Desde 1999, quando Shakespeare Apaixonado faturou o Oscar de melhor filme, um vencedor desta categoria não sai da festa com pelo menos um prêmio de roteiro, montagem ou direção. Por isso é no mínimo estranho toda a certeza para a vitória de 12 Anos de Escravidão, uma vez que ele só é franco favorito na categoria principal. Shakespeare Apaixonado, por exemplo, tinha a seu favor a badalação de Gwyneth Paltrow e Judi Dench. Mas nem isso o filme de Steve McQueen tem, uma vez que Lupita Nyong’o disputa até o último minuto a categoria de melhor atriz coadjuvante com Jennifer Lawrence.
Porém, se existe algo que aprendi com o Oscar é não brigar com a matemática. Até porque ano passado a cerimônia quebrou vários jejuns, inclusive o de consagrar Argo em melhor filme mesmo sem indicá-lo em direção (o que não acontecia desde os anos 1980, quando Conduzindo Miss Daisy passou pela mesma situação). No fundo, acho que deve dar Gravidade, que indiscutivelmente será o maior vencedor da noite em número de estatuetas (direção, trilha, fotografia, edição de som, mixagem de som, etc), mas vou pelo mais óbvio, já que essa foi a lógica que passou a reinar na cerimônia desde que todos rejeitaram largamente a surpresa de Crash – No Limite como melhor filme.
Por incrível que pareça, este é um ano quase impossível de apontar graves injustiças na categoria principal. Desde que a seleção passou de cinco para até dez filmes, o Oscar só amargou listas fraquíssimas e que davam títulos de “indicado ao Oscar de melhor filme” para longas que não chegavam nem perto de merecê-lo. Não em 2014. Claro que Trapaça, por exemplo, está erroneamente indicado em função do buzz descontrolado que David O. Rusell acumulou nos últimos anos, mas, no geral, todos os exemplares possuem suas singularidades. Assim como em outras categorias, se alguém ficou de fora, não foi por injustiça, mas sim sim por falta de espaço mesmo. Que continue assim nos próximos anos!
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12 ANOS DE ESCRAVIDÃO: Entendo perfeitamente a comoção e o envolvimento com esse drama de Steve McQueen, mas não fui um dos surpreendidos. O elenco faz um excelente trabalho (Chiwetel Ejiofor, especialmente), o diretor traz a escravidão por meio de um ponto de vista diferenciado e a narrativa do filme está longe de ser a que estamos acostumados a ver em filmes do gênero. Só que 12 Anos de Escravidão me conquistou muito mais pelo valor social e humano do que por seu resultado cinematográfico. Estranhamente, como já mencionado, ganhou todos os prêmios de melhor filme da temporada mesmo sem levar qualquer outra estatueta de roteiro, direção ou montagem. Vamos ver no que vai dar…
CAPITÃO PHILLIPS: Paul Greengrass é o diretor que não estoura nas bilheterias mas é o que todos copiam infinitamente. As razões de seu estilo reverberar em tantas outras cópias inferiores estão em Capitão Phillips, um filme que mostra sua habilidade de trazer tensão com puro realismo, sem apelar para artifícios duvidosos ou mirabolantes. A história vai amortecendo sua constante agonia depois da metade, mas os desempenhos de Tom Hanks (com pelo menos duas cenas marcantes) e Barkhad Abdi, bem como o trabalho de Greengrass com o sempre ótimo montador Christopher Rouse, nunca deixam o filme perder o fôlego por completo. No ano que David O. Ruell não deveria – novamente – estar concorrendo, Greengrass poderia ter ficado com a vaga.
CLUBE DE COMPRAS DALLAS: Está aqui pela força dos atores e pela relevância do tema mais do que por qualquer outro mérito. Gosto da forma como o filme de Jean-Marc Vallée lida com a questão da AIDS sem estereótipos ou melodramas, mas a história é um tanto mal resolvida em seu foco: percebam como até a metade é sobre a autoaceitação de Ron (Matthew McCounaghey) para depois se tornar quase que exclusivamente um estudo formal sobre as pesquisas da AIDS nos anos 1980. Junto com Trapaça, é um dos longas que menos merecia estar aqui. Só que repetindo: foram os atores que trouxeram Clube de Compras Dallas a esse patamar – o que torna sua presença aqui nada surpreendente.
ELA: É o filme que corre por fora – até mais que Clube de Compras Dallas -, e manteve esse mesmo título durante toda a temporada de premiações. Mesmo que favorito ao Oscar de roteiro original, não tem qualquer outra chance nas demais categorias. É a primeira grande celebração para um filme de Spike Jonze, que realizou, em Ela, o seu trabalho mais melancólico e intimista. Não seria o caso de ser um longa indicado caso existissem apenas cinco concorrentes como antigamente, mas certamente merecia figurar em outras categorias – como ator, por exemplo, onde Joaquin Phoenix deveria ser lembrado em função de mais um desempenho super especial.
GRAVIDADE: Mais do que um filme espetacular, Gravidade deixa um enorme legado. Não só em termos de histórias passadas no espaço (câmera sem eixo, atenção aos detalhes científicos, etc), mas no que se refere a como a tecnologia pode estar a favor de uma história e de uma escala de emoções – não servindo apenas como pretexto para explosões e suspense. Chega a ser emocionante ver a perfeição técnica, as inventividades da direção de Alfonso Cuarón e a própria performance de Sandra Bullock (cada vez mais decidida a mostrar o quão prematuro foi seu Oscar por Um Sonho Possível). É o filme de maior aceitação entre os indicados – e também o de maior bilheteria -, o que pode merecidamente pesar a seu favor.
O LOBO DE WALL STREET: Era esperado que O Lobo de Wall Street fosse ignorado pelos votantes devido a uma forte campanha contra o filme, que foi acusado de ser uma celebração à imoralidade. Quanta bobagem! Sorte que o Oscar não comprou essa ideia maluca e abraçou o filme, que é o melhor Scorsese em anos. Todo o seu estilo está aqui, em uma história de corrompimento humano que também traz Leonardo DiCaprio em um grande momento. Pelo menos para mim, as três horas de duração não foram um problema significativo e o resultado ficou bem acima de qualquer preguiça que elas poderiam indicar. O Lobo de Wall Street é, no entanto,um filme dessa principal seleção que sairá da festa de mãos abanando.
NEBRASKA: É o menos badalado entre os nove indicados, tanto em termos de repercussão de público e crítica quanto em número de prêmios. Nebraska está destinado a sair do Oscar 2014 sem um Oscar sequer. E pior: também deve ser aquele longa que todos deixarão para ver por último – se assistirem, claro. O que é de se lamentar, já que é o melhor trabalho de Alexander Payne em anos. Minucioso e magnífico ao contar momentos da vida de pessoas como todos nós, Nebraska é uma aula de sutilezas. Um pequeno grande filme que merecia muito ter uma visibilidade mais ampla.
PHILOMENA: É o pequeno filme que conseguiu estar entre os grandes quando isso não era necessariamente esperado em função de seu perfil. Philomena sofre preconceitos em função de sua história singela, de sua discrição e da sua lógica de que histórias não precisam de grandes acontecimentos para conquistar. É o típico caso “não acontece nada nesse filme” ou “não é nada demais”. Que bom que os votantes não caíram nessa incompreensão e celebraram devidamente o longa de Stephen Frears. Uma história minuciosa e muito feliz ao construir a personalidade de sua protagonista, com muitas surpresas e também um refinado andamento a uma trama que tinha tudo para ser novelesca.
TRAPAÇA: São dez indicações ao Oscar 2014, mas isso não quer dizer muito, já que metade é bastante discutível. Ainda me incomodo com o fato de Trapaça plagiar tantos diretores e filmes, o que tira por completo qualquer boa vontade que eu poderia ter com David O. Rusell – que ainda não me convenceu depois de tantas celebrações. Nesse filme, particularmente, ele está pouco inspirado apesar das tentativas, e – mais uma vez – é o elenco que consegue ser o ponto alto do resultado, assim como os figurinos (que podem surpreender na premiação). De resto, nada de muito especial ou digno de aplausos. Certamente, o pior longa da ótima seleção.
Hugo, nem lembrava que “Chicago” tinha sido indicado a melhor roteiro adaptado. Que absurdo!
Ótimas as suas análises, concordo com muitas das suas opiniões. Sobre o início do seu texto: “Shakespeare Apaixonado” ganhou o Oscar de roteiro original e “Chicago” foi indicado na categoria de melhor roteiro adaptado, mas perdeu. Acho que a última vez que um vencedor de melhor filme não teve seu roteiro indicado foi em 1998, com “Titanic”. Esse ano, os meus filmes preferidos entre os indicados foram “Ela”, “Capitão Phillips”, “Nebraska” e “Philomena”.Pena que nenhum deles tenha chance real de ser premiado na categoria principal.