
Eden Dambrine é uma revelação no dilacerante Close, oitavo filme a garantir para a Bélgica uma indicação ao Oscar de melhor filme internacional
AVATAR: O CAMINHO DA ÁGUA (Avatar: The Way of Water, 2023, de James Cameron): Se há algo em que James Cameron nunca falha é em entregar aquilo o que sempre prometeu. Avatar: O Caminho da Água não foge à regra. É espetáculo vistoso e capaz de preencher a tela, justificando tanto tempo de espera desde o lançamento do filme original em 2009. E não é impacto válido apenas para quem tem a oportunidade de ver na melhor sala possível: aposto boa parte das minhas fichas que essa continuação, assim como todos os filmes de Cameron, preservará sua grandiosidade em qualquer tela. E, digamos, que para por aí, pois O Caminho da Água tem dois problemas centrais, começando pela ausência do fator surpresa. Já conhecemos profundamente a terra de Pandora e sua impressionante estética, algo que Cameron tenta contornar — às vezes acertando, outras não — ao levar os personagens para uma outra localização dentro daquele universo. Sem a efervescência de algo novo em termos de espetáculo, o peso maior recai sobre o roteiro, sempre um calcanhar de Aquiles na filmografia do diretor. E a má notícia é que o texto de O Caminho da Água se revela fraco até mesmo para o padrão James Cameron. Com exceção da baixa de um ou outro personagem e dos comoventes instintos parentais dos protagonistas para proteger seus filhos, essa sequência chove no molhado e termina quase como se nada tivesse acontecido em termos práticos ao longo de mais de três horas, além de se repetir na preguiçosa reciclagem do vilão. No geral, em termos comparativos com o filme anterior, não são bons indícios para uma franquia que Cameron já revelou planejar até um quarto, quinto, sexto ou sétimo longa-metragem…
BLONDE (idem, 2022, de Andrew Dominik): Antes Blonde fosse apenas um projeto ruim desmerecedor do talento a sua protagonista, uma vez que desses temos aos montes, ainda mais quando falamos sobre cinebiografias. A questão com esse filme sobre a vida do ícone Marilyn Monroe é outra: a de mau gosto mesmo. Tendo como base o livro homônimo de Joyce Carol Oates, o diretor Andrew Dominik (O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford) usa um viés assumidamente imaginativo apenas para torturar Marilyn Monroe. Não que a protagonista de clássicos como O Pecado Mora ao Lado e Os Homens Preferem as Loiras tenha tido uma vida fácil. Pelo contrário. Agora, resumi-la a isso é desonrar a lembrança de uma das maiores estrelas já aclamadas em Hollywood. A cruz carregada pela protagonista é tão pesada o tempo inteiro que, em certo ponto, o drama acaba se banalizando. Dominik tem imensas virtudes ao compor imagens — não à toa, a fotografia de Chayse Irvin e a trilha de Nick Cave e Warren Ellis brilham mesmo com todos os problemas amontoados —, mas, neste caso, falta o mínimo de calibragem para abarcar melhor tantas emoções que, por si próprias, já são deveras pesadas. Blonde é longuíssimo e, diante de tanto sofrimento, comete até a proeza de transformar Marilyn Monroe em uma protagonista das mais chatas. Ainda assim, com tudo trabalhando contra, Ana de Armas sobrevive e vai além. Sua performance acerta na meticulosidade de técnica e sensibilidade, expondo nuances e observações que o seu próprio filme parece incapaz de perceber — ou pior, de aceitar como bons caminhos a serem seguidos.
CLOSE (idem, 2022, de Lukas Dhont): Evite a qualquer custo spoilers envolvendo Close, título que marca a oitava indicação da Bélgica ao Oscar de melhor filme internacional. Saber de antemão o núcleo das emoções deste segundo longa-metragem de Lukas Dhont afeta a construção de impacto da jornada nada fácil de uma amizade entre dois jovens garotos. Pelo menos em anos recentes, não tenho lembrança de um coming of age tão doloroso e que confie tanto no espectador para absorver uma situação difícil e incômoda. Se, do ponto de definição, o coming of age é uma história em que determinado personagem sai da infância para adentrar a vida adulta, Close dramatiza esse rito ao se concentrar no que acontece quando alguém é obrigado a administrar emoções complicadíssimas até mesmo para adultos. Na mistura, coloca ainda outro dilema delicado: por que a sociedade cobra tantas respostas e definições em uma fase da vida amplamente marcada pela (auto)descoberta e pela busca do entendimento daquilo que se quer ser, fazer ou sentir? Por que é exigido que uma criança seja de um jeito ou de outro quando nem ela própria começou a pensar em quem deseja se tornar? Assim como no devastador Alabama Monroe, a Bélgica está mais uma vez sob os holofotes mundiais com uma obra difícil de assistir pela franqueza com que mapeia os desdobramentos de uma situação responsável por deixar marcas indeléveis para toda a vida. Na dianteira do elenco, o jovem Eden Dambrine é uma revelação e entrega desempenho incrivelmente maduro. E, para quem gosta de trilhas sonoras, vale prestar atenção nas composições instrumentais de Valentin Hadjadj, todas no equilíbrio certo entre a dor e a beleza.
TOP GUN: MAVERICK (idem, 2022, de Joseph Kosinski): Ninguém imaginava que Top Gun: Maverick pudesse ir tão longe. O sucesso de bilheteria, claro, era esperado, mas o que surpreendeu mesmo foi o amplo reconhecimento da crítica e as suas seis indicações ao Oscar, incluindo as de melhor filme e roteiro adaptado. Além de ser um longa com adrenalina toda vez que aposta na adrenalina das cenas aéreas, Top Gun: Maverick reforça o talento do cineasta Joseph Kosinski em orquestrar a parte técnica, algo perceptível desde a sua estreia na direção de longas-metragens com Tron: O Legado. Diverte e frequentemente empolga de maneira que seu sucesso com o público seja inquestionável. De bandeja, a sequência do longa-metragem original de 1986 termina ao som de Hold My Hand, ótima canção de Lady Gaga também indicada ao Oscar. Ainda assim, é de se estranhar tantas honrarias a ponto de Top Gun: Maverick ter sido considerado o melhor filme do ano pelo National Board of Review. Não é para tanto. Por outro lado, pode ser que uma caraterística da qual eu não compartilho pese bastante na avaliação: a nostalgia. Kosinski preserva intacta uma certa áurea dos anos 1980, compilando referências a personagens e acontecimentos passados, lembranças ainda muito presentes para o protagonista interpretado por Tom Cruise e um punhado de voos incríveis (e potencializados pela evolução técnica do cinema desde os anos 1980). Já para aquele espectador que não tem relação com o filme original ou caiu de paraquedas na continuação, é provável que, dramaticamente falando, tudo soe um pouco datado e (bastante) cafona. Ou seja, como sempre acontece no cinema, tudo é questão de ponto de vista.