Tatuagem

O Moulin Rouge do subúrbio! A Broadway dos pobres! O Studio 54 da favela!

tatuagemposter

Direção: Hilton Lacerda

Roteiro: Hilton Lacerda

Elenco: Irandhir Santos, Jesuíta Barbosa, Rodrigo García, Sílvio Restiffe, Sylvia Prado, Ariclenes Barroso, Nash Laila, Arthur Canavarro, Clébia Souza, Erivaldo Oliveira, Mariah Texeira, Diego Salvador

Brasil, 2013, Drama, 118 minutos

Sinopse: Brasil, 1978. A ditadura militar, ainda atuante, mostra sinais de esgotamento. Em um teatro/cabaré, localizado na periferia entre duas cidades do Nordeste do Brasil, um grupo de artistas provoca o poder e a moral estabelecida com seus espetáculos e interferências públicas. Liderado por Clécio Wanderley, a trupe conhecida como Chão de Estrelas, juntamente com intelectuais e artistas, além de seu tradicional público de homossexuais, ensaiam resistência política a partir do deboche e da anarquia. A vida de Clécio muda ao conhecer Fininha, apelido do soldado Arlindo Araújo, 18 anos: um garoto do interior que presta serviço militar na capital. É esse encontro que estabelece a transformação de nosso filme para os dois universos. A aproximação cria uma marca que nos lança no futuro, como tatuagem: signo que carregamos junto com nossa história.

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“Por que não podemos ser mais despudorados? Não entendo como aquela escala evolutiva do século XX deu origem a tempos tão conservadores. Pensei que tudo isso fosse passado. É assustador ainda ter que discutir quem merece respeito ou não”. Hilton Lacerda, quando exibiu Tatuagem pela primeira vez, no 41º Festival de Cinema de Gramado, chegou apresentando seu filme exatamente assim: como uma ode à liberdade – seja ela sexual ou de qualquer forma de expressão – em uma época onde as produções televisivas e cinematográficas brasileiras estão cada vez mais caretas. Nunca tivemos tanta liberdade, mas a contracorrente também se mostra cada vez mais vigorosa. Por isso, é gratificante ver que Tatuagem, debut do diretor pernambucano em longas de ficção, dá esse grito contra o preconceito de forma bastante natural – e o melhor de tudo: sem sequer insinuar ser uma planejada panfletagem quadrada da causa LGBT. Sem preconceitos (claro!) e concessões, o filme é aberto ao sexo, a toda forma de amor, ao exagero, às descobertas, ao espírito libertário. E, para construir esse retrato, tem como foco o fictício Chão de Estrelas, um teatro/cabaré, localizado na periferia entre duas cidades do Nordeste do Brasil, onde um grupo de artistas provoca o poder e a moral estabelecida com seus espetáculos e interferências públicas.

Tatuagem se estabelece não como um relato do amor proibido entre Clécio (Irandhir Santos), líder do Chão de Estrelas, e Fininha (Jesuíta Barbosa), um jovem soldado em plena ditadura militar, mas como um mosaico de várias figuras que viviam suas vidas como bem entendiam naqueles tempos. Hilton Lacerda fala sobre um grupo e não sobre uma época ou sobre personagens específicos. Com essa escolha, ele acerta em importantes aspectos, distribuindo muito bem temas e circunstâncias que, caso trabalhadas com foco demasiado, poderiam minar a o interesse pelo longa, como o contexto político (a ditadura é sempre discretamente pontuada com os questionamentos certos) e o romance entre Clécio e Fininha. Em termos narrativos, não existem excessos em Tatuagem, e isso pode ser considerado fruto da experiência de uma carreira conceituada de Lacerda como roteirista (ele tem no currículo filmes como Amarelo MangaFebre do Rato Baixio das Bestas). O mundo gay, as encenações teatrais e a dinâmica do elenco são extremamente críveis, ao passo que o diretor e roteirista também se sai admiravelmente bem ao desenvolver toda a questão sexual de seu filme. Poucas vezes no cinema recente vimos uma produção tão bem resolvida quanto ao seu gênero.

O mundo de Lacerda não está isento de previsibilidades (óbvio que não poderia faltar a figura do bullier no exército que, na realidade, é um curioso enrustido), mas a forma como ele aplica diferentes e interessantes personalidades a cada um dos personagens é consistente, principalmente quando a contextualização – seja da origem do comportamento deles ou da própria ditadura – não sufocam o espaço que cada figura tem para conquistar o espectador. E falar sobre os personagens nos leva, obviamente, ao excelente elenco de Tatuagem. O trio principal, especialmente, é um verdadeiro achado, com desempenhos minuciosos de Irandhir Santos (que, um dia, se o destino for justo, terá o mesmo reconhecimento de Wagner Moura por sua grande versatilidade), Jesuíta Barbosa (um iniciante para se acompanhar de perto, sempre à altura de seu parceiro de cena Irandhir) e Rodrigo García (impagável e com pleno domínio dos exageros de Paulete, personagem que mais explora caricaturas mas que também tem um momento super contido e especial). Excelência reconhecida: no 41º Festival de Cinema de Gramado, Irandhir chegou a levar o kikito de melhor ator, enquanto o filme foi eleito o grande vencedor da mostra competitiva, além de ganhar em outras categorias. Já no Festival do Rio, quem levou a melhor como ator foi Jesuíta.

Tatuagem, no entanto, não é um filme de ritmo dinâmico, justamente por ser mais um retrato do dia a dia de uma trupe do que um filme de reviravoltas ou acontecimentos, apostando em um tom mais pausado como forma de imersão naquele mundo. Infelizmente, a mesma lógica não é aplicada no desfecho, que, certamente, é o momento mais decepcionante de todos. Causa estranhamento a forma apressada com que Tatuagem se encerra. Além de não mostrar (literalmente) um fato que muda por completo a vida do Chão de Estrelas, o roteiro ainda se “livra” de um personagem sem o mínimo de carinho ou lógica por tudo aquilo que ele havia representado ao longo do filme. Tudo acontece às pressas, sem a calma que o filme adotava até então. Por isso, o discurso libertário ao final pode até ser bonito, mas os minutos derradeiros não fazem jus ao resultado como um todo. Desta forma, é fácil sair da sessão de Tatuagem com um forte sentimento de desapontamento, ainda que tais problemas não coloquem em xeque o que o filme havia conquistado até ali. O que faltou foi esse cuidado para dar a Tatuagem um final à altura de seu  discurso e de sua própria relevância, reforçando a sensação de que ele não merece ficar apenas no imaginário do público gay, mas também no de de todos que dizem abaixo ao preconceito.

FILME: 8.5

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