
Compositor de filmes como Flores Raras, O Bom Pastor e Lembranças, além dos seriados The Big C e Ray Donovan, Marcelo Zarvos fala ao Cinema e Argumento sobre sua carreira e o trabalho com trilhas para cinema e TV. Foto: arquivo pessoal
“A alquimia da música e da imagem é algo muito misterioso. Mesmo depois de ter feito quase 50 trilhas, ainda fico frequentemente surpreso e maravilhado com o poder do cinema”, diz o compositor brasileiro Marcelo Zarvos. Ele, que está em cartaz nos cinemas brasileiros com Flores Raras (filme que tem trilha sonora com a sua assinatura), já tem trajetória de 15 anos nos Estados Unidos, mas tudo começou aqui no Brasil mesmo, quando ainda tinha dez anos de idade. Vindo de uma família sem qualquer raiz musical, o compositor revela que sua relação com a música começou de forma muito intuitiva, em uma busca de puro empenho: “Tive que buscar tudo sozinho, mas sempre com muita confiança no caminho que eu queria percorrer. Aos 14 anos, não só sabia que queria fazer música como também que meu desejo era especificamente trabalhar com trilhas para o cinema”.
A adolescência de Marcelo Zarvos foi, portanto, marcada pela prática da música, mesmo que ainda não em termos cinematográficos. Depois de ter passado o início de sua juventude rock na banda Tokyo, ao lado do até então desconhecido Supla, ele deixou o Brasil em 1998, levando na bagagem a certeza de que o estilo de música que tocara durante três anos com aquele grupo musical não era para ele. O último ano em São Paulo foi marcado por uma atenção especial ao universo acadêmico, com aulas de Koelreutter a Antonio Beazan, já se preparando para finalmente se mudar para Boston, onde estudaria composição de cinema no Berklee College of Music. “Quando cheguei lá, percebi que estava muito cedo para me especializar. Assim, passei dez anos tocando e compondo muitos tipos de música, passando por clássico, jazz e MPB. Foi a minha verdadeira base musical na qual me apoio até hoje”, conta.
Mas não demorou muito para que Zarvos começasse a colocar sua verdadeira paixão em prática. Agora, em 2013, o compositor já contabiliza trilhas para os mais variados filmes, como Lembranças, Você Não Conhece Jack e Um Novo Despertar. Dos trabalhos que já realizou, os que mais marcaram o compositor foram Provocação (“Minha primeira trilha orquestral! Não era um filme de grande orçamento, mas, do meu ponto de vista, era enorme. A partir desse projeto, muitas portas se abriram para mim”) e O Bom Pastor (“Foi incrível. Era realmente um filme muito grande, épico. Eu sempre fui fã do Robert DeNiro e a oportunidade de trabalhar com ele foi muito especial”). Tendo como referência nomes como Ennio Morricone, Bernard Hermann, Philip Glass e Hans Zimmer, o compositor diz que o interesse pelo filme em si é sempre o fator principal na hora de assinar um projeto: “Tento trabalhar em filmes que eu também gostaria de assistir. Procuro desafios tanto no estilo do filme como na trilha em si, analisando o que eu posso fazer e o que ainda não fiz. E, obviamente, o roteiro e diretor sempre pesam muito, além do que eles esperam da música e se vão ser bons colaboradores”.
Estendendo seu trabalho musical também ao mundo televisivo, ele já assinou a trilha de seriados premiados e de repercussão. É o caso do recente The Big C, da Showtime, que rendeu um Globo de Ouro e um Emmy de melhor atriz à protagonista Laura Linney. Para esse formato, ele aponta que o processo de criação é bastante similar, mas que os prazos fazem toda a diferença na hora de se pensar a música. “Em um filme, costumamos ter cerca de seis semanas pra completar uma trilha, mas, na TV, temos, no máximo, uma semana por episódio. Outra grande diferença é a possibilidade de criar um mundo musical muito mais amplo, pois temporadas de seriados como The Big C ou Ray Donovan se estendem por doze horas ou mais”.
Sobre as trilhas realizadas atualmente no Brasil, Zarvos diz não ser tão familiarizado com o material. A distância, porém, não o impede de ter suas raízes profissionais por aqui. Uma prova disso é a recente trilha do brasileiro para Flores Raras, de Bruno Barreto, um dos trabalhos mais sensíveis e minimalistas tanto do diretor quanto de Zarvos. Ambos já haviam trabalhado juntos no longa Última Parada 174, e a repetição da parceria foi, para o compositor, um verdadeiro prazer. “Ele me chamou para fazer o filme quando mal tinha um roteiro. E o Bruno tem idéias musicais muito boas, mas também uma grande qualidade que poucos diretores têm: a de escutar o compositor. Embora, obviamente, a decisão final seja sempre dele, o diálogo entre nós sempre é muito legal”.
Com mais dois longas-metragens que levam sua trilha estreando nos Estados Unidos pelos próximos meses, o compositor se mostra entusiasmado com o envolvimento em tais projetos, refletindo a sua vontade de fazer trilhas para filmes que possuem sua admiração. O primeiro é Enough Said, “uma comédia maravilhosa” dirigida por Nicole Holofcener, o outro é The Face of Love, “um drama psicológico muito bacana” estrelado por Annete Benning e Ed Harris. Daqui para frente, ainda sonha em trabalhar com Terrence Malick, Martin Scorsese, Fernando Meirelles e Gaspar Noé, mas, quando questionado sobre qual conselho o Marcelo Zarvos de hoje daria para aquele que começou a trabalhar com música anos atrás, ele indica que a dica seria a mesma para qualquer fase de sua vida: “Acho que seria ter muita paciência e foco, duas coisas difíceis de conquistar em qualquer idade”. Que ele continue com essas duas virtudes por muito tempo!
* Fica registrado por aqui também o nosso agradecimento mais do que especial ao Marcelo, que gentilmente topou dar essa entrevista para o Cinema e Argumento!
Mateus, sempre gostei das trilhas do Marcelo (ele chamou a minha atenção pela primeira vez com “Lembranças”), mas só agora fui pesquisar a trajetória dele de forma mais profunda, especialmente depois de “Flores Raras”, cuja trilha me encantou completamente!
Kamila, realmente, já é uma das melhores trilhas do ano!
“Flores Raras” é uma das melhores trilhas do ano. Parabéns pela entrevista com Marcelo Zarvos.
Bacana, Matheus! Zarvos é um nome que começou a me chamar a atenção quando vi que havia composto a música adicional para BROKEBACK MOUNTAIN. Daí vi seu nome foi aparecendo em mais trabalhos, e sua música sempre sendo um dos pontos mais destacáveis (THE BEAVER, REMEMBER ME…). É ótimo profissionalmente que ele consiga a experiência e oportunidade de trabalhos nos EUA, mas que ele saiba que será sempre bem vindo a contribuir com o Cinema Nacional, que apresenta poucos nomes de destaque no ramo de trilha sonora.