I see evil on this train.
Direção: Kenneth Branagh
Roteiro: Michael Green, baseado no livro homônimo de Agatha Christie
Elenco: Kenneth Branagh, Michelle Pfeiffer, Judi Dench, Penélope Cruz, Willem Dafoe, Josh Gad, Daisy Ridley, Leslie Odom Jr., Johnny Depp, Tom Bateman, Olivia Colman
Murder on the Orient Express, EUA/Malta, Drama/Suspense, 104 minutos
Sinopse: O detetive Hercule Poirot (Kenneth Branagh) embarca de última hora no trem Expresso do Oriente, graças à amizade que possui com Bouc (Tom Bateman), que coordena a viagem. Já a bordo, ele conhece os demais passageiros e resiste à insistente aproximação de Edward Ratchett (Johnny Depp), que deseja contratá-lo para ser seu segurança particular. Na noite seguinte, Ratchett é morto em seu vagão. Com a viagem momentaneamente interrompida devido a uma nevasca que fez com que o trem descarrilhasse, Bouc convence Poirot para que use suas habilidades dedutivas de forma a desvendar o crime cometido. (Adoro Cinema)
Haja topete para enfrentar a mitologia dupla que cerca O Assassinato no Expresso do Oriente. A primeira delas é, claro, o popular livro homônimo lançado por Agatha Christie em 1934. A segunda é a adaptação dirigida por ninguém menos do que o saudoso Sidney Lumet em 1974 com um elenco que reunia nomes como Albert Finney, Lauren Bacall, Vanessa Redgrave, Sean Connery e Ingrid Bergman (vencedora de seu terceiro e último Oscar pelo desempenho apresentado na obra). Para começo de conversa, que fique, então, anotado: a bagagem que a nova versão de O Assassinato no Expresso do Oriente precisa carregar é das mais pesadas.
O novo projeto, no entanto, não se intimida, pois as ambições não param por aqui: já está confirmada a produção de uma franquia estrelada pelo excêntrico detetive Hercule Poirot, protagonista de Expresso do Oriente, dessa vez interpretado por Branagh. O ator, que também dirige o filme, repetirá a dobradinha em Morte no Nilo, que está na fila de espera como a nova transposição dos universos de Agatha Christie para o cinema. Até lá, fica a torcida para que Nilo tenha mais clima do que a nova versão de Oriente, uma vez que, mesmo com um elenco à altura do filme de 1974 em termos de prestígio, esse remake em cartaz nos cinemas brasileiros não chega perto de causar qualquer comoção.
Verborrágico, O Assassinato do Expresso do Oriente se atrapalha com o zelo excessivo ao material literário. Branagh, de vez em quando, tenta trazer criatividade e fluidez como diretor ao, entre outras jogadas, posicionar a câmera em pontos inusitados, mas não é o suficiente para disfarçar a vocação literária da trama. Escrito por Michael Green (Blade Runner 2049, Logan), o roteiro reforça a sensação com a total falta de profundidade dos personagens, que, sem maiores embasamentos dramáticos, desfilam como se tivessem apenas que destacar suas características mais básicas e pontuais. Assim, a tarefa de Penélope Cruz, por exemplo, é somente carregar o sotaque como uma religiosa espanhola tratada como mero alívio cômico.
O que sobra como diversão para O Assassinato no Expresso do Oriente é de fato tentar descobrir quem cometeu o tal homicídio nesse cenário extraordinário, o que, já vale avisar, é uma tarefa impossível (e talvez seja isso que mantenha o espectador interessado em meio a uma condução tão morna). Se Branagh acerta na personificação de Poirot sem transformá-lo em um mero palhaço inteligente, seu trabalho como diretor carece de tração: tanto nas revelações quanto nas pistas falsas que planta, Branagh não cria fascínio pelo senso de surpresa ou esperteza. O resultado é uma conclusão criativa em essência, mas amortecida por um filme que não acompanha sua invenção.
Morno e sem vida, O Assassinato no Expresso do Oriente perde a belíssima chance de ser uma viagem inesquecível: imaginem o tanto que poderia ser feito para os sentidos com uma trama cuja principal circunstância por si só já causa certo pavor. Não sei quanto a vocês, mas, para me angustiar, basta a ideia de estar preso em um trem encalhado por uma avalanche. E o que dirá, então, com um assassino sem identidade à solta! Pois não há essa tensão, e a moral da história, pela milésima vez, é a de que certos ícones devem permanecer intocados. Será que um dia vão aprender?