The past is just a story we tell ourselves.
Direção: Spike Jonze
Roteiro: Spike Jonze
Elenco: Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson (voz), Amy Adams, Rooney Mara, Chris Pratt, Matt Letscher, Artt Butler (voz), May Lindstrom, Bill Hader (voz), Spike Jonze (voz), Brian Johnson, Luka Jones, Brian Cox (voz)
Her, EUA, 2013, Drama, 126 minutos
Sinopse: Theodore (Joaquin Phoenix) é um escritor solitário, que acaba de comprar um novo sistema operacional para seu computador. Para a sua surpresa, ele acaba se apaixonando pela voz deste programa informático, dando início a uma relação amorosa entre ambos. Esta história de amor incomum explora a relação entre o homem contemporâneo e a tecnologia. (Adoro Cinema)
Amar é realmente algo complicado. O quarteto britânico Keane diz, na canção Spiralling, que, quando nos apaixonamos, estamos, na realidade, nos apaixonando por nós mesmos. Isso tem um fundo de verdade: quando entramos em uma relação, queremos alguém capaz de suprir as nossas necessidades, as nossas angústias e a nossa vontade de escapar da solidão. Sim, de certa forma, realmente nos apaixonamos por nós mesmos. Por isso, não dá para julgar, de forma alguma, o fato de Theodore (Joaquin Phoenix), o protagonista de Ela, apaixonar-se por Samantha (voz de Scarlett Johansson), um sistema operacional de computador que tem inteligência e responde a exatamente tudo que o protagonista precisa. Se ele se sente só, lá está ela para confortá-la. Se ele precisa trocar juras de amor, ela também se mostra disponível a isso. Mas seria fácil definir Ela como uma história sobre a solidão em tempos virtuais. Seria fácil se esse não fosse um filme de Spike Jonze, diretor que está muito mais preocupado com as questões íntimas de seu protagonista do que com o contexto em que elas acontecem.
De certa forma, é surpreendente que um filme como Ela leve a assinatura de Spike Jonze. Conhecido por sua inegável inventividade, ele nunca foi um diretor intimista. Suas originalidades, inclusive, ganhavam contornos especificamente excêntricos em longas como Quero Ser John Malkovich e Adaptação, que estavam bem longe de ser atraentes para um público maior. Se a princípio poderia ser estranha a ideia de Jonze contar uma história melancólica como a de Ela, não demora muito para o espectador perceber que ele tem sim tino para tal investida. Algumas de suas particularidades estão ali (percebam o curioso contraste entre o design de produção quase futurístico e os figurinos antiquados e formais do protagonista), mas é de fato algo novo para o diretor, agora mais focado nas questões do coração e da vida. Em tese, a proposta não deixa de ser atípica, mas nada em Ela puxa para esse lado. Tanto que o fato de Theodore estar apaixonado pela tal voz de computador é encarado de forma natural por todos, que também parecem partilhar da mesma solidão e necessidade de ter alguém (ou algo?) incondicionalmente presente.
Não se engane, entretanto, ao pensar que Ela negligencia a realidade. Ali está Catherine (Rooney Mara), ex-eposa de Theodore, para também mostrar o outro lado da moeda e dizer que é uma completa loucura essa paixão por algo virtual. E ela faz tal acusação não criticando o programa virtual, mas ressaltando a ideia de que a questão é o próprio protagonista, que se entrega à Samantha porque simplesmente não consegue lidar com os percalços de um relacionamento real. Para Catherine, ele quer a perfeição que não conseguiu encontrar em uma relação com ela – e que, obviamente, não encontrará em um relacionamento com qualquer pessoa de carne e osso. Por isso, Ela ganha o espectador como o retrato atemporal de uma busca que, conscientemente ou não, todos nós fazemos. Ainda é fácil se conectar com Theodore, seja pela sua incapacidade de seguir em frente após um doloroso divórcio ou por sua espera por alguma novidade na vida. E, quando ele diz que já sentiu todo o que tinha para sentir e que tudo a partir de agora será apenas uma variação inferior de antigos sentimentos, Ela também se torna ainda mais melancólico no (quase) monólogo que proporciona ao seu personagem.
Repleto de citações marcantes (“O passado é apenas uma história que contamos para nós mesmos”, “O amor é a única insanidade socialmente aceita”), o longa de Jonze acerta na reflexão das relações, seja com alguém ou com nós mesmos. Dando rosto ao melancólico Theodore está Joaquin Phoenix, um ator que mostra que, em tempos que parece cada vez mais frequente a perda de grandes gênios do cinema (Philip Seymour Hoffman, por exemplo, com quem o próprio Phoenix atuou brilhantemente no recente O Mestre), ainda temos novos atores que estão aí para marcar época. Sua transformação é novamente impressionante: nada nesse desempenho se repete e a sua imagem de sujeito difícil da vida real não tem qualquer influência aqui. O papel é praticamente solo, o que é um desafio e um presente que Phoenix abraça sem medo. Certamente um desempenho menor, mas tão minucioso quanto vários outros da carreira do ator.
Ampliando a abrangência da melancolia de Ela ainda temos a imersiva e espetacular trilha da banda canadense Arcade Fire, que realiza um trabalho inovador e até mesmo atípico para sua carreira. É uma nova prova de que bandas deveriam participar mais do mundo do cinema (lembram dos acertos de Daft Punk em Tron – O Legado e de M83 em Oblivion?). O ritmo do filme não é dos mais interessantes e talvez a guinada final da trama seja um tanto abrupta só para colocar um ponto final nos conflitos, só que Ela tem o golpe baixo de acabar justamente em um momento fantástico e tocante, o que minimiza qualquer depreciação que poderia se ter com o resultado. Saímos do cinema um tanto arrasados, mas também esperançosos com a vida e com a possibilidade de que, ao contrário do que aponta o protagonista, existem sim novos sentimentos e acontecimentos pela frente. Cabe a nós torná-los uma realidade.
Cinema.com.br, obrigado! :)
Louisiane, que legal que consegui resumir o que tu pensou sobre o filme! Especialmente este, que passa tantas coisas que são difíceis de colocar em palavras…
Kamila, isso mesmo. O amor também é cercado de expectativas em relação ao outro. Muito bem colocado :)
Ricardo, que o Spike Jonze continue intimista assim… Gosto mais desse lado dele. E como tu bem disseste: lembramos de “Ela” com carinho. E isso diz muito sobre o filme!
Oi Matheus! Muito boa a tua percepção do design futurístico com as roupas antiquadas. Eu achei um belo filme, daqueles que a gente lembra com carinho depois de um certo tempo. Não esperava menos do Spike Jonze, que sem o Charlie Kaufman roteirizando, revelou este lado íntimo que você citou, desde “Onde Vivem os Monstros”.
Grande abraço!
Belo texto, Matheus. Ainda não assisti a esse filme e espero que estreie logo aqui na minha cidade. Porém, queria fazer um comentário sobre o ato de se apaixonar, tendo como base o que você disse em seu texto. Mais do que apaixonar por nós mesmos, acho que ao nos apaixonarmos, nós nos apaixonamos pelas expectativas que nós colocamos em cima do ser amado, sobre aquilo que nós esperamos que o ser amado seja. :)
Saímos do cinema um tanto arrasados, mas também esperançosos com a vida e com a possibilidade de que, ao contrário do que aponta o protagonista, existem sim novos sentimentos e acontecimentos pela frente. Cabe a nós torná-los uma realidade.
dei enter antes da hora heh
mas acho que essa última parte resume tudo o que filme significa pra mim ♥ obrigada por traduzir pra mim :)
Gostei de seu comentário. Principalmente quando menciona tanto o Keane quando o Hoffman. Também escrevi sobre esse filme esta semana. Dá um lida pra ver se gosta: http://cinemacom.com.br/filmes/ela
Obrigado!