Flores Raras

Lose something every day.

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Direção: Bruno Barreto

Roteiro: Carolina Kotscho, Julie Sayres e Matthew Chapman, baseado no livro “Flores Raras e Banalíssimas”, de Carmem Lucia de Oliveira

Elenco: Miranda Otto, Glória Pires, Tracy Middendorf, Treat Williams, Marcello Airoldi, Lola Kirke, Anna Bella, Marcio Ehrlich, Griffin Addison

Brasil, 2013, Drama, 118 minutos

Sinopse: A história de amor entre Elisabeth Bishop (poeta americana vencedora do Prêmio Pulitzer em 1956) e Lota de Macedo Soares (“arquiteta” carioca que idealizou e supervisionou a construção do Parque do Flamengo). Ambientado no Brasil dos anos 50 e 60, quando a Bossa Nova explodia e Brasília era construída e inaugurada, o longa acompanha a história dessas duas grandes mulheres e suas trajetórias inversas.

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As armadilhas envolvendo Flores Raras não eram poucas. Além de contar uma história de amor entre duas mulheres (alguém lembra do tema ser tratado com a devida dignidade pelo cinema nacional?), o filme de Bruno Barreto também é baseado em figuras reais – sendo uma delas Elizabeth Bishop (Miranda Otto), marcante poeta do século XX. Por isso, era perfeitamente compreensível se o longa ficasse abaixo da média, caísse em estereótipos de uma relação homossexual ou ficasse cansativo ao transpor para o cinema a poesia da nova iorquina. Felizmente, não é o que acontece com Flores Raras, um filme que surpreende pela maturidade e pela sutileza com que desenvolve temas tão complicados com o devido êxito (e, ao contrário do que aparenta, a homossexualidade está longe de ser a principal engrenagem).

Exibido na abertura do 41º Festival de Cinema de Gramado, Flores Raras escapa das armadilhas que tinham tudo para torná-lo um fracasso. No relacionamento entre as duas protagonistas, consegue universalizar o amor. No processo criativo da poeta Bishop, apresenta a obra da escritora com o devido interesse. Só que antes de amor homossexual ou poesia, o filme de Bruno Barreto é sobre duas pessoas desencontradas – e que talvez só tenham acertado os ponteiros no momento em que se apaixonaram. Lota (Glória Pires) e Bishop (Otto) eram de mundos completamente diferentes. Também não tinham as mesmas visões de mundo e se expressavam de maneiras distintas. Ainda faltava sintonia: quando uma dizia sim, a outra apostava no não. Quando a incapacidade de se expressar passava a ser tratada de um lado, de outro isso já não parecia mais importar.

Ao longo de quase duas horas, Flores Raras, então, mostra ao espectador as distintas trajetórias pessoais e profissionais dessas duas mulheres. E toda essa passagem de tempo – que acompanha desde a chegada de Elizabeth ao Brasil, passando por sua adaptação cultural e emotiva, até sua volta para Nova York 20 anos depois – é muito bem pontuada por Barreto. Muito além da maquiagem (não deixem de perceber como o cabelo de Glória pouco a pouco se torna grisalho), é o roteiro que consegue acompanhar com uma excelente dramaticidade os conflitos e as evoluções dessas duas mulheres. Elizabeth e Lota se amavam, mas estavam em constantes mudanças, e quase nunca andavam na mesma linha. Nós absorvemos essa distância das duas, mas também abraçamos o amor “opostos se atraem” delas – que é encenado de forma muito sincera e natural pelas duas atrizes.

Glória Pires, por sinal, consegue superar as barreiras entre o idioma (quase toda a história é falada em inglês) e sua interpretação – o que não é nada fácil, especialmente se considerarmos os últimos intérpretes estrangeiros que saíram de seus países de origem para ganhar a vida em Hollywood (das mais recentes, quem mais vem à cabeça entre as vitoriosas é Marion Cotillard). Porém, o show mesmo é da australiana Miranda Otto, atriz que já atuou em O Senhor dos Anéis e que recentemente finalizou The Homesman, ao lado de Meryl Streep e Tommy Lee Jones. Acertando muito mais do que a mera reprodução de trejeitos e sotaques de Bishop, ela é impecável ao construir uma personagem complexa e difícil. Otto não tem medo de abraçar toda timidez e antipatia da poeta, nunca facilitando sua aceitação para o espectador – e, por isso mesmo, sua trajetória como ser humano e profissional se torna tão natural, recompensadora e emocionante.

Outro achado de Flores Raras é a trilha sonora do brasileiro Marcelo Zarvos (que fez carreira lá fora trabalhando recentemente para a HBO, em Phil Spector, e para a Showtime, no seriado The Big C). Eficiente, a trilha inova por conseguir sublinhar diversos momentos dramáticos do filme sem exagerar ou irritar. E isso merece reconhecimento, pois o cinema brasileiro raramente acerta no uso de trilhas sonoras. Com duas atrizes que se entregam de corpo e alma ao projeto, Flores Raras pode trazer certo desconforto para os brasileiros (por melhor que Glória Pires seja no inglês, é estranho vê-la falando outro idioma), assim como também deve decepcionar um pouco com o final que deveria ser mais mastigado e algumas mudanças que parecem um tanto superficiais (principalmente as de Lota, que repentinamente se torna a frágil e problemática da história). Entretanto, o diretor Bruno Barreto supera tais detalhes e entrega um longa-metragem que, mesmo não sendo necessariamente empolgante, surpreende pelas pequenas escolhas, que vão da sensibilidade com temas difíceis (ainda temos alcoolismo!) à economia de emoções. Escolhas essas que, no final das contas, tornam a experiência mais do que válida.

FILME: 8.0

35

* Filme conferido no 41º Festival de Cinema de Gramado

2 comentários em “Flores Raras

  1. Gosto do Bruno Barreto e fico feliz de vê-lo realizando um filme desse porte, com uma trama dessas. É muito interessante, sem dúvida. Ainda mais por ter a Glória Pires, uma de nossas maiores atrizes, num papel que é desafiador em sua carreira. Adorei o texto e estou bem curiosa em relação ao filme.

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