53º Festival de Cinema de Gramado #2: quando o Oscar contestou o Kikito

Quando ouvi essa história pela primeira vez, achei inusitada demais para ser verdade, mas ela realmente aconteceu: em 1986, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, responsável pela entrega do Oscar, resolveu implicar com… o Kikito! Tudo começou em quando a Prefeitura de Gramado solicitou o registro do Kikito ao INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) e se deparou com uma contestação da Academia, cuja argumentação era de que o formato da estatueta do Kikito apresentava semelhanças capazes de causar confusão com a estatueta do próprio Oscar. As informações e a pesquisa são do Museu do Festival de Cinema de Gramado e do Museu Municipal Professor Hugo Daros.

Na contestação, os norte-americanos alegavam que o design da estatueta do Oscar teria apenas sido “levemente modificado” para dar origem ao Kikito, caracterizando-o como uma “imitação infeliz”. A Academia ainda disse que tamanha similaridade poderia levar o público e os premiados a acreditarem, equivocadamente, que o renomado Oscar estaria sendo distribuído no Festival de Gramado. A instituição chegou a anexar imagens comparativas das duas estatuetas como parte de sua contestação, conforme abaixo:

Na oposição ao registro, a Academia ainda afirmou:

Em resposta, a Prefeitura de Gramado, então responsável pela realização do evento, fez uma manifestação de oposição contra as “hilariantes alegações”, defendendo o Kikito com argumentos válidos, como a sua história de criação, comparando as estatuetas na imagem a seguir:

Aqui, se faz um breve parênteses para recuperarmos a história da criação do próprio Kikito, a partir de cinco marcos definitivos:

Sede do Artesanato Gramadense.

1965 – Surge o Artesanato Gramadense, por Elisabeth Rosenfeld, que se tornaria a casa de arte mais importante da região nas duas décadas seguintes.

Retrato de Elisabeth Rosenfeld.

1966 – Elisabeth cria o primeiro Kikito, o batiza como o “Deus do Bom Humor”, na qual a ideia de um sol sorrindo, seria para inspirar os artesãos que trabalhavam com ela.

1972 – Romeu Dutra, Secretário de Turismo de Gramado leva de presente um exemplar da estatueta do Kikito para Ricardo Cravo Albin (então presidente do Instituto Nacional de Cinema), que sugere que a mesma se torne troféu máximo do Festival de Cinema.

1973 – Elisabeth Rosenfeld designa o artesão Xixo para esculpir o Kikito. O Kikito começa, então, a ser esculpido em Jacarandá da Bahia pelo artesão e torna-se o prêmio máximo do Festival, sendo oficializado como tal pela comissão de organização do evento.

Artesão Xixo e os Kikitos de madeira.

1988 – Xixo produz os últimos Kikitos em madeira, para o ano seguinte. A produção dos demais seria em bronze.

Voltando ao conflito com o Oscar, o martelo foi batido em 1988: após um parecer detalhado realizado pelo INPI a favor da Prefeitura de Gramado, ficou comprovado que o Kikito, com seu design em formato de sol, possui uma identidade única e distinta do glamour associado a Hollywood. E o INPI foi além, conforme podemos na manifestação a favor expedida em 12/07/1988:

Apesar da polêmica, o Kikito manteve sua autenticidade e se consolidou como um símbolo icônico do Festival de Cinema de Gramado e do cinema nacional. Afinal, não há outro troféu cujo nome seja mais conhecido no Brasil.

Sua influência é tanta que o formato da estatueta ainda foi oficialmente adaptado para outros formatos: em 2007, quando passou a ser fabricado também em Cristal para homenagens anuais no Festival de Cinema de Gramado; e em 2021, quando o “Kikito Holográfico” foi criado para a reinauguração do Museu do Festival de Cinema de Gramado, dessa vez, confeccionado em madeira, fazendo alusão ao primeiro modelo da estatueta e permanecendo como peça decorativa do espaço.

Kikito de Cristal e Kikito Holográfico.

Foi apenas em 2022, no entanto, que o Kikito se tornou patrimônio cultural da cidade de Gramado em termos legais. A partir da exposição “Kikito em Cena”, o Museu do Festival de Cinema de Gramado propôs aos vereadores Daniel Koehler e Renan Sartori o projeto de lei para consolidação, que acabou sendo sancionada através da Lei n° 4.088/2022 e oficializando a estatueta como patrimônio cultural do município.

Reforço aqui o meu agradecimento ao Museu do Festival de Cinema de Gramado, do qual tenho a honra de ser um dos curadores de sua exposição permanente, e ao Museu Municipal Professor Hugo Daros, pela liberação das informações e imagens para essa matéria exclusiva aqui no blog.

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