Ao contrário de Uma Longa Viagem, o documentário Olhe Pra Mim de Novo é propositalmente focado num único personagem. Essa prática dos documentários atuais de focar somente numa figura é muito comum atualmente – mas é questionada por certas parcelas do público que questionam se os méritos são da produção ou do personagem trabalhado. Apesar disso, é gratificante quando o resultado vem repleto de acertos. É o caso desse trabalho da dupla Kiko Goifman e Claudia Priscilla, que apresenta um personagem super eficiente e que, além de contar sua história, também levanta inúmeras discussões sobre intolerância e preconceito.
Olhe Pra Mim de Novo faz um instigante retrato do cearense Syllvio Luccio. Ele, que nasceu mulher mas decidiu virar homem mesmo após ter uma filha, tem um relacionamento bem resolvido e, agora, quer arranjar um jeito de ter filhos com sua companheira. É nessa jornada pessoal de Syllvio que as câmeras de Goifman e Priscilla entram em ação, tirando o cearense de seu lugar de origem e o colocando num road movie. Assim, além de Olhe Pra Mim de Novo já ser interessante em função de seu personagem, também ganha pontos por adotar um formato diferente.
Syllvio Luccio dividiu opiniões da plateia de Gramado, principalmente por usar o humor (quase sempre sexual) como forma de abordar suas angústias e visões do mundo. É aquela velha situação que até hoje causa desconforto para certos públicos: a brincadeira com determinadas temáticas. O blogueiro que vos fala não se sentiu incomodado com tais interpretações cômicas do protagonista. Muito pelo contrário. Durante certas passagens, é fácil se divertir com essa figura que, apesar das dores causadas pelo preconceito, consegue extrair o bom humor de suas situações.
Não que Olhe Pra Mim de Novo não tenha pontos posirivos além de Syllvio, mas o que acontece é que, diante de um personagem tão forte, o filme em si acabou ficando de escanteio. Isso é ruim? Talvez não, já que o protagonista é, de certa forma, polêmico, e desperta diversas reflexões no espectador, sustentando bem o ritmo do roteiro. Afinal, quanto custa assumir aquilo que realmente somos? O que vamos perder se não agirmos de acordo com o que os outros pensam? Até que ponto o preconceito influencia alguém? Questões que parecem sim batidas, mas que nunca são banalizadas pelo roteiro.
Certos problemas ao unir documentário e road movie estão ali evidentes (as cenas de Syllvio na estrada, apesar de bem fotografadas, são cansativas e repetitivas), bem como fatos aleatórios que parecem documentados apenas para exaltar o personagem. Erros que só comprovam como Olhe Pra Mim de Novo é dominado por Syllvio Luccio. E aí temos um grande divisor de águas: afinal, até que ponto devemos aceitar um documentário que se aproveita da singularidade de seu protagonista para conquistar o público? Pelo menos para mim, Olhe Pra Mim de Novo não é prejudicado por isso.
Kamila, eu também adoro documentários, principalmente aqueles feitos por brasileiros – nós somos imbatíveis nesse gênero!
Adoro documentários. Não conhecia esse aí. Valeu pelo texto e pela dica. :)