também de parte dos habitantes da cidade. (Adoro Cinema)
Alexander Payne é um mestre em premissas que muitos definem como “convencionais”. Só que, na verdade, como bem apontou a jornalista Isabela Boscov, ele ainda é um dos poucos cineastas que contam histórias que ninguém mais quer contar. Na busca pelo novo e pelo extraordinário, o cinema tem se esquecido de valorizar as pequenas coisas da vida, como o próprio Payne já celebrou em vários trabalhos de sua filmografia. O cotidiano escolar e competitivo em Eleição e a confusa solidão de um senhor recentemente aposentado e viúvo em As Confissões de Schmidt, por exemplo, colocaram o diretor como uma referência em histórias sobre pessoas como eu e você. Histórias essas que Payne sempre contou com inteligência, melancolia e inúmeras reflexões.
De uns tempos para cá, contudo, o diretor vinha em uma acentuada escala de retrocesso. Desde As Confissões de Schmidt – sua obra mais interessante -, a banalização apontada pelos detratores de fato passou a tomar conta também das próprias escolhas narrativas e estéticas do diretor. E, curiosamente, foi justamente a partir de trabalhos convencionais inclusive em texto que ele passou a ser celebrado pelas premiações. Não sou fã de Sideways por motivos particulares, mas o ápice do adestramento de Payne foi mesmo com Os Descendentes, que funcionava única e exclusivamente em função de George Clooney e Shailene Woodley. Assim, nenhuma novidade ter preguiça com Nebraska, o mais recente trabalho de Payne. O que eu não esperava, no entanto, era ser completamente surpreendido pelo longa, que é simplesmente o melhor do diretor em anos.
Alexander Payne voltou a ser Alexander Payne nesse filme estrelado por Will Forte e Bruce Dern. Sua capacidade de explorar o que existe de mais sutil e fascinante em personagens da vida real está de volta aqui. O preto-e-branco faz todo o sentido para ilustrar essa história que deve ter o maior elenco idoso que o cinema já viu – o que é especialmente interessante, visto que o verdadeiro protagonista da história é um adulto de meia-idade inserido neste meio. É por meio do convívio com familiares e de uma viagem em especial que realiza com o pai que David (Forte) passa a construir não apenas a distante identidade de um pai que parece viver em uma outra órbita, mas a dele próprio, que vem de um relacionamento fracassado e de uma vida que parece não lhe inspirar muita felicidade em tempos que o irmão jornalista foi promovido com sucesso na TV.
A viagem de David com Woody (Dern) é, de certa forma, uma fuga para o primeiro, que alega pegar a estrada apenas para não destruir de imediato os sonhos loucos do pai, que acha que virou milionário e precisa viajar para buscar o prêmio. David diz que deseja apenas manter um pouco mais a fantasia do patriarca, que, já bastante idoso, sabe-se lá quanto tempo ainda tem de vida. Só que existem muitas outras pautas em Nebraska que estão sutilmente escondidas no roteiro original de Bob Nelson. São fascinantes as pinceladas que o texto dá para formar a figura do pai vivido por Dern. Enquanto uma mulher previamente apaixonada por Woody diz que ele era encantador na juventude, os amigos dizem que ele tinha irremediáveis problemas com bebida. Ao passo que a mãe reclamona alega que o grande erro da vida de Woody foi acreditar demais nas pessoas, na sequência ela já revela um passado conturbado dele: quando criança, viu o irmão morrer no quarto em que ambos dividiam.
É uma jogada muito esperta a de Payne e Nelson de colocar toda a figura de Woody na boca dos outros personagens. Não é um caminho fácil, mas a dupla foi muito bem sucedida, já que também acerta ao apresentá-lo como um pai que parece preferir a vida em uma outra dimensão para não ter que lidar com uma esposa praticamente insuportável, uma família distante e uma vida mediana e vazia. “Se ele realmente estiver milionário, vou usar o dinheiro para colocá-lo em um asilo!”, diz a matriarca. E é exatamente disso que Woody quer escapar ao viver em sua própria bolha: de uma árvore genealógica cuja dinâmica é cercada de críticas, acidez e impaciência – mesmo que ele próprio tenha absorvido e reproduzido muito desses comportamentos.
Nebraska é um road movie, um olhar crítico e rabugento da terceira idade, um relato sobre comunicação entre gerações e um belo estudo sobre como pais influenciam filhos e vice-versa. Tudo com a devida calma e sutileza, trazendo aquela sensação tão frequentemente errada de que nada está acontecendo. Existe muito de As Confissões de Schmidt aqui: a terceira idade, o mau humor, a humanidade dessa última fase da vida e o retorno às origens em uma viagem interior. Porém, por mais melancólico que o filme seja em diversas partes (e o excelente desempenho de Bruce Fern é a grande força desse triste sentimento que o filme passa), ele também é muito bem resolvido em seu humor. Da comédia mais genuína a questões familiares super delicadas, Nebraska cria, portanto, um núcleo familiar fantástico, onde até os extremos mais previsíveis funcionam (o filho bem sucedido mas distante, o filho próximo mas praticamente fracassado, etc).
Em suma, não espere uma produção de grandes momentos, reviravoltas reveladoras ou afins. Alexander Payne não é disso. Nunca foi. E é admirável como mesmo narrando situações tão cotidianas ele consiga um excelente ritmo, tornando Nebraska um longa de humor vívido, de dramas discretíssimos, de memórias dolorosas e de projeções esperançosas. É o filme do Oscar 2014 que ninguém vai ver (totalizou seis indicações e não levou nenhuma), que poucos vão sequer saber da existência ou muito menos amar. Mas realmente é uma pena que seja assim, pois é um dos grandes momentos da carreira de Payne e certamente uma das melhores experiências desse início de ano.
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Kamila, “Sideways” e “Os Descendentes” são, na minha opinião, filmes COMPLETAMENTE superestimados. E já estava achando que o Alexander Payne faria apenas filmes assim. Sorte que “Nebraska” é uma baita virada no jogo!
Hugo, voltei a curtir de verdade os trabalhos do Alexander Payne com esse “Nebraska”. Fui pego de surpresa.
Edson, expliquei nesse post: https://cinemaeargumento.wordpress.com/2014/02/24/uma-nova-fase/
Por que as críticas não tem mais as notas? Gostava tanto…
Gosto dos trabalhos de Payne, suas histórias e personagens são simples, muito próximos de pessoas e situações verdadeiras.
Vale destacar a ótima atuação de Bruce Dern, ator que há mais de vinte anos não tinha um bom papel.
Abraço
Vou ser bem sincera ao confessar que acho Alexander Payne um dos cineastas mais superestimados da atualidade. Apesar disso, tenho curiosidade em assistir a “Nebraska” por causa do meu gosto pessoal por road movies. Adoro a forma como esses filmes mostram as transformações pelas quais passam as personagens.