53º Festival de Cinema de Gramado #6: “Papagaios”, de Douglas Soares

Segundo dados de 2024 do IBGE, 86,5% dos domicílios brasileiros possuem televiso que recebem sinal analógico ou digital de televisão aberta por meio de antena convencional. Ou seja, nacionalmente, apesar do uso esmagador de celulares e redes sociais, a TV ainda tem presença gigante e influente, moldando o repertório e o imaginário de um país com dimensões continentais. Papagaios, o primeiro longa-metragem de ficção do diretor Douglas Soares, não chega exatamente a situar o espectador em algum recorte de tempo, mas está inserido nessa mitologia midiática para contar a história de um homem que está sempre perseguindo repórteres para aparecer na televisão — o famoso “Papagaio de Pirata”.

O protagonista se chama Tunico (Gero Camilo), e tudo mudo quando ele conhece Beto (Ruan Aguiar), jovem misterioso que se torna seu aprendiz após um grave — e suspeito — acidente. Basta prestar atenção em como se dá essa aproximação entre os dois para já suspeitar que Papagaios não será apenas sobre a busca pela fama. Pelo contrário: gradativamente, Douglas Soares, a partir de roteiro próprio e de argumento desenvolvido com Humberto Carrão, coloca outros ingredientes na mistura, com destaque para o suspense e para, claro, diversas pitadas de humor, muitas delas vindas de todo o magnífico repertório de um ator como Gero Camilo e outras de participações como as de Leo Jaime, em papel importante na trama.

A busca pela fama e o culto à celebridade terminam por ser a porta de entrada para um filme praticamente de gênero. Soares assume o uso do suspense para mostrar como a necessidade de validação do olhar alheio é capaz de colocar o ser humano à beira da insanidade. No entanto, nada se desenha da maneira esperada, e Papagaios vai avançando com ritmo próprio, sem entregar nada de mão beijada para o espectador. Há, inclusive, um constante incômodo na maneira como a dinâmica entre Tunico e Beto se estabelece, ora através de silêncios recíprocos, ora através de cenas tão interessantes quanto inusitadas, como aquela em que ambos dançam frente ao espelho em um ritual de disputa por protagonismo.

Às vezes, a mistura de gêneros prejudica a clareza das intenções de Papagaios, que se encontra de verdade quando busca investigar mais afundo seus personagens. É certo que o Tunico de Gero Camilo recebe os holofotes de bandeja, tanto pelo brilhantismo atual de seu ator quanto pela formatação do filme, mas não poderia deixar de citar aqui a presença de Ruan Aguiar, que faz dupla com Camilo. O jovem ator não titubeia ao incorporar um personagem de difícil construção: não só Beto é alguém de pouquíssimas palavras como ainda carrega camadas desajustadas e de sociopatia fundamentais para a modelagem do suspense. Sua presença traz as melhores surpresas de Papagaios, uma obra intrigante e avessa a definições simples.

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