53º Festival de Cinema de Gramado #9: “Rua do Pescador Nº 6”, de Bárbara Paz

A catástrofe climática que acometeu o Rio Grande do Sul em maio de 2024 é filmada sem cor por Bárbara Paz no documentário Rua do Pescador Nº 6, que integra a mostra competitiva de longas-metragens gaúchos do 53º Festival de Cinema de Gramado. O preto-e-branco, aliado ao tom ensaístico, descortina uma obra sóbria e respeitosa às vidas afetadas pelas enchentes históricas. Não há um minuto sequer de espetacularização ou didatismo: como a refinada documentarista que já havia demonstrado ser no maravilhoso Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou, Bárbara rejeita o tom de reportagem já tão exercitado pela imprensa para aproveitar o potencial memorialístico e reflexivo do cinema, propondo um outro tipo de olhar — um mais humano, experimental e sensível.

Afirmo que Bárbara Paz é documentarista ímpar porque ela tem um profundo respeito pelas possibilidades audiovisuais que fogem ao óbvio, a começar pela opção de priorizar imagens a palavras, e sempre com a devida calma. A partir dessa escolha, Rua do Pescador Nº 6 é emoldurado com elegância e, acima de tudo, propriedade: no desenho de som assinado por Rodrigo Ferrante e André Tadeu está, por exemplo, o sopro do vento minuano que prenuncia as chuvas de repente tão temidas, assim como a discreta gaita de Renato Borghetti confere à trilha sonora marcas de sons característicos da cultura gaúcha. O uso do preto-e-branco, explorado com o virtuosismo habitual de Bruno Polidoro, ainda nos traz uma interessante dualidade: apesar de tamanha catástrofe parecer cinematográfica, ela é, na verdade, uma dura realidade.

O que interessa Bárbara Paz, contudo, é o pós-tragédia. Ainda que Rua Pescador Nº6 faça brevemente suas observações sobre as causas da catástrofe climática — assim como outras falas em off, a voz da ministra Marina Silva dá conta de contextualizar que as mudanças climáticas são fruto de uma série de decisões políticas —, o longa se concentra nessa linha tênue entre o desastre e o recomeço de uma população que vemos e ouvimos de perto. É assumindo um lugar de pensamento diante do registrado que o documentário, sim, mostra como pouco mudou desde 1941, quando o Rio Grande do Sul já havia sido afetado por outra enchente histórica, mas também — e até principalmente — reafirma o papel do cinema como registro histórico através do ponto de vista humano, sem uma vírgula de sensacionalismo ou oportunismo frente ao difícil trabalho de filmar e pensar uma tragédia conforme ela se materializa.

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