Rapidamente: “Bridget Jones: Louca Pelo Garoto”, “A Cozinha”, “Mickey 17” e “Virgínia e Adelaide”

Gabriela Correa e Sophie Charlotte no ótimo Virgínia e Adelaide, de Yasmin Thayná e Jorge Furtado.

BRIDGET JONES: LOUCA PELO GAROTO (Bridget Jones: Mad About the Boy, 2025, de Michael Morris): Mundialmente, chegou aos cinemas com pompa de lançamento comercial, mas, nos Estados Unidos, Bridget Jones: Louca Pelo Garoto, o quarto e (ao que tudo indica) último capítulo sobre as aventuras amorosas da célebre personagem-título, foi produzido e exibido pela Peacock, streaming da NBC Universal. De certo modo, isso assinala as modestas expectativas dos produtores acerca do projeto, e há motivos para uma eventual contenção de expectativas. Tanto a história quanto a protagonista já não esbanjam mais o mesmo carisma de outrora, talvez explorado ao último suspiro no capítulo anterior, O Bebê de Bridget Jones. Não é que falte empenho por parte de Renée Zellweger, em seu primeiro longa-metragem após Judy: Muito Além do Arco-Íris, ou que Michael Morris, do ótimo To Leslie, não seja bom diretor. Acontece que Louca Pelo Garoto, centrado nos recomeços diários de Bridget após uma dolorosa perda, tem pouco a acrescentar em termos de camadas para a personagem e até mesmo para a discussão isolada do luto. A própria parte cômica, exemplificada no título e focada no relacionamento da protagonista com um pretendente bem mais jovem, fica no meio termo, no limite de infantilizar uma mulher de meia-idade que teria tantas outras questões inerentes à sua faixa etária para fazer graça. Nosso afeto por Bridget, enfim, não chega a equilibrar a frustração de uma despedida bastante morna para uma personagem que, de tão pop e irresistível, chegou a render a Renée uma merecida indicação ao Oscar de melhor atriz em 2002 — coisa rara, ainda hoje, mais de 20 anos depois, tratando-se de um papel cômico.

A COZINHA (La Cocina, 2024, de Alonzo Ruizpalacios): Enquanto Emilia Pérez era bombardeado na última temporada de premiações em função de sua falta de representatividade mexicana, A Cozinha dava sopa sem que ninguém percebesse, mesmo com indicações ao Independent Spirit Awards de melhor direção e fotografia. O que acontece para o público, tão crítico ao musical de Jacques Audiard, não buscar um filme escrito, dirigido, produzido e interpretado por, justamente, profissionais mexicanos? À parte essa reflexão sobre o público como agente importante no incentivo à representatividade, A Cozinha é virtuoso e ambicioso no seu relato sobre os imigrantes invisíveis que fazem funcionar a cozinha de um grande restaurante localizado na Times Square, em Nova York. De um lado, temos a observação realista de um caos gastronômico bem ao estilo do seriado The Bear, mas com personalidade própria: há, inclusive, um plano-sequência impressionante que alterna entre a cozinha e o salão para contrastar a completa desordem entre os cozinheiros e a absoluta organização dos clientes à espera de seus pratos. De outro, acompanhamos jornadas individuais, como a da imigrante recém-chegada que rema para compreender o ritmo e o espírito de um ambiente de trabalho selvagem, e a do cozinheiro de gênio dificílimo, por vezes tóxico, que se vê envolvido com a garçonete vivida por Rooney Mara. A relação entre o individual e o coletivo suscita muitas reflexões sobre como as condições de trabalho, em especial aquelas oferecidas a quem vai para os Estados Unidos tentar a vida, inevitavelmente definem destinos e estados emocionais. Isso sem falar na bela e eficiente fotografia em preto-e-branco de Juan Pablo Ramírez. Merece a descoberta.

MICKEY 17 (idem, 2025, de Bong Joon-Ho): Seis anos separam Mickey 17 de Parasita, clássico contemporâneo assinado por Bong Joon-Ho que rompeu fronteiras internacionais e se tornou o primeiro longa-metragem em língua não-inglesa a ganhar o Oscar de melhor filme internacional. Claro que não seria justo esperar, de prontidão, uma nova obra-prima do diretor após tamanho êxito. No entanto, a longa espera poderia ter resultado em uma experiência mais oxigenada. Mesmo que divertido e realizado com a disposição habitual e sempre bem-vinda de Bong Joon-Ho para cutucar feridas do mundo em que vivemos, Mickey 17 é uma reciclagem de várias discussões abordadas pelo cineasta em outros trabalhos como Okja, Expresso do Amanhã e o próprio Parasita. No centro da história está Mickey (Robert Pattinson), um funcionário “descartável” que pode morrer infinitas vezes, seja lá qual for a circunstância, o que lhe torna a cobaia perfeita para todo o tipo de experimento. Se a a perspectiva do ser humano como mero produto é boa, o roteiro a cerca com uma série de outras discussões que se dispersam também em função do tom tragicômico, ora bem defendido por Robert Pattinson, ora sabotado pela performance de Mark Ruffalo como um vilão abertamente inspirado em Donald Trump e, por isso mesmo, tão pouco autêntico em sua caricatura. Outro problema é que, entre Parasita e Mickey 17, houve Não Olhe Para Cima, também uma sátira política de humor escrachado, com mensagens escancaradas e toques de ficção científica. Ou seja, ainda que seja sempre bom ver um novo trabalho de Bong Joon-Ho, Mickey 17 não é bem uma novidade ou um dos trabalhos mais arejados de seu realizador.

VIRGÍNIA E ADELAIDE (idem, 2025, de Yasmin Thayná e Jorge Furtado): Uma das gratas surpresas do ano, Virgínia e Adelaide traz os talentos que consagraram Jorge Furtado como diretor e roteirista ao mesmo tempo em que complementa a visão do gaúcho com a chegada do olhar atento e feminino de Yasmin Thayná como sua parceira atrás das câmeras. Ambos são muito exitosos na naturalidade conferida a um longa-metragem suscetível à mera exposição ou às vaidades de uma possível verborragia. Se o tema abre margem para isso — o diálogo através dos anos entre as duas mulheres que inauguraram a psicanálise no Brasil —, a dupla dá conta de, também por meio das excelentes interpretações de Sophie Charlotte e Gabriela Correa, abordar a investigação formal ou não da mente com os pés no chão, mantendo-se próximo ao espectador, sem jamais se tornar ininteligível ou por demais intelectual. Tudo transcorre em basicamente apenas um cenário — a casa da psicanalista alemã Adelaide Koch —, o que não se revela um problema para Thayná e Furtado, pois eles compreendem como a geografia emocional das personagens e a respectiva evolução de seus estados de espírito abarcam espaços e leituras que não se limitam a um mero espaço. Virgínia Adelaide é, sim, sobre duas mulheres responsáveis pelo nascimento da psicanálise, mas também sobre a jornada pessoal de cada uma delas a partir desse encontro. Enquanto Virgínia reflete sobre sua presença no mundo como uma mulher negra em busca de um lugar ao sol e de resolver suas próprias questões, Adelaide revê muitos de seus posicionamentos como uma profissional já estabelecida em (re)conhecimentos. Entre o acessível e o reflexivo, o longa ilumina uma história que há muito já deveria ter sido descoberta e contada.

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